Passos Arcanos - Capítulo 171
Eles retornaram do Campanário depois de quase seis horas sumidos. Quando Orion abriu seu portal e os levou de volta, a plataforma estava lotada de alunos e Selectores desesperados. Os sete saíram rindo e gargalhando, e foram pegos de surpresa.
— Senhora Charlote — um dos seus Selectores mais velho, Sir Sambia Lazuerte, se aproximou aliviado. — Estávamos a sua procura. O que houve, senhora? O que foram fazer?
— Um passeio, ora essa. — Ela estava sem sua pelugem e sentiu o frio na mesma hora. — Ai, fique desacostumada com essa neve toda.
Os Selectores de Johan também o questionaram, mas ele apenas deixou de lado cada detalhe da magia de Orion. Os próprios Selectores que estavam juntos ficaram abismados, mas agradeceram a Orion assim que se distanciaram.
Cersei era a única que os observava de longe, e Edward esperava ao seu lado.
— Orion — o Selector chamou indo em sua direção. — O que estava fazendo? Os Diretores estavam com você?
— Fomos ver um pouco de sol. — Passou a caminhar ao lado dele para um lado mais vazio. — Apenas uma caminhada.
— Não pode usar um papiro espacial sem autorização. Está na lei.
— Eu sei que não pode. — Orion sorriu. — Eu não usei um papiro.
Charlote e Johan andaram para perto deles.
— Orion, quando vamos de novo? Eu quero ver o Desfiladeiro dessa vez.
— Isso, o Desfiladeiro, Baker. — Johan tinha um tom mais solto, sem a amarra de diretor. — E também as ruínas, tem como?
Edward gelou ao ver os dois e se inclinou em respeito.
— Claro, me estiverem com vontade de ir. — Seu braço esticou-se ao companheiro ao lado. — Esse é Edward Limoi, ele é meu veterano, e também um Selector. Edward, esses são Johan Frederick Ansun, diretor da Academia Ancião. E essa inestimável mulher é Charlote Afonso II, diretora da Academia Nobrega.
— Sim, eu sei quem são. — Apertou a mão de ambos. — Eu fico lisonjeado de conhecê-los. Perdoe se Orion ofendeu ou fez algo que não os agradou. Ele é jovem.
Johan deu uma gargalhada.
— Claramente, ele é o jovem mais interessante que já conheci. Edward, não é? Lembrarei do seu nome, rapaz.
— Obrigado, senhor. — Ele tremia.
As mãos de Charlote eram unidas em frente ao peito.
— Orion, conhece alguma costa? Eu só vi os mares congelados. Sabe de algum lugar assim?
— Onde moro, senhora. Caldeiras de Ilhotas.
A boca dela se abriu em surpresa e felicidade.
— Eu sempre quis conhecer as Ilhas Seguras. Dizem que são belíssimas.
A informalidade que os dois diretores se portavam diante Orion Baker chamava mais atenção do que a conversa em si. Eles não entendiam nada sobre Caldeiras ou sobre viagens, mas era notável que ambos pareciam dançar na palma daquele Selector de Magnus.
Na história, as Academias se enfrentavam sempre por colocações. Naquele dia era para ser igual. Mas, vendo como eles se portavam, ambos grandes Arche-Magos, fazendo pedidos para um Selector e ainda novo, era ultrajante.
Cersei respirou fundo e olhou para Bane.
— Ele consegue fazer mais do que pensávamos.
— Vi o portal, senhora. — Bane também parecia preocupado. — Nunca presenciei ninguém abrindo um para ter certeza, mas a mana não se acumulou como normalmente acontece com papiros.
Cersei pensou e chegou a uma lembrança bem estreita. No dia que ela pisou em Magnus, um portal se abriu e quem estava a frente dele era Orion Baker. Um papiro não seria gasto apenas para atravessar algumas áreas, e também não lembrava de ter sentido o acumulo de mana que os papiros tinham.
Isso era obra dele, de Orion Baker.
— Seria possível, senhora? — Bane a fitou de lado. — Um Mago tão novo ter tanto conhecimento e ainda ser capaz de abrir um portal?
