Passos Arcanos - Capítulo 167
— Você voltou bem mais tarde do que achamos — Tauros disse. Ele conduzia uma reunião importante sem nenhum membro de Arsenus. — Se quiser descansar antes de tomar nota do que perdeu, entenderei.
— Vou aceitar.
Orion passou pela mesa cumprimentando um por um com a cabeça e deixou um documento para Tauros antes de sair. Poulius nada disse, e nem foi preciso.
— Ele parece meio diferente — Senma comentou com a mão perto do rosto.
— Diferente? — o diretor nem prestou muita atenção no comentário, lia o papel. — Como assim?
— Normalmente ele transmite uma aura forte. — Os outros assentiram. — Quando passou agora, parecia que não existia nada, nem mesmo um único fragmento daquela força toda que dizimou Oblak.
— Ele deve ter achado um jeito de esconder a própria aura — Mey respondeu. — Existem muitas formas de ocultar sua força.
Drieck já havia se juntado ao grupo. Seu braço ainda estava enfaixado, e seus dedos travados por talhas. Foram quebrados pelo impacto e tiveram de ser remodelados depois por Melissandre.
— Ocultar mana é completamente diferente de ocultar aura — explicou aos demais. — Quando um Mago quer aparentar ser mais fraco, ele simplesmente suprime seu núcleo mágico para espalhar a mana pela pele e pelas veias e não deixar escapar. Para sumir com sua aura, a pessoa precisa de um processo completamente longo, e sempre carrega uma situação drástica.
Agora Tauros prestava atenção.
— Quão drástica?
— A aura remete emoções envolvidas em experiências e também nos sentimentos que possui no momento. Para esconder cada um delas, é necessário ter passado por tantas vezes um lapso de vida ou morte que o próprio corpo esconde. — Drieck fazia esforço para explicar de forma razoável. — Eu diria que ele deve ter visto algo que o obrigou a suprimir seus desejos. Algo bem forte.
— Se me permite, senhor. — Poulius se ergueu do assento. — Estarei partindo para verificar se ele está bem.
— Por favor. E depois me traga um relatório de Cro. Aqueles dois que agradeceram a ele parecem ser bem importantes. E foram salvos. — Fez uma pausa. — Temos que estar cientes do que Orion fez caso alguma coisa aconteça lá pra frente.
Poulius assentiu e se dirigiu a saída. Passou pelo corredor e seguiu até o laboratório. Ao abrir a porta, deu de cara com a fornalha acessa e Orion sentado diante dela, mexendo na sua matriz. Realmente, tentando sentir mais da aura dele, os traços pareciam ter sido apagados completamente.
Nada, nem mesmo um pingo do que se deveria ter em um jovem de 18 anos. Isso era assustador.
— Algo errado? — Orion perguntou de costas. — Veio bem rápido.
— Só queria ter certeza se está tudo bem. Você parece mais estranho do que o normal. — Se aproximou e puxou uma cadeira para perto, ficando ao seu lado. — O Campanário é um cenário de guerra, então sei que é meio complicado ter visto algumas coisas.
— Esse é o problema. — Ele fitava o fogo com tanta tensão que parecia estar prestes a se jogar. — Não foi difícil. Posso te contar o que aconteceu?
— Claro.
Durante as duas horas seguidas, o rosto de Poulius foi de choque, nervosismo, tristeza e pena. Uma pessoa nunca deveria passar por um conflito onde se viu morrendo de várias formas, de ver quem ele conhece e todos os demais perecerem.
E o pior de tudo, Poulius via o quão triste era sua voz, mesmo que Orion tentasse ocultar.
— E eu lembro de cada parte, de cada maneira que aquele desgraçado usou para ferir as pessoas próximas a mim. — Parou e contou sobre Gemini e como a venceu usando uma magia de Força na lança. E deixou os Sacerdotes a levarem embora. — Depois daquele tempo inteiro vendo as pessoas morrerem, eu não consegui. — Virou o rosto apenas um pouco. Existia lágrimas no canto dos seus olhos. — Não consegui tirar a vida dela, mesmo ela sendo igual ao Azrael.
Tanto em três dias. Claro, não três dias comuns. Mil anos sofrendo mentalmente. Enfiado num mundo onde a única existência era a morte. E ter vencido, não ter deixado seus desejos de salvar aquelas pessoas fluir.
Para vencer o Feiticeiro, ele teve que suprir sua própria humanidade.
