Passos Arcanos - Capítulo 175
— Haverá uma pausa — o narrador anunciou bem alto. — Diretores, Imperador Nero pede que se juntem a eles em uma sala privada. Os demais Selectores, por favor, podem esperar fora do pátio de ferro.
Ainda ali em cima, Orion observou Bane abrir os olhos. Ele não havia feito o último golpe, ouviu sua derrota. Caso seu movimento tivesse sido completo, teria rasgado a cabeça dele fora. Seria um desperdício.
Deu as costas aos demais e desceu as escadas da sua ponta do pátio e se dirigiu para a plataforma do lado de fora. Edward se juntou a sua esquerda, um pouco ansioso.
— Diga — ordenou Orion. — O que quer perguntar?
— Certo. Eu tenho várias perguntas. Primeira, como fez aquilo? As magias elementares não fizeram nem um arranhão em você.
— Percebeu quantos golpes me acertaram nas duas lutas? — Os dois chegaram a parte descoberta. O vento frio os acudiu com certa familiaridade. Foi refrescante. — Não ataque para matar nenhum deles, mas não foi o que aconteceu da parte deles.
Edward ouviu com atenção.
— Quer dizer que eles queriam realmente a sua morte?
— Eles queriam o que seus corações queriam, acabar com seu inimigo a qualquer custo. — Apertou o próprio punho e parou na borda da plataforma, para o abismo abaixo de si e o céu cinzento acima. A neve caía vagamente. — Gargantus e Cersei implantaram uma semente bem cruel em seus corações para me tirar da frente deles. Sou uma pedra no sapato, como bem dizem.
— Um ataque pra valer e você teria matado eles?
— Eu só ataco para matar se o diretor me dar essa autorização. — Ele olhou para Edward ao seu lado. — Fique atento a isso. Mesmo que eles te xinguem, mantenha a postura.
— Certo.
Era um pouco vergonhoso dar uma lição em alguém mais velho. Bom, Orion tinha seus méritos pessoais e ter vivido um pouco mais do que Edward. Dar uma ou outra dica não seria de todo mal.
— O que acha que aconteceu para o Imperador ter chamado os diretores? — perguntou Edward. — Deve ser importante para ter parado as lutas daquele jeito.
— Nero é um dos Imperadores de Hunos, e deve ter problemas demais para resolver. E não usaria os diretores para algo pequeno. — Orion tinha os braços atrás das costas, admirando o horizonte branco e cinza. — Se preocupe apenas com o que pode controlar.
Eles ficaram mais um tempo parado e Edward espirrou.
— Ficou mais frio do que antes — comentou limpando o nariz com a manga da roupa. — Quando meu pai falava que o norte era bem frio, eu pensei que era exagero.
— Estamos no Norte. — Orion apontou para a esquerda. — Existe o Extremo Norte, que é mais frio e também mais radical do que aqui. Lá as bestas selvagens são duas vezes mais fortes porque sofreram evolução da temperatura.
— Elas são fortes?
— Dizem que sim. Nunca enfrentei nenhuma. — Queria ter a chance, algum dia. — Só está escrito nos registros que precisam de dez Arche-Magos para derrotar uma só. Então — olhou para ele —, acho que devem ser mais poderosas do que a gente imagina.
Estando os dois ali fora, os grupos de Arsenus e Gargantus não se aproximaram. A batalha se tornou fresca demais e seus orgulhos foram manchados pela derrota. Porém, nem os alunos ou Selectores da Academia de Magnus apareceu.
Orion conhecia como Poulius ou Handley gostavam de questionar sobre seu pensamento ou as lutas. Já fazia mais de vinte minutos e eles nem saíram do Teatro. O Imperador também segurou o Selector Bane e Mitil Avalon.
Algo estava acontecendo.
— Ei, Orion. Olhe aquilo.
