Passos Arcanos - Capítulo 173
Uma barreira foi montada ao redor do espaço enquanto os selecionados se separaram para fora da arena de ferro. Orion foi o único que se manteve olhando para cima, seu nome ainda se mantinha escrito no telão.
Assim que o narrador, oculto entre o segundo nível, anunciou que as lutas seriam diferentes a pedido de Gargantus, ele manteve-se ali. Seria o prato principal de uma infinidades de Magos que queriam subir de título em suas Academias.
Uma pena, são jovens bem desenvolvidos. Precisam de um ar fresco em suas mentes fechadas.
— Como foi ordenado, as lutas serão equilibradas para que a Academia Gargantus e Arsenus disputem contra a força primária de Magnus. — O homem falava com entusiasmo e muito bom humor. — O que será que pode acontecer? Orion Baker, conhecido como ‘Último Cão Imortal’, se tornará vencedor de uma batalha longa, ou ambas Academias sairão vitoriosas?
Colocando no papel, Orion achava que ainda estava na desvantagem. Bom, isso se fosse uma pessoa comum enfrentando os maiores Selectores atuais. Ele não era normal, nem chegava perto disso.
— Começaremos com… — o quadro foi bombardeado com fotos e nomes de diversas pessoas passando em velocidade. E travou, cabelos longos e um olhar profundo, de sorriso leve, mas traiçoeiro. — Mitil Avalon, a ‘Senhora da Noite’, da Academia de Magnus. Uma Arche-Maga de Segundo Núcleo, muito famosa por sua habilidade com a espada. Seus feitos em guerra suprem qualquer um presente com uma lista de mortes contadas somando mais de duzentos Sacerdotes. Que mulher incrível, senhores.
Passos curtos, os pés dela eram cobertos por uma bota fina e sua pelugem caiu de suas costas assim que subiu os curtos degraus. Uma roupa leve, usada normalmente por esgrimistas e artistas marciais do continente. E sua espada, de bainha negra, com a palavra ‘Soberania’ brilhando em vermelho.
Assim que parou, sua respiração descendeu calor ao ambiente fechado pela barreira.
— Sou grata por ser a primeira a enfrentá-lo, Baker. — Em seu sorriso, o bote seco de uma besta sorrateira. — Espero que possamos nos divertir.
Orion puxou uma espada enegrecida de sua sacola espacial e a brandiu de um lado para o outro.
— Quando quiser.
I
— Pai, estamos muito atrasados. — Cecilia puxava pela manga branca o próprio pai. — Já começou, não quero perder nada das lutas.
O alto Imperador Nevado, que lia uma carta oficial de uma das suas cidades, era arrastado pelo Teatro do Gladiador. Atrás dele, uma pequena comitiva de alguns dos seus melhores guardas. Respirava fundo, e acenava com a cabeça para sua filha.
— Pode ir na frente, se quiser.
— Não, pai. Temos que ver juntos.
Cecilia já estava na casa dos vinte anos de idade e gostava muito da competição anual entre as Academias. Existia um acordo entre Gargantus e Cersei de que ela ocuparia um tempo de alguns anos em cada uma para aprender com os melhores.
O intuito, se formar uma Imperadora forte e inteligente.
Passaram pelo segundo nível, direto para os seus assentos. Cecilia correu direto para a borda acompanhada de um dos guardas e o Imperador sentou-se em seu trono acolchoado, ainda lendo.
— Senhor Nero. — Um dos seus abaixou-se a esquerda. — As lutas foram modificadas. A Academia Gargantus e Arsenus estão mirando derrotar Magnus em lutas diretas.
— E por que estão querendo isso?
— O Selector tem seus dezoito anos.
Cecilia virou-se na hora.
— Pai, a senhora Mitil está lutando. Ela dominou completamente a ‘Arte das Serpentes’.
Uma arte interessante se fosse comparada as mais dominantes do continente. Nero sentia um pouco de pena por ser incompleta.
— Pai — a voz de Cecilia diminuiu. — Quem é aquele, pai?
