Passos Arcanos - Capítulo 172
— Começaremos — a voz se arrastou pelo cômodo. Os Diretores saíram por uma porta específica e se dirigiram aos seus assentos.
Cada trono de pedra foi forjado para que em seu centro ficasse a última vencedora, Gargantus. A direita, Ancião. A esquerda Arsenus. A extrema direita, em quarto lugar, Nobrega. E por último, quase não tendo participado, um trono vazio.
O diretor de Magnus não se mostrou presente, o que chocava zero pessoas. Magnus ou Tauros quase não apareciam. Os outros diretores não se importavam tanto. Era uma celebração para exibição, o que tornava também uma troca de informação excelente.
— Parece que o Teatro mudou bastante — comentou Johan olhando lá pra baixo. — Reforçaram com mana sobressalente e estão usando um minério bem difícil de ser extraído. Mãos bem hábeis.
A voz do narrador se sobressaiu novamente.
— Aos Selectores e Magos, se juntem ao Teatro em uma linha para que possamos dar começo a imensa competição anual.
O portão se abriu e a multidão o passou alinhado. Orion ficou atrás de Edward na fila, de braços para trás, portando seu traje negro de batalha. Cersei fitou cada traço daquele lugar, e das pessoas, achando estranho.
— Por que o Imperador ainda não apareceu?
— Houve um problema na comunicação dos papiros — Gargantus respondeu entediado. — Ele disse que deve chegar na segunda ou terceira luta.
Um dos serventes do diretor surgiu pela porta lateral carregando uma caneca de vidro de quase meio litro, contendo cerveja. Outros entraram em seguida, trazendo pão, queijo e alguns aperitivos. Cersei aceitou um pedaço de queijo e Charlote uma xícara de chá.
— Começaremos numa exibição de força e demonstração de astúcia, cheias de poder e força. — O anunciante se prendia ao outro lado do pátio, na mesma altura dos diretores, e com um Quadro Arcano em mãos. — Para que todos fiquem cientes, uma derrota só acontece se seu adversário estiver imobilizado, inconsciente ou admitir a derrota. A morte não é aceita, então, segurem-se quanto a isso.
— Uma besteira ter que ouvir isso — Gargantus resmungou sozinho. — A morte revela os instintos mais fortes. Quando chegar, falarei com o Imperador para mudar essa regra ridícula.
— Já falei, Gargantus — Cersei o jogou um tom lascivo —, não mexa com o dragão.
Ele não recebeu o comentário de maneira leviana.
— Acha que tenho medo de um rapaz verde? Meus Cavaleiros são treinados para serem chamados para a guerra a qualquer momento. — Socou o braço do trono, a pedra trincou. — Eu sei onde estou me metendo, velho bruxa. Agora, se quer mesmo que eu fique acuado atrás de um nome, então eu te mostro do que sou capaz.
Se levantou na mesma hora, indo até a borda do segundo nível.
— Magos e Selectores de Gargantus, existe uma exceção a vocês. Não importa quem esteja no topo, não importa quantas vitórias acumulamos nos últimos dez anos. Hoje, a confiança dos demais não estão em cima dos seus árduos treinamentos ou de suas cicatrizes ocultas nos anos que se enfiaram nas mais adversas batalhas para se tornarem fortes. — Sua mão foi apontando. — Hoje, aquele que fatura o desejo dos maiores é um Selector que chamam de Orion Baker.
— Gargantus — replicou rapidamente Charlote. — Isso é errado. Não se pode mirar num oponente.
— Não existe regras para isso — respondeu, seco. Voltou a falar com os seus. — Ele é considerado o dragão da geração atual, um dos pilares que um dia sustentará esse nosso continente. — Seu tom era desprezo, não admiração. — Façam o que devem fazer para mostrar que um homem não pode vencer um exército. Eliminem a ameaça.
Os comentários se alastraram como fogo. Edward não ousou olhar para trás, e os outros Magos e Selectores mostraram suas feições de pena. A própria Cersei sabia o que iria acontecer agora. Todos os esforços mirados em dizimar um único alvo.
Ótimo, se conseguirem, menos um no meu caminho, pensou ela. Interiormente, admirava o culhão de Gargantus. Ela nunca faria isso publicamente.
O apoio de Orion se estendia a Charlote e Johan agora. Seria difícil riscá-lo do mapa caso ficasse forte demais para abalar as estruturas do continente. E nem mesmo os dois diretores juntos poderiam ir contra Gargantus.
— Isso me dá a possibilidade de arrancar um braço ou uma perna dos seus Selectores, diretor Gargantus?
A voz veio forte, firme, sem ondular. Cersei inclinou-se, como os outros dois, vendo Orion um pouco de lado, atrás de Edward Limoi.
— Porque se sou um inimigo direto seu, então, farei de tudo para deixar seus guerreiros em um estado que terão que usar um papiro para trazer médicos para levá-los. — E deu dois passos a frente. — E se achar que vou me acovardar diante um discurso de guerra tão leviano, deve estar enganado.
— Não levante a voz para nosso diretor, moleque.
Olhou a fitou de lado.
— Fale comigo de novo e vou cortar sua cabeça em cinco pedaços e dar aos pombos para comer.
A pressão subiu novamente. A mão de Edward tremia quando encostou no ombro de Orion.