— Deveria gastar muito da sua mana, mas faça uma leitura mental.
Bane se prontificou e seus olhos arregalaram. Segundos depois, suas sobrancelhas se ergueram.
— Nada. A mana dele nem parece ter sido gasta.
— E pelo que falaram, ele os levou para o Campanário. Uma distância de dez mil quilômetros. — Era impossível ter sido uma viagem tão longa sem gastar metade da sua mana. — Um Sumona?
— Talvez. — Bane também não tinha respostas concretas. — Posso investigar com os Selectores que saíram de lá.
— Faça, mas não se comprometa.
Viu o homem sair de perto, e Cersei fez a volta para ir ao alojamento. Assim que virou, avistou Gargantus parado em um canto, olhando para a plataforma, visando Charlote e Johan conversando com Orion.
Ele está tão chocado quanto os outros.
Era divertido. A surpresa que teria hoje seria menor do que quando seus Cavaleiros Mágicos fossem surrados no dia de amanhã. Mesmo que não fossem os seus, Cersei não se importava. Queria ver a cara de Gargantus afundada em raiva.
I
— Como você os levou para ir passear? — Edward questionou no meio do almoço. Os dois sentavam sozinhos em uma mesa do refeitório. A multidão que se reunia nas outras era exatamente igual na Academia.
Era um ambiente muito escolar. Orion não teve essa experiência quando mais novo, e nem quando entrou em Magnus. Vê-los rindo e se divertindo, mesmo sendo de outras Academias, era divertido.
Edward não tinha esquecido a viagem mesmo depois de um dia inteiro.
— Tenho minhas maneiras.
— Tem? E qual é?
Seu prato tinha bacon, arroz e ovos. Um pequeno tomate e duas folhas de alface. Comia lentamente.
— Por que quer saber?
— Eu gosto de ter noção das habilidades dos meus aliados. — O prato de Edward tinha só bacon, ovo e filé de frango. Era sua segunda vez comendo. — Handley sempre dizia que para usarmos nossa força completa, temos que saber com quem estamos lidando. Isso vale para amigos e inimigos.
— Handley está certo. Eu sei exatamente sua escola mágica, e quase todas as magias que você usou na luta contra ele. — Tomou uma parte do tomate, enfiando na boca. Mastigou e engoliu. — Isso está uma delícia.
A cara de Edward era uma tediosa.
— Por que sempre complica as coisas? Eu só quero saber isso.
— E eu não quero que tenha problemas. A Ordem é muito rigorosa, vai entender isso quando tiver que enfrentar um tribunal mágico.
— Me lembro do seu. Eles te acusaram por algumas coisas, não foi? — Coçou um pouco a cabeça, perdido. — Só não lembro quais eram. A cara de Oblak foi a melhor de todas. — Trocou a seriedade para uma risada na hora. — Nunca fui fã dele.
Ninguém parecia ser.
Continuaram comendo. Houve uma hora que sua mesa foi ocupada rapidamente por várias pessoas de roupas vermelhas. Edward não se importou e destruía a carne com o garfo. Orion os reconhecia. Eram estudantes de Gargantus, e comiam bastante.
Terminou seu prato um pouco depois e se levantou, assim que o fez, seu pulso foi segurado.
— Selector Baker, não é? — uma jovem mulher tinha a outra mão separando o arroz do próprio prato. — Gostaria que levasse a sério as disputas, por favor.
— Se me soltar, penso no caso.
O rosto dela virou. Olhos fundos negros que combinavam com o cabelo longo, preso por um rabo de cavalo. Os demais estudantes fitavam-no, existia determinação e fúria neles. Querem me enfrentar tanto assim?
— Depois que soubemos que um rapaz de 18 anos se tornou Selector, Gargantus nos fez treinar mais e mais. — Ela finalmente livrou seus dedos do pulso de Orion. — Ele disse que se não chegássemos ao seu nível antes de hoje, iríamos sofrer.
— Sofrer mais do que um dia o senhor já sofreu, Selector — outro rapaz disse. — Quando estiver lá embaixo, nos trate com respeito. Queremos uma luta honrada.
