Passos Arcanos - Capítulo 166
Foi bem mais deprimente para Randysse quando Orion retornou. Lingot já o esperava com expectativa, mas ele queria a cabeça de Gemini a qualquer custo. No entanto, assim que pisou de volta em Cro, se enfiou dentro de um escritório sozinho e sem ninguém.
A responsabilidade de todo o tipo de material, comida, recursos e expedições se virou para Randysse. Já tinha sido um Comandante de quase duzentos homens, e ainda chefe de um batalhão com figuras complicadas de se lidar.
Então, tomou esse fator para si e envolveu-se para liderar. Lingot também fez seu papel. Sentava o dia na Sala dos Governadores, no topo de Cro, onde sua janela era virada para a campina, e escrevia seus relatórios.
Os últimos três tomaram bastante seu tempo. Viu a ponta da pena mergulhar no tinteiro mais de cem vezes, e ainda nem mesmo parecia estar na metade do trabalho. O foco dado se tornou ainda mais eficiente depois dela dizer que Orion teria seu nome em cada um.
Por algum motivo, uma das mulheres mais prestigiadas por ser um Cavaleira e também uma Comandante se converteu de que Orion Baker era muito superior a ela. Na verdade, ele era. Muito mais do que os Magos de Quinto Núcleo. O problema era demonstrar isso abertamente.
Porém, os três dias seguintes, o que deveria ter sido uma parabenização por Orion ter feito tanto, se tornou uma rotina de conversar com os soldados, se manter informado dos problemas envolvendo a ruína e esperando Lingot terminar seu trabalho para que pudesse revisar.
Eles subiram juntos para o topo da Torre da Andorinha pelas escadas giratórias. Lá em cima, Lingo amarrou seu pergaminho a garra afiada de um dos falcões, e diminuiu o tamanho do documento usando magia passiva.
Enviou as três em sequência, para lugares distintos. Randysse inclinou-se no parapeito da torre, olhando diretamente para a campina. O verde era verde, o azul era azul, e os Magos lá embaixo reforçavam suas magias para criar uma barreira para um possível ataque.
Suspirou, era cansativo. Muito mais do que imaginou ser algum dia. E Lingot notou.
— Você não costuma suspirar assim. — Ficou ao seu lado, olhando lá pra baixo. — Só se estiver com alguma coisa na cabeça que não consegue arrancar a força.
— Só estive pensando no quanto ficamos aqui e o quanto lutamos. — Mais de dez anos, contando o templo completo. — Queria ter a possibilidade de visitar minha casa antes de perder um braço ou perna, é o que tenho pensado.
— Os Magos de VilaVelha devem mandar tropas para nos substituir.
— Queria acreditar nisso. Mas, desde que chegamos aqui, a única ouvi que ouvi sobre isso foi quando cheguei, e era um rapaz novo e cru. Liderei homens para a morte e agora que estão chegando remanescentes dos outros esquadrões, sinto que vai aumentar.
— Ninguém é perfeito. Não dá pra salvar todo mundo, Randysse. — Ela deu um tapinha no seu ombro. — Já devia saber disso faz um tempo. A gente faz o que a gente pode para vencer essa guerra, e cada vez mais chegamos perto dela.
— Da vitória? — Ele zombou num resmungo. — Isso é só um cabo de guerra por pedaços de terras. Eu vejo verde em todo lugar, e eles querem tudo pra eles. E não sei o motivo. É o que me deixa irritado, eu não saber o porquê estou aqui.
A sensação de desconforto do seu peito aumentava a medida que falava. E só quando respirou um pouco mais que ela se tornou amena. Aquele inferno de batalhas e mortes serviam para que, no final de tudo?
E se serviam, por que tanta gente parecia se divertir no meio dela?
— Olha, sei que vai parecer um pouco difícil, mas é a vida que escolhemos levar. — Lingot apontou para frente. — Essa área inteira pertence a Ordem agora, então, eu vou lutar pelo que acredito. E o que eu acredito é que estou fazendo o certo.
— Uma guerra nunca é o certo.
Ele esperava uma resposta de sua amiga. Lingot focou bem a frente, acima da campina. E quando Randysse fez o mesmo, percebeu que algo vinha em sua direção pacientemente. As roupas negras, a capa esvoaçante e uma postura calma, de olhos serenos e braços atrás das costas.
Era Orion, pairando sozinho no ar, sem uma runa ou matriz brilhando abaixo dos seus pés.
