Passos Arcanos - Capítulo 161
Eterno Breu, como conhecido, só tinha uma única funcionalidade, destruir tudo o que estava em sua frente. A sua desvantagem vinha do fato dela ser uma maldição.
— Assim como ela precisa de mana, sua função vai para corromper e depois consumir. Esse processo demora cerca de 15 horas a cada centímetro, no máximo. O que vale é a quantidade de mana que foi depositada para ela ser conjurada. — Orion tinha Farram e Randysse ainda o fitando do lado de fora. — Por um lado é rápido de fugir, mas sempre temos problemas.
— É indestrutível? — o Comandante perguntou francamente. — Temos que fugir?
— Se uma maldição fosse assim, senhor, nossos Grande Magos do passado teriam morrido aos vinte anos. — Simplesmente dobrando as pernas, Orion se sentou no meio da grama escura. — Só preciso de um pouco de tempo.
Farram questionou seu Comandante com o olhar.
— Orion, sei que você tem uma pequena tendência a querer nos impressionar, mas foi dito que isso mata todos os homens que toca.
— Então, vou começar logo. — Fechou os olhos e esticou as mãos para frente. — Podem assistir porque vai fazer bem para entenderem o que estou dizendo. — A mana liberada de seu corpo reagiu ao Eterno Breu e foi consumida velozmente. — Agora que estamos conectados, preciso descarregar a mesma quantidade e aumentar o consumo para o outro lado.
— Um cabo de guerra?
— Quase isso, só que é bem mais técnico. — Seus dedos se uniram em diversas posições, criando uma ramificação de linhas brilhantes ao seu redor. Na escuridão de sua visão, alinhava os planos e também a criação da runa. Dar vida a uma purificação só a deixava mais brilhante. — ‘Somat: Sucção de Lumos’.
O impulso negro criou uma onda ao redor de Orion. O breu começou a flutuar, se desgrudando do solo. A runa ao redor de Orion elevou até mesmo no cubo de pedra, tornando a rotacionar lentamente.
— Eu usei uma runa de identificação para achar os conceitos da Escola das Trevas — explicou aos dois. — O segundo passo é contornar por dentro, separando as impurezas e achando seu núcleo. Até mesmo as maldições possuem uma regra a se seguir, que por incrível que pareça, é o mesmo que os Magos e os Sacerdotes.
— E o que seria?
— Elas são conduzidas a partir da mana. — O dedo girou no ar e a velocidade da rotação aumentou em duas vezes. A gosma preta foi abrindo e uma azulada se desfiliou dela, retornando para o chão. Ao seu toque, a grama ganhou novamente a cor esverdeada e amarelada. — Uma matriz ou uma runa precisa de uma pessoa para conjurá-la, e por ser feito por uma pessoa que segue os padrões da história do mundo, existe uma falha.
Os dois ficaram abismados. Não só o breu estava morrendo como a vida voltou a atuar nos lugares antes corrompidos. E, de repente, ouviram um som oco. O primeiro cubo de pedra foi aberto por um punho, e raios se libertaram de dentro.
Um homem, usando seu traje de batalha azulado, agarrou o portal que forjou e colocou a cabeça pra fora. Puxou a maior quantidade de ar que pôde, e caiu de joelhos.
— Eu estou… com sede. — Fechou os olhos e gritou. — Porra, que sede. Alguém, me traga água.
— Antony — Randysse quase gritou, ainda cheio de contentamento na voz. — Fique onde está. O Baker está te curando. Fique onde está.
O segundo cubo foi quebrado também. Mackenzi saiu olhando ao redor, com um traje empoeirado e um olhar cansado. As olheiras roxas se assemelhavam as maquiagens das mulheres da corte nobre de tão escuras, e seus lábios rachados não sentiam água fazia meses.
— Mackenzi, não se mova também.
Os dois olharam para a runa que os rondava e assistiram as partes da escuridão que comia seus órgãos sendo puxados para fora. A medida que passava, os dois ganharam massa e suas peles ficaram bronzeadas.
— O que é isso? — perguntou Mackenzi olhando para as próprias mãos e pernas. — Parece que estou tendo um sonho. Doía tanto e agora…
— Sumiu — completou Antony. — Simplesmente desapareceu.
Os Magos assistiam do acampamento e assobiavam e gritavam, alegres. Aqueles dois eram conhecidos e famosos, Orion entendia. Agora, o barulho e também ficar se mexendo dentro da sua runa já era demais.
Ele mexeu o braço e os dois tiveram suas pernas afundadas quase meio metro. As raízes se enroscaram e frieza correu depois.
— O que está fazendo? — Randysse perguntou. — O que houve?
— Se ficarem se mexendo, eu vou perder a precisão de cada área. Eu estou usando uma magia de Partículas, então, tenho que ir partícula por partícula. — Orion criou mais duas raízes que prenderam os braços dos dois. — Assim é melhor.
