Passos Arcanos - Capítulo 160
— Alto — a voz veio de longe, quase trinta metros de sua posição. Uma runa de quase dez metros se elevou e apontou na direção de Orion. Era bem detalhada, muito mais definida do que a Academia de Magnus tinha como defesa. — Identifique-se, estranho.
Orion puxou uma emblema dourado e ergueu. Usava seu traje de batalha, sendo enegrecido no meio de todo o verde a amarelo da mata. Se não tivessem visto andando, realmente a Ordem estava afundando bem rápido.
— Sou Orion Baker, Selector de Assuntos Gerais, da Academia de Magnus. Vim a pedido de seu supervisor, Randyse Prime.
A mão do homem se esticou e seu emblema voou a sua posse. Ele analisou e passou para um outro que saiu andando.
— Fique onde está. Iremos comprovar sua identificação e também o pedido.
Por dez minutos, Orion manteve-se encarando ao redor. A resposta demorou mais do que achou. Melhor assim, terem cuidado com quem chega perto é comum, eu acho. A runa que girava no alto se desfez completamente quando o guarda o chamou.
Mais de perto, o rosto dele era bem mais escuro, e seu olho direito bem escuro, a coloração do esquerdo tinha desaparecido criando um branco fantasmagórico junto da cicatriz que a cortava.
— Orion Baker, hein? — devolveu o emblema e o viu ser guardado. — Um Selector tão novo, mas as notícias correm rápido, Oblak e Sanduc foram mortos depois de traírem o diretor. — Cuspiu no chão. — Eu teria feito o mesmo com os dois bastardos. Nunca gostei deles mesmo.
— Simpatizo com você. — Orion apertou sua mão. — Eles me deixaram como Selector temporário, mas tenho resolvido os assuntos pendentes e estou menos atarefado.
— Olha, Baker, mesmo que fosse o pior dos piores, aqui somos todos iguais. O único diferente é o homem que está naquela imensa tenda. — Apontou para o local de morada com pinos erguidos e uma imensa cabana protegida por mais de dez Magos. — O Comandante manda, nós obedecemos, é simples e fácil.
— Simples e fácil. E qual o seu nome?
— O meu? — O homem piscou várias vezes. — Sempre me esqueço de falar. Sou Farram, Mago de Partículas. Faço ronda e sou um dos poucos que resta do Primeiro Esquadrão do Bosque Amarelo.
Orion conhecia o título. Eram os primeiros homens mandados primeiro para o Campanário que formaram uma base, conjuraram forças contra o Clero e uma seita de Feiticeiros e Demônios que nasceram com o tempo.
— Desculpa, mas eu achei que todos tinham morrido quando a Rainha dos Espinhos chegou. — Devia ter mais respeito com esse homem dali pra frente. — Existe mais alguém que sobreviveu?
— Claro que tem. — Eles chegaram aos dez Magos de prontidão. Os olhares eram duros como rochas. Devem ter visto muita coisa na guerra. Farram puxou a porta da tenda para o lado, dando passagem. — Randysse é um deles.
O homem no centro da tenda tinha cerca de cinco auxiliares dando opiniões sobre terreno, carga e operações. Falavam um por cima do outro, mãos gesticulavam e saliva voava, uma verdadeira guerra.
Lembrava-se que quando os membros dos Baker se reuniam o mesmo acontecia. Um bando de selvagens, como seu pai os chamava. Não sabem conversar sem gritar, não sabem dar um argumento sem xingarem um ao outro.
— Randysse. — Por incrível que parecesse, a voz de Farram chegou ao homem sentado, bem no meio do furacão. — Estou com o Selector de Magnus. Esse é Orion Baker.
O Comandante se levantou. Mais alto do que Orion, mais forte também. Nada de placas de ferro nos ombros ou no peito, mas seus músculos definidos lembravam bem de como um Cavaleiro deveria se parecer para intimidar um inimigo.
Ainda assim, sua mana era bem densa, mais do que o próprio Farram.
— Peço desculpas pelo barulho, Baker. Soube que estava aqui, mas meus homens não conseguem fechar a boca para um convidado.
— Estamos em guerra, senhor. — Orion negou com a cabeça. — É bem mais importante do que educação.
No sorriso do Comandante, Orion viu o quebradiço humor.
— Me acompanhe, vamos tomar um ar.
— Eles não vão notar?
Sua mão recaiu sobre os ombros de Orion.
— Já dormi por quase três horas e nenhum deles notou. — Deu de ombros, voltando a saída. — São sedentos por progresso e esquecem que não lutam. Conselheiros de Guerra, como vocês devem chamar.
Homens que sentam ou planejam juntos. Randysse tinha um temperamento bem leve perante seus homens. Saudava cada um por onde passava e perguntava sobre algo em específico, como o tempo e também os animais.