Outras pessoas, o próprio Poulius, sucumbiria se visse sua filha sofrendo. Orion viu o próprio pai, Cristina, seus parentes. Aquilo era desolador, e aquela fagulha de adrenalina não tinha ido embora. Mesmo com o choro segurado, ele ainda emitia a sensação de grandeza.
Um Imperador pode chorar quando perde sua esposa. Só não pode fazer isso na frente dos outros.
Avançou, sem ao menos avisar e o abraçou. Deixou que ele se acomodasse com o queixo no seu ombro e segurasse seu manto com força. Além da tristeza, raiva, solidão e desespero. Um homem vivendo mil anos em um lugar solitário voltaria ao mundo real com seus sentidos virados do avesso.
— Eu vou guardar o seu segredo. Sempre que quiser conversar, vou te ouvir.
— Te agradeço, meu amigo.
Era a primeira vez que Orion o chamava assim. Poulius sorriu.
I
Um dia depois, Orion estava na sala de Cersei. Ela bebia seu chá com delicadeza de uma nobre, a perspicácia escondida nos cantos dos lábios, uma maquiagem fina nas bochechas ocultando uma parcela de suas rugas e um blush avermelhado no pescoço.
Qualquer que tenha sido o motivo da chegada de Orion, e ele sabia qual era, não era para seduzi-lo. Mulheres velhas não eram seu fetiche. Não mesmo. O que deixava-o intrigado era o poder que rondava a diretora, tão firme e forte quanto de Magnus quando ainda estava consciente. Ela era portadora de uma das Academias mais prestigiadas do continente, deveria ser grande e forte.
Orion sabia que sua aura estava enfraquecida desde que enfrentou o Feiticeiro. A força que procurava se distanciou demais desde que começou a questionar a verdadeira capacidade que tinha. A facilidade dos confrontos, os mais fracos ramos do Arcanismo.
Ele estudou muito, a vida toda, para um momento como esse — estando na frente de um possível influência continental — e não sentia nada além de tédio.
— O chá vai esfriar — disse Cersei apontando para a xícara que deixou a sua frente. — Não gosta de camomila.
— Sou adepto ao café agora. — Orion tomou a curva da xícara com o dedo indicador e beliscou. — Por que pediu que eu viesse logo tão cedo, senhora? Tauros quer que eu lecione Arcanismo Comum junto de Drieck as onze.
— Não vou tomar muito do seu tempo, acredite em mim.
Atrás dela, seus dois Arche-Magos. Eram como pedras, fitavam-no com ferocidade e pressão. Quando olhou para os dois, obrigou que recuasse seus posturas e focou em Cersei novamente.
— Essa conversa deveria ter sido feita a três dias quando meu comitê queria partir de volta para Arsenus. Para o meu desagrado, você sumiu, Orion Baker. — Ela puxou um prato branco de porcelana com pequenos pães e mordiscou um. — Não sou alguém que espera pelos outros, e também não sou de fazer charme. Ficamos impressionados pela sua incrível administração na Academia.
— Se a senhora ficou, foi por outro motivo além de me esperar. Estou aqui porque precisa resolver algo, não é? Diga o que é, por favor. Preciso supervisionar cinco lugares diferentes agora.
— Trabalhar como Selector é um fardo e tanto. — Seu tom não foi de elogio. — Quero saber onde esteve.
— Estudando.
Aqueles dois forçaram mais uma vez um olhar penetrante e Orion obrigou a recurem.
— Certo. Se não quer falar, eu entendo perfeitamente. Agora, seu desrespeito quando cheguei, gostaria que se retratasse de maneira adequada. Mesmo sendo um Selector e tendo apoio de Tauros, é incabível se portar dessa maneira.
— Quem começou foram vocês. Se eu abrir queixa por um dos seus terem me atacado, um aluno e um Selector, terão uma punição de quase 30 mil. — Pegou a xícara mais uma vez. — Quer entrar num jogo de quem leva a melhor sobre o outro? Não gosto de perder.
Ela deu uma risada e concordou.
— Por incrível que parece, meu jovem, quando converso com você, parece que estou encarando o próprio Magnus quando era mais novo. Impassível, forte e com uma calma que dava calafrios. Me lembra bem quando entrei aqui pela primeira vez, fomos levados a diretor com algumas semanas de diferença.
— Fico lisonjeado por me comparar a ele.