— Se acalme. Eles não são inimigos.
Uma lufada de ar. Orion fechou os olhos e voltou ao seu lugar.
— Farei o que for preciso para que aprendam o lugar de vocês, Magos de Gargantua.
— Outro aviso, Orion Baker. — Gargantus mudou o tom para um sério. — Mate alguém e terá que sofrer uma consequência pior que a própria morte. Está disposto a correr esse risco?
— Ah, Orion sempre foi uma pessoa bem difícil de lidar quando está com raiva, diretor Gargantus. — Uma voz bem conhecida, sarcástica, cheia de vida, e risonha. Os passos pelas laterais aumentaram em uma quantidade bem grande. — Ele derrotou um Mestre de Matéria, e você incita seus jovens brotos a lutarem? Eu te admiro.
Orion soltou uma risada. Edward nem acreditava no que via.
— Diretor Magnus — a voz dele saiu baixinho. — É ele mesmo.
E não só ele. Tauros, Drieck, Poulius, Rayssan, Mey, Handley e Senma. Os trajes negros como se fossem os próprios ceifadores. E atrás, quase cem Magos, alunos da Academia de Magnus, preenchendo as arquibancadas ao lado do trono de pedra.
A cara de Cersei ficou verde. Ela nunca esperou que Magnus viesse pessoalmente.
— Faz um tempo, senhores. — Magnus os saudou com um aceno de cabeça. Faltava, entretanto, seu braço direito. — Queria ter chegado em uma hora melhor, ficamos agarrados numa transição meio acirrada com alguns fazendeiros.
— Quando saiu da cama? — Cersei questionou rapidamente. — Eu fui vê-lo, nem me deixaram entrar no quarto.
— Claro que não deixaram. Eu não queria vê-la. — Ele deu uma risada que arrancou risos de Charlote e Johan. — Ficar quase cinco dias na Academia de outro diretor só para ir atrás de um rapaz? Cersei, Orion vale tanto assim para tentar tirá-lo de mim?
Ela o xingou mentalmente de cem nomes diferentes. Aquele velho estava acordado o tempo inteiro. Sabia exatamente o que aconteceu e seus movimentos. Ela foi pega desprevenida.
— Está parcialmente bem, primo? — Gargantus ainda se mantinha de pé. — O ferimento não causou sequelas?
— Melissandre cuidou de mim como uma mãe. Eu estou melhor do que antes, melhor ainda por saber que meus Selectores cuidaram de tudo. Ah, eu ia me esquecer. — Ele se colocou na beirada e acenou. — Orion, se quiser, pode pegar pesado com eles. A Academia de Gargantus sempre foi meio chata assim, então, releve se quiser.
— Farei como pediu, senhor — Orion respondeu com um imenso sorriso no rosto. — Fico feliz por estar bem.
— E eu por você ter tomado conta de tudo para mim. Edward, meu jovem, essa roupa ficou perfeita em você.
A cabeça dele balançou diversas vezes.
— Obrigado, senhor diretor. Obrigado.
— Acho que está na hora de começarmos. — Magnus sentou-se novamente. — Será um ótimo espetáculo.
Tauros, Poulius e Handley acenaram para Orion. Handley gritou, como sempre, e exibia seu imenso desejo de batalhar, mas Magnus o deixou de lado justamente para não precisarem sofrer punições depois.
A história era que o Imperador Nevado já havia perdido numa disputa de braço para Handley muitos anos atrás, e remoía isso até os dias atuais.
Cersei odiava o fato de Magnus estar presente, aquilo remexia em todos os planos de chegar entre os três primeiros lugares. Uma ação desastrosa, ela precisava de uma também. Se levantou, indo até a borda, tirando curiosidade dos demais.
— A Academia Arsenus possui o mesmo objetivo que a Academia Gargantus. — Seu dedo apontou para baixo. — Forcem a derrota de Orion Baker, da Academia de Magnus.
Outra chuvarada de vozes. Ninguém esperava que Cersei fosse tão objetiva, nem mesmo Gargantus. Era uma jogada que ela mesmo tomou para conseguir suprimir a chegada de Magnus. Ele sempre muda o vento, esse desgraçado.
— Oh, a velha bruxa também quer nos derrotar — Magnus soltou uma risada. — Que perfeito. Vai ser uma honra vê-los pedindo arrego.
— Senhor Magnus. — Orion o chamou de baixo. — Qual Escola Mágica gostaria que eu demonstrasse primeiro?
— Uma Escola Mágica? — Magnus tocou a testa. — Que tal a minha? Partículas sempre foi desprezada pelos grandes diretores.
Orion assentiu.
— Será uma verdadeira honra mostrar o que aprendi com o senhor.
Cersei odiava ver a cena se desenrolar naquela facilidade. Orion e Magnus tinham a mesma energia caótica os rondando. Não importava o tamanho da dificuldade, sorriam e mostravam suas garras e segredos para manter-se no poder.
Sua decisão foi errada em ter mandado os seus para a guilhotina? Não poderia dizer de antemão. Se ela tirasse todo o prestigio que emanava de uma estrela em ascensão, o jogo viraria para as outras Academias.
Magnus e sua Academia tinham seu respeito. E bem no fundo do coração, o medo de serem imbatíveis.