Honra, a palavra voltou como um sopro quente em um ambiente tão frio. Tirou dos seus pensamentos rapidamente.
— Não se preocupem, eu sempre luto a sério. Agora, uma luta cheios de floreios e risadas são honradas. Não estou entre amigos, pelo que vejo. Para vencer e sobreviver, precisam ir além dessa palavra.
Honra, que palavra destrutiva.
— Vamos, Edward.
O Selector comeu tudo numa só bocada, acenou para os estudantes e se levantou.
Seguiram para os ramos do Teatro. Lá embaixo, os diretores já haviam se reunido entre si. Os Selectores também se ausentaram para um outro lado, em seus grupos particulares. Gargantus realmente tinha uma aura e energia que se sobressaia aos demais, falando alto e também gesticulando bastante.
E seus Selectores tentavam suprir a mana caótica que se desmembrava para fora de seus corpos. Forjados por um dos melhores Cavaleiros Mágico que existe, foi o que Tauros disse.
Para poder transpassar essa energia tão densa aos seus próprios alunos, a sua forma de ensinar deveria ser muito mais bruta do que teórica. Na melhor das hipóteses, eram apenas pessoas que carregavam seu desejo, não sua raiva.
Acharam um lugar mais afastado, num canto, e esperaram. Orion começou a ler e deixou Edward ir para onde quisesse. As Maldições dos Feiticeiros eram tão formidáveis e fora do senso comum do Arcanismo que não percebeu onde seu colega estava se metendo.
Ouviu várias pessoas xingando e depois Edward se desculpando e tentando fazer a volta. Quando ergueu a cabeça, eram os Selectores de Gargantus.
— Toque sua testa no chão, moleque — uma senhora tinha os braços cruzados e um dos seus dedos apontava para baixo. — E nunca mais no amole com sua presença mesquinha. Idiota.
Orion foi até ele.
— Perdão, senhora. Eu apenas queria tirar uma dúvida quanto a Academia. Sempre ouvi muito bem de vocês e…
— Chega, Edward. — Orion tocou seu peito e o empurrou levemente para trás. — Fique no canto e espere anunciarem as lutas.
— Ei, seu colega nos deve retratação. — A senhora era Beth Foher, acima dos 60 anos e uma das Selectores mais velhos da história ainda se manter no posto. — Se ele tocar a testa no chão três vezes antes de ir, nós vamos perdoá-lo. Gargantus sempre cumpre suas promessas.
Orion parou e se virou.
— Eu também. Caso falar nesse tom de voz comigo, não vai ser a testa dele que vai ser colada no chão quando estivermos lá embaixo. — Soltou a mana acumulada da sua pele de uma só vez, espalhando num rebote entre os presentes. — Se coloquem nos seus lugares, são apenas Selectores, nada além disso.
A pressão era suficiente para atrair atenção dos diretores. Cersei estalou a língua e cutucou o próprio Gargantus com o cotovelo.
— Melhor tirar seus rapazes de lá.
— Eles sabem o que estão fazendo. — Cruzou os braços, sem ao menos fitar para onde a mana vinha. — Se vão arrumar briga, que sejam fortes para suportar o peso de defenderem o lugar que vivem. A derrota é mais sagrada do que a vitória.
— Ainda manda eles embora se perderem alguma luta? — Johan perguntou com um pouco de pesar. — Sempre foi tão extremista, meu amigo.
— O dever deles é ser melhor do que qualquer outro. Estou forjando guerreiros, não meros Magos.
Gargantus era da família Maximiliano, uma das maiores do ramo de Cavaleiros Mágicos do continente. E quem os conhecia sabia de onde o diretor puxou essa ideia. Lá, não existia fracasso, não existia derrota, só a vitória ou dor.
Foi como ele assumiu uma Academia Mágica dez anos atrás e se tornou o pilar. A filosofia dos Maximiliano na pele dos seus alunos e Selectores.
— Espero que quando comece, não fique desapontado — disse Cersei. — Uma vara cutucando um cachorro de rua sempre é engraçado, mas um dragão? Eu ficaria atenta.