— Não sei, filha. — Nero ainda lia as cartas. Metade de suas cidades precisava de ajuda com as locomoções de recursos. Os Gélidos, um grupo de contrabandistas, bloqueava as rotas e também ocupava vários acampamentos nas montanhas. — Mas, Mitil não iria perder para qualquer rapaz de dezoito anos. Não se preocupe.
Um grupo tão lotado de bandidos e ainda bem ao norte. Toda vez que mandava seus soldados avançarem, eles sumiam como fantasmas. Já era difícil se locomover rapidamente e tinha alguém que sabia dos seus planos.
Nero ainda não sabia quem, mas até achar um modo de rever a comida e lazer para os seus civis, ele não tinha como ir além de suposições.
— Pai. — Cecilia correu na direção dele. — Aquele garoto é estranho. Olhe, por favor. Ele é muito habilidoso.
Ficar agarrado aquilo não daria em nada. Veio ao Teatro dos Gladiadores para ver um bando de jovens se batendo, era o descanso que precisava dos deveres de Imperador. E olhou para baixo, Mitil corria e atacava com sua espada cinzenta, a famosa ‘Soberania’.
Tão veloz e tão mortal que suas estocadas se tornavam um terror para seus inimigos. E mais difícil ainda, seus pés criavam uma desarmonia no oponente. Um pouco de tempo para que sua lâmina perfurasse um órgão.
Dez segundos inteiros, o rapaz esquivou-se perfeitamente de cada uma.
— É só isso? — Orion questionou dando um passo para trás. — Sua estocada pode ser uma das melhores, tenho certeza. E está tentando manter um ritmo que me atrase, mas sua arte é incompleta.
Ele estava certo. Mitil era bem mais velha do que boa parte dos Selectores de Gargatus, treinando a Arte das Serpentes fazia mais de dez anos. E desde que a conhecia, Nero sabia da sua dificuldade de chegar ao ápice.
— Sei disso — Mitil respondeu puxando o braço para trás. — Ver através dela te faz melhor do que boa parte dos que matei um dia. E para suprir essa falha, eu uso mana.
— A Escola de Fogo, não é? — Orion ergueu sua espada. — Poderia apenas utilizar o ‘Canto da Liberdade’, descrito na ‘Artes Milenares’. Seria suficiente para que chegasse ao seu auge.
Preciso. Nero ficou impressionado. Poucos conheciam ou liam as Artes Milenares. Somente cinco cópias foram escritas e entregues para figuras importantes. Magnus, Nero o fitou do outro lado. Ele devia ter uma cópia.
— Pai, o que é ‘Canto da Liberdade’?
— Uma arte de estocada, muito forte entre os primeiros Lanceiros. Ela utilizava a precisão e também afinidade com a arma. — Difícil era acreditar que alguém teria como dominar já que era apenas teórica. — Nem seu tio conseguiu chegar perto de entender ela perfeitamente.
— Nem o tio? — Cecilia ficou de boca aberta.
Orion deu seu primeiro passo.
— Vou te mostrar como utilizar a maestria da estocada, senhora.
Nero piscou. Orion parecia ter saído de uma ponta para outra, cortando velozmente e sendo aparado. Seus pés deslizavam sobre o ferro e abaixou de um corte lateral. Inclinou-se de uma maneira irregular e apoiou o corpo na mão livre, subindo a perna e acertando o braço de Mitil.
Ela se afastou e respirou fundo. Acelerou e cortou na diagonal. Orion se jogou para o lado e e esticou o braço, a lateral da mão pegou acima do peito e num segundo giro bem dançarino, o pomo de sua espada chocou-se a nuca.
Mitil virou-se e os dois acertavam-se em constância. Nero ficou mais impressionado pelo fato de Orion ter acertado duas vezes Mitil em lugares onde sua defesa era aberta. Poucos enxergavam a oportunidade lutando uma só vez.
O rapaz era habilidoso. Ia assistir com mais afinco.
I
Deixá-la respirar? Orion não ia fazer isso.