As respostas vinham dos batedores que deixavam de tempos em tempos e retornavam aos seus postos.
— Seria um lugar agradável para tirar férias — comentou ao passarem pela entrada. Farram os observou e seguiu o Comandante quase cinco passos atrás. — Na carta diz que houve algum tipo de doença que atacou os acampamentos.
— Sim. Perdemos três Magos ontem para ela. — Virou-se na direção de algumas árvores. — Nós os enterramos, como gostariam de ser, mas tivemos que deixar seus pertences para não haver contaminação.
— E existe alguém ainda vivo?
— Sim, mas não podemos chegar até lá. A respiração de qualquer poeira tóxica já faz efeitos bem rápidos. — O rosto dele era abatido, muito diferente do cansaço ou da tristeza. — Se chegar muito perto, sua cova vai ser a próxima.
— Sei que é pedir muito, mas poderia me dar a possibilidade de ver essas pessoas.
— E o que vai fazer?
— Tenho muitas habilidades, senhor. Quero testar algumas nessas pessoas para ver o que está acontecendo, e se eu descobrir, ainda tenho a possibilidade de achar um jeito de curar os biomas.
Um lampejo, foi o que viu nos olhos daquele homem. A esperança, ato nobre que existia entre os seres humanos, ascendeu e morreu nele. Ter visto tantos homens morrerem, e ainda ter que comandar outros que chegam.
Quem poderia acreditar na esperança dessa forma?
— Só peço uma chance, senhor. — Uma frase que Orion passou a dizer com frequência. — Se me der, tenho certeza que posso ajudar mais do que necessário. E pode não parecer, mas sou um combatente.
— Eu sei que é. Seus dedos são mais calejados do que a última remessa de homens que a Ordem me mandou. — Deram a volta para o acampamento. — Tive que mandar eles de volta para uma cidade segura e treinar. São tão verdes que cheiravam a alface.
Orion deu uma risada.
— Creio que eles não estão acostumados a lidar com tanta pressão.
— Ninguém realmente nasce com essa habilidade. — Olhou para Farram, retornando a frente. — Pessoas como ele e eu nascemos para estar aqui, em nenhum outro lugar. E com os pedidos que o Alto Escalão nos pede, um grupo de Magos bem forte deve chegar as Ruínas de Ponta Fina, nós temos que abrir caminho.
— É uma missão e tanto.
— Bastante.
Se aproximaram de uma estranha estrutura de pedra. Era um cubo erguido da terra, dois deles, lado a lado, e separados por dois metros. Sem janelas, sem portas, sem nada além de pedra erguida e um cheiro de podre bem forte.
Farram ficou mais de vinte metros afastados, e Randysse fez o mesmo, respeitando o limite.
— Esse é o espaço que os Magos disseram que seria bom ficar longe. Se quer ir lá, posso pedir para abrirem uma porta.
— Não é necessário. — Orion deu dois passos. — Sou um Mago de Matéria, posso fazer isso por eles.
O cheiro era diferente. Enquanto o resto da fauna cheirava bem doce e vivo, aquele espaço abraçava o aspecto de moribundo e aterrorizante. A aura enegrecida, Orion não tinha certeza se os outros podiam vê-la, mas era bem forte, sobrevoando os dois cubos.
A doença era realmente fatal.
— Você disse que perdeu três Magos ontem — falou alto para o Comandante. — Quanto tempo eles ficam vivos?
— Cerca de dois dias. Esses dois são dois antigos amigos, são Arche-Magos.
Só a mana era suficiente para corroer a pele se entrasse cerca de cinco metros. Orion abriu o braço e uma runa de luz se formou. Nada além de uma pequena parcela de sombras correu para longe.
— Não é uma magia. — Abaixou e tocou o solo. Uma runa de Somat cresceu e envolveu a terra e também as folhas escuras. O círculo girou por quase dez vezes antes de travar. — E não foi feito para matar só os homens. Os Sacerdotes não criam nada que não os beneficiam e as informações são que ela começou bem longe de onde batalhavam.
— Exatamente — Farram respondeu. — Perto do Desfiladeiro.
— E quando foi a última vez que viram um Feiticeiro Ahibad? — Virou-se para os dois, suas caras bem tranquilas. O canto da boca do Comandante tremulou. — Então, são eles. Eu esperava que fosse no momento que senti a estranha energia. Isso aqui não se trata de um ataque coordenado para a Ordem, é mais uma sentença do grupo que confrontaram antes do Clero.
— Os Feiticeiros Ahibad foram trucidados em uma semana de expedição. Os Magos foram atrás dele dentro do Desfiladeiro, e voltaram com a cabeça do chefe, Reipa Crics.
— A cabeça dele deve ter valido a pena, mas essa não é uma magia, Comandante. — Orion ergueu a mão, sua pele começou a escurecer lentamente. — É uma maldição, e levou o nome de ‘Eterno Breu’.