Farram deu uma gargalha. Os dois Arche-Magos foram puxados para baixo sem nem mesmo terem reação. Ainda mais impressionante foi o fato de que o Baker paralisou os dois sem ao menos conjurar uma segunda runa.
Vinte minutos foram o suficiente. A última parte da gosma se dissolveu no ar e o fluído azulado percorreu o solo. Ao abrir os olhos, cerca de cem Magos o encaravam e não era de desdenho.
— Posso me acostumar com isso — sussurrou e levantou-se. — Eu finalizei a runa e também tirei toda a maldição que assolava essa área. — Não conseguiu deixar de olhar para as árvores e as covas. — Queria ter chegado mais cedo, talvez seus três Magos pudessem ser salvos.
— Orion, fez mais do que qualquer um poderia.
Randysse apertou sua mão e depois lhe deu um abraço forte. Passou por ele e seguiu para seus dois amigos. Farram chegou e deu um tapinha em seu ombro.
— Você conseguiu fazer dois membros viraram quatro. Eles também são parte do Primeiro Esquadrão do Bosque Amarelo. Te agradeço, Baker.
Orion apertou a mão de cada Mago que se aproximou. Foram quase trinta, e outros acenaram de longe, de seus postos no acampamento. Os dois Arche-Magos foram levados para serem tratados em cabanas mais adequadas e lavados.
No tardar, as estrelas começaram a aparecer na medida que as tochas foram acessas. Não tinha lua no céu aquela noite, e por mais que a escuridão fosse sempre a mesma, ali no Campanário, dava para sentir que a situação a deixava atenta, descontrolada.
O jantar foi feito pelo cozinheiro oficial, de nome Hambur Gerss. Uma imensa carcaça foi levantada e cozinhada, comeram bastantes, com Randysse presente ao lado dos seus dois colegas que retornaram da maldição.
Eles cantaram, mesmo que fosse proibido, e beberam, como se o amanhã ou a guerra existissem. Orion despistou Farram, indo para a entrada do acampamento. As chamas iluminavam apenas uns dez metros, mas para quem estava dentro da floresta, era um chamariz ardente.
Eles não o chamavam de Orion, era sempre Baker. Ali, não parecia que eles conheciam sobre sua família nem mesmo da desonra que carregava. Somos todos iguais, duvidava muito disso quando a conta chegava.
Alguém sempre carregava a culpa na hora do problema e essa pessoa deveria estar acima, fosse por nome ou por cargo. Ele tinha ido até ali para resolver esse problema, e achou a solução bem mais rápido do que achou.
Ter lido sobre todas as maldições do mundo na biblioteca de Magnus não foi de todo mal, mesmo Poulius dizendo ser perda de tempo. Muita gente gostava de opinar sobre conhecimento alheio, se impressionava bastante com isso.
— Refletindo? — Randyssen perguntou ao ficar do seu lado. Com tantos pensamentos, nem o ouviu se aproximar. — Ou só existindo? Como dizem os meus colegas.
— Sempre estou pensando no meu próximo passo.
— A alma de um líder. É uma qualidade que se herda com pouca frequência. — O Comandante almejou a escuridão pela visão. — Sempre que penso sobre o futuro, me chegam infinitas opções e como terei que tratar cada uma.
— Faço o mesmo e não costumo deixar pontas soltas.
— O mesmo.
Os dois tiveram um momento de silêncio até que Farram apareceu dando altas gargalhadas e segurando um copo.
— Chefe, chefe. Temos que voltar. Antony disse que vai comer um cordeiro inteiro se não voltar. E ele já comeu metade de um. — Agarrou seu braço, fazendo a volta. — Vamos. Baker, não se acan… — soltou um soluço. — Tem muita carne ainda pra queimar. Amanhã nós resolvemos a guerra, vamos.
Randysse retornou com Farram, mas Orion fitou por mais alguns segundos a escuridão e a floresta. O verde e o amarelo, mesmo bem fortes durante o dia, sucumbia para o breu. A maldição poderia não ser eterna, nem a noite, mas perpétua, isso ela era.
E era no escuro que os pesadelos gostavam de trabalhar.
I
— Um Mago chegou — a voz ecoou dentro da caverna. Nenhuma tocha ou luz clareava. Apenas a escuridão. — Um Mago de Primeiro Núcleo, parece.
— Fraco — o gruído retornou. — Fraco demais.
— Ele venceu o Breu, venceu. — Sinos, pequenos sinos chacolhavam. — Um Mago venceu o Breu Eterno. Fraco?
Um suspiro.
— Ele venceu — era uma mulher. — Libere as sombras, ache e o mate. Ninguém deve vencer o breu.
— Sombras? — Os sinos tocaram e pararam. — Sinos? Sombras? Sombras?
Silêncio. Ninguém mais falou nada.
— Fraco — o arrastar soou quase cinco minutos depois. — Muito fraco.