Prestou atenção para onde Edward apontava. No alto, entre as nuvens cinza, borrões se espalharam numa área de quase cem metros. Não era o cenário, nem mesmo animais voando normalmente. Expandiu sua mana e conectou ao mais perto.
Ouviu um gruído ecoar na sua direção e diversas curvas dos borrões.
— Vá avisar os diretores, Edward. — Orion fez uma runa esticar alguns metros. — Diga que existem invasores, não sabemos que é, mas está em grande quantidade.
— E você?
— Vou fazer o máximo para não chegarem a plataforma, isso se for o plano deles. — Os símbolos brilharam com o giro e a cor avermelhada esquentou um pouco a plataforma ao redor. — Viesk: Unanimidade de Ahimed.
I
— O senhor tem certeza que eles estão vindo? — Gargantus não era arrogante na frente do Imperador Nero. — Podemos montar um plano de contenção e tirar as informações deles assim que se aproximarem.
— Seria o ideal. Tenho um pouco de medo quanto ao método deles avançarem. — Nero realmente estava preocupado. Fazia anos que Magnus o via tão pensativo, de olhar vago. — Um projeto que estávamos trabalhando foi roubado faz alguns meses e várias das nossas bestas mágicas também foram pegas.
— Existe a chance de ter sido alguém dentro do seu núcleo pessoal?
— É o que tenho cogitado faz algum tempo. — Nero sentou-se endireitado e respirou fundo. — O que me deixa mais angustiado é que a pessoa que está sendo uma das cabeças nesses ataques se chama Ribomar Rasudo.
— O Feiticeiro Gelado? — Pelo tom de voz de Cersei, parecia improvável. — Ele está foragido da Ordem faz quase vinte anos e nem mesmo temos provas de que está vivo.
— Eu tenho minhas provas, senhora Cersei.
Nero não brincava.
— E posso saber o que devemos esperar, senhor? — perguntou Magnus.
A porta se abriu fortemente e Edward segurava o peito, prendendo a respiração.
— Um ataque. — Apontou para cima. — Um monte de criaturas estão vindo na nossa direção. Orion está lá fora.
Nero levantou-se na mesma hora.
— Glard — chamou seu guarda —, crie as barreiras ao redor do Teatro imediatamente. Rico e Sino, não deixem que eles se aproximem por nada, entenderam? — Deixou que partissem para falar aos diretores. — Vai ser um pedido egoísta, sabem disso. Preciso que mobilizem seus Magos para proteger esse lugar. Quero respostas, mais do que qualquer pessoa nesse mundo inteiro.
I
Orion usou as centenas de flechas flamejantes e perfurou o céu com seu brilho carmesim. Uma runa passiva incrementava seus olhos, aproximando sua visão dos inimigos e reconhecendo as bestas que montavam.
Negras, de couro duro, e asas largas batendo velozmente. Poderia ser qualquer uma dos livros, mas seus dentes, os caninos eram afiados demais e os olhos eram azulados.
— São Tigres Eunucos. — Uma raça bem distinta e que vivia no Extremo Norte. — E quem está montando eles, isso é estranho.
Azulados, com tatuagens na pele e cabelos de cores diferentes, alguns brancos, outros negros e até mesmo vermelho. Pintaram o rosto com marcas de guerra, e empinavam suas armas, mirando para a plataforma.
Basicamente, Feiticeiros Gélidos. Orion não esperava encontrar outro grupo em tão ponto tempo. Eles eram como andorinhas.
Expandiu sua magia e atirou duas vezes mais flechas para o alto. Os giros no ar e também as descidas eram praticamente inevitáveis, Orion esperou mais um pouco e mirou a runa para lá. Mais de vinte foram abatidos e caíram.
O número começou a diminuir pouco a pouco, e quando Orion viu que seus números pereceram a apenas dez deles, mais uma horda. Estavam bem mais acima do que o último, montando as mesmas criaturas.
E sentiu a mana sendo conjurada. As runas brilharam no mundo cinzento em sua direção.