— Espero não estar atrapalhando — disse ao parar no ar, quase dois metros da janela. — Fiz uma breve viagem até o Desfiladeiro.
— Como? — Lingot se endireitou completamente. — Como está fazendo isso, senhor?
— Isso? — Ele olhou para si. — Ah, quer dizer voar?
— Exato. Os relatórios dos Arcanistas diziam que era uma das mais complexas runas a se completar. — Sua voz quase falhava. — Alguns falam que é impossível.
Orion mostrou um sorriso.
— Acho que quebrei esse tabu. — Mirou a janela. — Posso entrar?
Acha? Randysse o deixou passar. Nunca tinha visto alguém voar e ele ainda tinha uma sintonia estranha de que poderia fazer aquilo o dia inteiro. Orion aterrissou e respirou fundo, olhando ao redor.
— Parece bem organizado para uma torre de envio. Achei que teria alguém tomando conta.
— Ainda estamos organização os soldados para suas futuras posições, senhor — respondeu Lingot. — Assim que tivermos uma definição, a Ruína de Cro voltará a ser operacional.
— Que ótimo. Estão fazendo muita coisa ultimamente, então não quis atrapalhar. — Ele puxou um pequeno papiro de sua sacola espacial e deixou em cima da mesa. — Aqui está o relatório que eu mesmo fiz para poupar tempo.
Randysse avançou e o abriu.
— Noite passada estive no Desfiladeiro e usei a magia de purificação. Achei o lugar onde a maldição havia se instalado e limpei onde estavam os inimigos. — Orion falava como se tudo fosse tudo fácil. — Deixei tudo anotado e também trouxe de volta o material que eles usaram como matéria-prima.
Mais de cinco sacolas foram deixadas ao lado da mesa de madeira.
— E gostaria de questionar alguns pontos sobre o mapa que deixei com você, Lingot.
— Claro, senhor. Diga.
— Eu soube que o próximo passo para tomar o Campanário seria chegar a Porb. É verdade?
— Sim. A cidade comporta uma das maiores habitações de Sacerdotes, e também tem uma imensa reserva de recursos que são distribuídos para cidades e acampamentos vizinhos.
Orion assentiu, sabendo disso.
— Gostaria que pensasse duas vezes antes de ir até lá.
Lingot foi pega de surpresa e demorou um pouco para retrucar.
— E por que, senhor?
— A cidade não tem benefício a Ordem. Se colocarmos no papel, ela possuí mais de cinco mil civis. Um ataque concentrado levaria a morte de muita gente inocente, e duvido que esse registro ficaria bem no papel.
— A cidade é um ponto forte.
— Sei disso. Não estou aqui para dizer o que vão fazer, é apenas um conselho pessoal. — Mesmo naquela circunstância, o rapaz parecia ser um Imperador aos olhos de Randysse. — Se vão até lá, pensem e perguntem se vale a pena.
Randysse não esperava que Orion fosse dar um palpite tão mastigado. Desde que tinha voltado da ponte, suas ações se tornaram bem previsíveis aos seus olhos. Ele ainda era forte, poderoso e tinha um nome no qual poderia se apoiar, pelo menos ali no Campanário.
As pessoas respeitavam sua bravura e coragem. Ele enfrentou inimigos poderosos demais.
E quando descia para comer, se tornava um rapaz conversativo e bem amigável. Escutava as histórias dos outros e sempre perguntava, cheio de interesse. Um rapaz, como qualquer outro, curioso com o mundo e tão poderoso que o mundo teria um colapso caso tornasse seu inimigo.
Dois lados de uma moeda estranhamente misteriosa.
— Acho que minha vinda até aqui se encerrou — disse Orion. — Vou partir amanhã. Minha missão terminou por aqui. Espero pelos dois as nove no meu escritório. Tenho um presente para cada.
Ele caminhou até a porta e a abriu. Antes de sair, fez um ar surpreso.
— Ah, caso perguntem, vocês não me viram voando por ai. Vou ter um pouco de dor de cabeça a Ordem souber.
Lingot fez questão de concordar com a cabeça.
— Não vimos nada, senhor.
Orion escondia segredos até mesmo da maior organização de Magos do continente. Isso era ter culhão, e mais ainda, era ter um nome forte.
Baker, o Cão Imortal. Randysse queria ter um título maneiro assim algum dia.