— Mas, ainda é novo para entender as amarras que esse mundo tem. Falta um pouco de experiência fora dessas muralhas, fora de tanta burocracia.
— Quer dizer a guerra?
— Praticamente. Magnus esteve em Campanário, Archaboom e na conquista de VilaVelha pela sua família. Ele sabe bem como portar a pressão da comodidade e também da falta dela, tanto que sacrificou um braço.
Cersei falava a verdade, mirando um ponto futuro.
— Se quiser ser diretor um dia, precisará de mais experiência lá fora.
— Não quero ser diretor, senhora. Longe disso. — A face dela se contorceu. — Quero apenas manter minha estadia o quanto for necessário. A Academia me deu uma oportunidade de crescer e me tornar grande, estou fazendo o possível para atender eles. Nada além disso.
— E não almeja o topo?
— Ser diretor não é o topo. — Ele inclinou-se e pegou um dos pães. — Não sirvo para comandar, mesmo que eu tenha ouvido que sou bom nisso. Sempre fui uma espada, e sirvo para isso.
Agora uma lâmina cega que não mata.
A porta foi batida duas vezes. Orion tomou essa oportunidade para se levantar.
— Caso queira conversar sobre mais alguma coisa, marque uma hora com o diretor. — Ele abriu e deixou um dos Magos de Arsenus entrarem. — Até mais, senhora.
Orion desceu as escadas e chegou ao Pátio Neutro. Crianças andavam em filas, lideradas por Drieck. Ele ensinava a muitas turmas de idade abaixo dos dez anos, e viu Cristina andando junto delas.
Parou, observando atentamente como ela tinha crescido bastante. E sorria com Joia e alguns outros. Prestes a partir, Cristina se virou, como se sentisse sua presença. Esperou as piores reações, no entanto, foi um sorriso imenso e uma felicidade espontânea.
Ela correu em sua direção e o abraçou. Drieck parou a fila, assistindo.
— Estava com saudades. — Os braços dela se fecharam atrás de suas costas assim que Orion se ajoelhou. — Você nunca vem me visitar. Hoje estamos tendo aulas de tudo.
— E está estudando tudo o que pedi?
— Já sei tudo, mestre. — Ela apontou nos dedos as matérias que sabia de cor. Demorou um minuto para tirar tudo da cartola e rir. — Quando vai poder me ensinar? Quero treinar com as espadas também, o Selector Drieck é muito chato e não me deixa fazer nada.
Orion deu uma risada.
— Ele está certo. Mesclar duas artes é difícil. As outras crianças tem que aprender uma de cada vez. — Tocou o cabelo dela. Negro, da forma como a encontrou a primeira vez em Drax. — Eu também fiquei com muita saudade.
— Então me pague um lanche. Eu quero comer um hambúrguer, eles disseram que é muito bom.
— Amanhã, depois da aula, o que acha?
Os olhos dela brilharam.
— Sério? Eu achei que fosse ocupado agora que virou um Selector também. Ninguém acreditou quando eu falei que conhecia você.
— Agora eles sabem. — Fez com que ela virasse. Os outros alunos tinham reações semelhantes, cheios de atenção e surpresa. — Agora, volte se não Drieck vai me encher o saco.
— Até parece — o Selector respondeu de onde estava. — Que bom que voltou, Orion. Depois precisamos discutir algumas questões.
Um enorme arroto soou de um lado. Handley entrou bocejando logo depois com as mãos atrás da cabeça. E parou ao olhar para os dois.
— Ah, são os dois Selectores de cabeça grande. — Deu uma risada solitária. — Orion, quando vamos lutar de novo? Quero saber como enfrentou Oblak.
— Podemos marcar um horário. — Apertou a bochecha de Cristina, ainda sorrindo. — Agora, vai. Boa aula. Amanhã nós lanchamos juntos.
— Certo, não esquece, hein?
Deixou que ela partisse. Uma criança tão animada, cheia de energia e um futuro enorme. Se os Caçadores de Órgãos ou qualquer inimigo tivesse vencido, ela não estaria com tanto entusiasmo. Chegou a lembrar do seu pai nas Caldeiras, lembrou-se de quando era uma criança.
— Eu lutei pelo seu futuro. — Essas foram as palavras mais duras que ouviu de Oliver. — Lutei porque queria que você não precisasse lutar.
Precisava visitá-lo. Só não podia. Ainda tinha que resolver as questões da Academia. Faria isso primeiro.