Se acostumou a aceleração do braço dela e replicou para pará-la. Os dois braços imitavam aos movimentos da perna, tentando achar uma brecha em sua defesa. Ela queria que Orion a imitasse, uma das jogadas da Arte da Serpente.
Por saber da sua brecha, Orion abriria a sua e estaria acabado. Mas, estendeu aquela luta por mais de dois minutos inteiros de ataque e defesa.
No meio das estocadas violentas, a face de Mitil se converteu para uma séria. Uma luta arrastada sempre seria pior para quem está querendo uma vitória. Orion esperou o próximo ataque e segurou seu pulso, a puxou para frente e abriu a palma.
— ‘Somat: Palma do Verão’.
A face dela se contorceu e uma onda se propagou vagamente atrás dela. Seu corpo começou a cair para trás, vagarosamente. Orion abaixou sua espada e deu um passo para trás.
A Palma do Inverno era usada com os portais. A Palma da Primavera era uma ondulação constante que replicava o dano diversas vezes. Palma do Verão era carregado com o símbolo de tempo, o mesmo que aprendeu na ponte de Cedero.
Diminuía o tempo do corpo, porém, a dor se propagava na mesma medida.
‘Espaço’, ‘Constância’ e ‘Tempo’. Três símbolos diferentes que se tornaram ferramentas bem fortes.
Mitil tocou o chão e o tempo retornou. Ela arfou e soltou um bocado de sangue pela boca.
— Eu usei um pequeno pedaço de Canto da Liberdade e também uma magia pessoal. — Orion recuou dois passos. — Sua defesa é ruim. Precisa melhorar.
— E acha que não sei? — A mana dela se libertou. Dez caldas se libertaram de suas costas, uma imensa crosta de fogo vermelho protegia seu torso e peito. — ‘Viesk: Serpente Flamejante’.
Aquilo era surpreendente. Ele ergueu a espada.
— Não me trate como uma criança — Mitil ordenou as caldas a avançarem. — Sou uma Selector.
— E dai?
Orion ergueu os dedos da mão. O ar travou ao seu redor, as dez caldas travaram e foram empurradas de volta. A Escola de Partículas era muito mais forte do que achavam, muito mais mortal do que os diretores tinham ciência.
Mitil avançou mais uma vez. As caldas subiram e desceram como estacas. Seu tamanho aumentou em dez vezes. Eram como uma montanha de fogo descendo do céu. E atrás dela quase vinte runas iguais prestes a lançar mais um golpe.
Orion não se mexeu.
— Parece que você está mais séria.
Os disparos se libertaram da runa. E Mitil avançou com sua espada.
Três movimentos diferentes para que eu não tenha fuga. Ela é poderosa.
— ‘Antiga Somat: Restrição de Espelho’.
Dezenas de fragmentos se emolduraram ao redor de Orion segundos antes dos ataques. E ele mesmo nem saiu do lugar. Tudo colidiu, uma explosão enorme com labaredas sendo arremessadas por todas as pontas e um calor gigante se expandindo pelo Teatro.
Três golpes diretos e imensamente fortes.
— A Academia de Gargantus é assim, diretor Magnus — Gargantus gargalhou fortemente de seu trono de pedra. — Um poder que esmaga até mesmo seu protegido. Quer mais um teste da nossa capacidade? Coloque um dos seus rapazes mais experientes, talvez eles tenham um pouco mais de sorte?
Quem respondeu a gargalhada foi Handley, apontando o dedo para o diretor.
— Sorte? Onde já se viu trabalharmos com sorte? Olhe direito, velho, ou seus sentidos de batalha se tornaram podres depois que começou a viver bem?
Magnus sorria levemente.
— Não acho que conhecem as magias de Partícula como se deveria, mas eu entendo bem. Somat não é só uma forma de compreensão, é uma arte esquecida por muitos da antiga Era Primordial. É uma Escola que conjura realidades e versões, a única capaz de cortar através de elementos.
