Passos Arcanos - Capítulo 168
— Tenho inveja da sua disposição para criar tanto. — Tauros adentrou o laboratório alquímico e fitou ao redor. Estava uma bagunça, Orion sabia. Os livros espalhados, as ferramentas jogadas nos cantos e o forte cheiro de ervas além da poeira das pedras em cima das bancas de mármore.
Uma semana havia se passado desde que ele retornou do Campanário. E o diretor recebeu o relatório completo da Ordem dos Magos. O mesmo relatório que Lingot escreveu e que continha o prestígio de Orion Baker, um Selector de Magnus, em ter retomado as Ruínas de Cro sozinho.
Tauros quis discutir na reunião, mas deixou que os outros se assemelhassem as informações primeiro. Novamente, era esse rapaz que estava na centro do furacão. Novamente, era ele quem tinha os holofotes.
E Cersei havia mandado uma mensagem perguntando o que tinha acontecido para Orion estar em Campanário. Claro, isso tudo já estava no conhecimento do próprio Orion. Ele simplesmente afirmou o que já era verdade.
E naquela semana, ele continuou forjando e aprendendo sobre alquimia, tirando os livros da biblioteca pessoal de Magnus e aperfeiçoando o que já sabia do básico. Qualquer uma das suas pílulas ou elixires era feito na metade do tempo comum, e sua eficiência era duas vezes maior.
O Arcanismo Comum havia estagnado depois de ler quase todos os que Magnus tinha. E qualquer um dos problemas que Lumiere tinha com o Lago Morto, ele usava um portal para ir até lá e junto dela conversavam para chegar a um consenso.
Dois terços da área haviam sido limpos, retendo o antigo brilho do verde e também das árvores. No entanto, a água ainda um pouco difícil de limpar já que precisava de um sistema próprio de hidrogenação.
— Drieck disse que está trabalhando com ele no projeto do lago. — Tauros parou na bancada e abriu uma das sacolas, o cheiro doce se espalhou no ar. — Tem tido algum progresso?
— Estamos chegando perto de uma conclusão. Não que seja difícil, mas ele pensa muito dentro do Arcanismo e das regras gerais. — Orion ainda modificava a fornalha arrastando o dedo sobre seus círculos. Separou o primeiro do segundo plano e continuou. — Não gosto de ficar preso a nada disso.
— Sei que não. — Tauros foi para outro canto, onde um barril selado tinha sido protegido por uma runa bem detalhada. Nem ele reconheceu. — E Poulius, o que tem conversado com ele?
— Depende. Ele ficou responsável por ajudar os fazendeiros em suas casas novas. — Arrastou-se para a outra fornalha e abriu a runa, uma bem parecida, com um círculo adicional em duas pontas. — E também ficou de ver os registros dos comerciantes que vão vir essa semana.
— Cersei te elogiou bastante quando disse sobre as organizações fantasmas.
— Fiquei surpreso pelo contador dela não ter pego um erro tão bobo.
Ouviu o diretor soltar uma risada fraca.
— Sua percepção é bem maior do que a deles, meu rapaz. Ganhamos muito terreno desde que começou nesse posto, e agora está fazendo mais do que deveria para nos manter nos trilhos. Tenho que te agradecer por tirar um peso tão grande dos meus ombros.
— Magnus sempre disse que ajuda nunca é demais.
— E o que vai fazer agora?
Orion parou de mexer e olhou para o lado.
— Se quer pedir algo, é só pedir. — Voltou a runa. — Não precisa ficar enrolando.
— Direto igual Magnus. — Riu outra vez. — Certo. Vai ter uma competição entre as Academias, e como estamos sendo pressionados por Arsenus a participar, queria que você fosse. Normalmente, existem lutas entre os alunos e os próprios Selectores, mas a Academia ainda precisa se restruturar e não tenho confiança de deixar Handley como meu substituto.
— Só isso? Achei que fosse algo mais difícil.
— É mais difícil do que pensa. Nessa competição, todos os brilhantes alunos das cinco maiores Academias Mágicas do continente estarão presentes. Magnus nunca nos deixou participar, mesmo sabendo que podíamos chegar em terceiro ou segundo. — Ele queria ganhar, estava na cara. — Se quiser, posso pedir que Poulius te acompanhe.