— ‘Gali: Arena de Ar Sufocado’.
Uma imensa barreira de vento se esticou acima do Teatro e da plataforma de ferro. Orion não perdeu a calma quando os ataques de fogo, água e trevas recaíram sobre ela. Foi bem segura, não oscilando e também suportando mais cinco golpes parecidos.
Porém, os inimigos se mantiveram na altitude.
— Devem achar que estão bem seguros ai. — Orion uniu as duas mãos e respirou bem fundo. — Então deixa que eu vou até vocês.
O ar abaixo dos seus pés se acumulava aos poucos e sentiu-se leve, bem leve. Um inimigo no alto, ele só precisava voar. Antes de conjurar mais mana, ouviu os passos vindo de suas costas.
— Orion — disse Magnus se aproximando. — Está tudo bem?
— Senhor. — Teve que dispersar toda a mana de volta para suas veias. — Edward me alertou sobre aquilo.
Olharam juntos para cima, os diretores. Os borrões ainda atacavam, bloqueados pela barreira de vento ainda forte e presente.
— São os Feiticeiros, como Nero falou. — Gargantus observou mais o espaço. — Eles estão em grande quantidade.
— Essa é a segunda leva — respondeu Orion. — A primeira caiu no abismo. Derrubei eles.
Cersei e Johan se aproximaram da beirada e viram as criaturas lá embaixo, algumas ainda vivas, se arrastando sobre o próprio sangue.
— Nero pediu que os Selectores voltem e fiquem dentro do Teatro — disse Magnus. — Edward já foi. Preciso que volte e fique com eles.
— Se é o que quer, senhor.
— Antes de ir. — Magnus se aproximou e falou baixo perto do seu ouvido. — Nero acha que tem alguém dando informações, uma pessoa do seu próprio círculo. Proteja Edward e os nossos Magos.
— Sim, senhor. — Ele saiu e ergueu o braço. A barreira de vento se desfez na mesma hora.
Ele caminhou apressado de volta para a arena. Lá, não encontrou os Selectores ou os Magos. Viu um dos guardas de Nero saindo correndo para uma porta lateral, atrás de um dos tronos de pedra no segundo andar.
Saltou para lá, diminuindo seu peso e tocando levemente o solo. Sumiu com sua mana e também sua aura, adentrando o mesmo caminho. Era bem mais escuro e a parede fria, se escorregou pelo caminho e parou quando a parede fazia uma curva e havia luz do outro lado.
Orion apenas travou, escutando.
— Finalmente temos uma chance clara. — Não reconheceu a voz grave, nem mesmo as outras que se sobressaíram por cima. — Nero tem certeza que alguém da nossa estadia aqui e os Feiticeiros Gélidos já fizeram seu movimento. Temos que esperar o xamã e depois poderemos trazer a destruição aquele idiota e os diretores dessas fajutas Academias.
— Isso. Certo.
Os demais concordaram. Orion não se mexeu.
— Assim que eles estiverem lutando, nós avançaremos e pegaremos sua filha. Cecilia é filha da Imperatriz Gelada, e tem um Núcleo Mágico puro para revivermos o nosso amado mestre. E não se importem com os Selectores, eu darei um jeito de separar eles.
A filha de Nero era o alvo principal. E reviver seu mestre? Orion afastou-se do buraco e saltou para o pátio de ferro. Esperou por algum tempo e fingiu estar procurando os outros. Quando dois dos soldados saíram de dentro do buraco, ele ergueu a mão.
— Senhores, que bom que encontrei vocês. — Fez o mesmo salto, chegando bem próximo e parando alguns metros de ambos. — Os diretores estão lá fora lutando, pediram para eu voltar e ficar com os Magos. Onde estão?
— Foram alocados, senhor. Nós podemos guiá-lo até lá.
Orion fez um movimento e os deixou passar.
— Agradeço aos dois.