O grito de Mitil ecoou e ela caiu para fora do nevoeira calorento. De costas, se arrastava para trás, com suas mãos queimadas e ensanguentadas. Um ferimento que muitos viram acontecer ao inimigo, não a ela.
Magnus encarou os outros.
— A arte de dar ao seu inimigo o que ele lançou a você. E Antiga Somat, como Orion ditou, é mais antiga antiga, datando de um conhecimento que apenas os antigos Mestres de Partículas podem conjurar, com sua compreensão.
— Ele é um Mestre de Partícula? — Cersei cogitou com receio. — Ele nem mesmo é um Arche-Mago.
— Claro que ele não é um. — Magnus riu vagamente. — Ainda não descobrimos o que ele é, mas estamos tentando chegar a uma conclusão.
Nero ficou abismado com a magia utilizada. Somat era difícil de conjurar se não houvesse concentração necessária, e Orion fez com alguns segundos restantes. Uma runa que espelhou os três ataques de uma vez só.
Os espelhos receberam o fogo e lançaram de volta em dezenas de lugares diferentes. E o mesmo aconteceria com o ataque físico. No entanto, ele suprimiu a espada. Mitil teria dezenas de cortes profundos pelo corpo e morreria ali mesmo.
Uma conjuração poderosa e muito bem utilizada.
— A precisão dele é sublime, senhor — disse um dos guardas. — E achar que ele está apenas no Primeiro Núcleo. Levo em consideração sua mana que nem mesmo foi gasta.
— Reservatório. Camuflar sua própria força e utilizar um recipiente interno que não gastaria sua força e energia. — Nero sabia bem que era assim. — Um rapaz ter essa capacidade? Um pouco precoce.
— Nós temos um relatório.
Nero leu os registros. Nada fora do normal. Serviu como Cavaleiro em São Burgo e tinha uma lei que o protegia em usar magia. Ele era um Baker, um dos Cães Imortais. E… formado em Arcanismo.
— Ele é um Arcanista — Nero falou sozinho. — Isso é impossível.
Orion levantou a cabeça. Ainda nem tinha adrenalina para batalhar.
— Levante-se, Mitil — disse a ela. — Ou seu poder se resume a isso?
— Como fez aquilo? — Ela segurava-se atrás da careta de dor e gemidos. — Aquilo simplesmente não deveria existir. Nada corta ou apara as chamas.
— Essa é a primeira vez que ouço alguém negar o uso de uma magia. — Ele deu uma risada. — É a primeira vez que alguém nega.
— Termine essa luta, agora. — A voz veio de cima. Orion se virou e viu o homem de túnica branca. — Mitil Avalon perdeu.
A multidão ficou atonita. Orion ouviu ser o Imperador Nevasca, Nero Defoul. E ao lado dele, sua filha, uma mulher formada, de corpo e rosto, de cabelos negros e um vestido de pelugem da mesma cor que o pai.
Aqueles eram um dos poucos Imperadores do continente. Orion virou-se e se ajoelhou em uma perna.
— Perdão, Vossa Excelência. Se fui rude em ter lutado de forma relaxada e não ter dado um espetáculo ao senhor e sua filha.
— Orion Baker. — Seu nome soou bem mais grandioso pela boca dele. — Me foi avisado de ser um alvo de duas Academias Mágicas. Para ter irritado Gargantus e Cersei, sua performance deve ser bem divertida.
— Nunca fui descortês, apenas revidei com o que é devidamente me mostrado.
Nero sorriu e balançou a cabeça.
— Continue entretendo-nos.
— Como quiser, senhor. — Ele desdobrou a perna e se levantou. — Diretor Gargantus, ainda estou de pé.
Cersei olhou para baixo e levantou a mão para o diretor ao lado.
— Bane, querido. É a sua vez, por favor.
O Selector silencioso passou pelos seus e subiu os degraus. Mitil era tirada por vários curandeiros do Teatro, deixando apenas os dois presentes.
— Cão Imortal, minha senhora pede sua derrota de forma rápida. — As duas mãos foram unidas em frente ao peito. — E farei o que for necessário para cumprir seu desejo.