Orion negou.
— Ele tem outras pendências. Quem é o novo Selector? O que foi escolhido por votação?
— Ah, claro. Edward Limoi, é um Arche-Mago de Segundo Núcleo. Era um dos discípulos de Handley antigamente, agora tem sido nossa referência. Ele tem 28 anos.
Orion ficou curioso.
— E já está no Segundo Núcleo? Deve ser talentoso.
— Sim. Ele veio de uma família secundária de Santa Helena, mas se destacou desde que chegou. Já empatou em uma disputa direta contra Handley. Fiquei impressionado quando ouvi, e depois que Oblak se foi, precisamos de alguém que consiga suprir a necessidade de força.
Orion nada disse sobre aquilo. Oblak era um Mestre de Matéria, um dos poucos que se encontrava no continente, e eles queriam repor com um jovem Arche-Mago? A ideia não era inteligente o suficiente para ter sido de Tauros.
— Mey ou Rayssan te pediu pra colocar ele?
— Como sabe que foi uma das duas?
— Handley é orgulhoso demais para colocar alguém que empatou com ele. Senma nem conhece o rapaz. Você não escolheria um jovem novo já que foi contra a minha pessoa no começo. O que me deixa a escolha delas duas.
Pela precisão que teve, Orion sabia que tinha sido Mey. Alias, os boatos de que os dois dormiam juntos já se espalhara fazia meses.
— Mey me pediu esse favor.
Como esperado.
— Me diga o dia e eu vou arrumar minhas coisas para partir. Deve ter algum pergaminho de teleporte para que podemos chegar lá um pouco antes para entrar nas conversas dos Selectores.
— Deixarei tudo pronto. Se puder partir amanhã, Cersei disse que gostaria que conhecesse o filho dela. Diz ela que é um rapaz tão habilidoso quanto você. Eu duvido muito disso.
— Existe gente demais no mundo, diretor. — Orion nem deu trela para a saída dele. — Capacidades que nem a gente conhece direito.
Dali pra frente, Orion se reuniu com Senma, Poulius e Lumiere para tratar dos últimos pedidos. Os fazendeiros já tinham sido realocados, Martin treinava indo atrás de bestas mágicas para o chefe dos Caçadores de Recompensa em Cedero e o Lago já tinha 90% da sua purificação.
O que restava foi decidido por Senma que se apresentou ao Economia, um dos Gerentes do Banco Central de São Burgo. Dali pra frente, Orion não precisou de mais nada além de se preparar para sua ida ao Teatro dos Gladiadores, numa região bem ao norte, onde o inverno nunca chegava ao fim.
E uma horas antes de sua partida, se encontrou com Edward Limoi. A roupa dele era a de um Selector, comumente negra e justa ao seu corpo, de gola fechada e botões no meio. Parecia com um general, mesmo que seu porte fosse de um guerreiro.
O corte de cabelo era novo e tinha deixado uma barba por fazer, dando o aspecto de ser mais velho do que aparentava. Quando se aproximaram, Tauros já estava presente.
— Esse é Orion Baker, no qual te falei, Ed.
— É um prazer conhecer o Cão Imortal. — O aperto dele era firme. — Acredito que posso aprender muito vendo o senhor lutar.
— Digo o mesmo, Edward.
Pelo tom de voz, o respeito que tinha era suficiente para não precisar dar nenhuma lição. Tauros deixou que ambos se sentassem para entregar o pergaminho.
— Daqui pra frente, o prestigio da Academia está em suas mãos. Magnus nunca deu muita importância, mas o Imperador Nevado estará lá. Devem conhecer sua história, mas ele é um dos mais influentes do continente. E sempre está indo pela maré de que a nova geração pode superar a antiga. Por isso, assim que chegarem lá, se acomodem, estudem suas habilidades e façam o necessário para que possamos estar entre os três primeiros lugares.
— Pode deixar, senhor — Edward levou a mão ao peito. — Farei o necessário para que o Imperador coloque seus olhos em nós.
— Perfeito. — Tauros olhou para Orion. — Tudo certo antes de partir?
— Poulius e Senma vão cuidar de tudo pra mim. Tirando Economia, nenhum outro vai dar problema. Peço que fique e avalie também os custos que vamos ter esse mês já que nossa verba foi menor, e também, a cópia do livro que Cersei deixou, eu li.
— E o que achou?
— Falsificada. Não sei o motivo, mas ela mentiu quando disse que a Ordem não dá dinheiro para eles.
A cara de Tauros mudou da água pro vinho, na hora.
— Sabia que aquela cobra traiçoeira estava mentindo.
— O que faremos a respeito? — perguntou Edward. — Temos que levar essa calúnia para o Julgamento Mágico.
— Não é necessário — disse Orion. — Qualquer que for o assunto relacionado a dinheiro, vou resolver lá com eles. Cersei disse que quer conversar comigo, então tocarei no assunto.
Tauros concordou.
— Se tem confiança, faça. Partam imediatamente e fiquem de olhos abertos. Gangatus gosta de inflar o ego dos seus guerreiros e desprezar os outros. — Firmou a postura. — Eles foram treinados por um dos melhores, se não melhor, Cavaleiro Mágico que existe hoje.
— Eles não vão vencer.
Orion concordou e fez uma mensura leve para sair. Edward o seguiu, descendo as escadas.
— Você é bem calmo.
— Gosto de manter a serenidade em dia. — Orion abriu a porta e saiu para o Pátio Reservado. — Como está sua sacola dimensional?
Ele deu dois tapinhas na cintura.
— Tudo certo. Podemos partir assim que quiser.
— Certo.
O pergaminho foi aberto e mana implementada. Um portal se abriu lentamente, e as vozes do outro lado chegaram aos dois. Quando a visão do outro lado se mostrou visível, os mantos vermelhos clareavam o mundo branco e gélido no fundo.
As montanhas carregavam um poder imensurável de rigidez, e a neve os cobria como uma placa. Orion deu o primeiro passo e saiu do outro lado, observando o gigante pátio aberto de ferro que ligava-se a uma ponte.
Edward também olhou ao redor, com uma face mais surpresa.
— Não achei que fosse tão bonito. E frio.
— Use uma proteção de mana se não aguentar.
Foi o que o Selector fez. Orion já tinha se acostumado depois do primeiro minuto, sustentando-se a esquentar o corpo com mana pelas veias, acelerando apenas um pouco os batimentos cardíacos.
Ao redor, haviam quase uma centenas de pessoas de vestes azuis, brancas, vermelhas e amareladas, eles dois eram os únicos que usavam o negro. E Orion constantemente observava que o poder de cada um deles ultrapassava o Terceiro Núcleo facilmente.
— Os dois ai. — Um grande homem se aproximou com uma couraça bem pesada no peito e pelugem por cima dos ombros. — De qual Academia vieram? Aposto que foi de Magnus, aquele lugar pobre. Espero que estejam com suas identificações de estudantes.
Orion olhou para Edward. Passou a mão por cima do peito e sua roupa se transformou. O traje de batalha foi modificado para parecer o mais perto da que seu companheiro usava. Ele fitou o homem sem piedade.
A aura emendou toda a plataforma, criando-se um estranho desconforto. Os olhares, de cada estudante, Selector e convidado se estagnou aos dois. A estranha sensação de que aquele jovem carregava a morte consigo.
— Somos Selectores de Magnus, e se ousar falar mais uma vez o nome de lá, eles vão ter que buscar seu corpo lá embaixo. — Orion passou pelo grande homem. — Vamos, Edward.
— Sim, senhor.
Edward olhou pra trás logo que passou. Viu o homem que era grande simplesmente respirar fundo e segurar o próprio peito. Ficou abismado. O que tinha sentido um segundo antes de Orion falar foi que alguém morreria.
Um garoto novo daqueles. Antes, entendia que pelo conhecimento Orion chegou a Selector por ter um lugar disponível. É bem mais do que isso, tenho certeza.