Passos Arcanos - Capítulo 176
Assim que entrou na imensa sala, deu de cara com Tauros e Poulius conversando. Tendo visto Tauros com a roupa de diretor na Academia por bastante tempo, quase não reconheceu a beleza da vestimenta negra que os Selectores usavam propriamente.
E nele, com sua postura mais dura, era quase uma antiguidade.
— Que bom que apareceu. — Tauros tomou o ombro de Orion e caminhou junto dele e Poulius. — Soubemos que estão atacando. Viu quem era.
— Feiticeiros Gélidos. Montaram Tigres Eunucos e estão vindo pelo ar.
— Magnus está lá? — perguntou Poulius.
— Sim, com os outros diretores.
Orion observou a sala por completo. Apenas os Magos e Selectores de Magnus estavam presentes. Os demais foram alocados para outra sala, e os guardas que o trouxeram até ali simplesmente saíram sem dizer nada.
O momento da sua jogada chegou.
— Poulius, preciso de sua ajuda.
A atenção dos dois se afiou.
— E o que seria?
— Mentalmente, ligue com os Selectores.
— Certo.
Sentiu a mana no ar e uma pequena fragmentação se ligar a sua mente. Os outros Selectores também sentiram, ergueram a cabeça, fitando Poulius Qujas no mesmo instante.
— Senhores — a voz de Poulius repercutia mentalmente aos demais, incluindo Edward Limoi. — Orion gostaria de partilhar algo conosco.
Com os olhares sobre si, ele fez um aceno simples para não chamar atenção dos demais Magos.
— Fui avisado por Magnus que existe um traidor dentro do seu próprio círculo. Recentemente, antes de vir para cá, ouvi vários guardas planejando um atentado contra Cecília, a filha do Imperador. E também disse que irá separar os Selectores, o que indica que conhece as rivalidades que existem.
— E onde está essa garota? — perguntou Mey. — Não vejo ela desde que foi levada com Gargantus e Cersei.
— Deve ser lá que eles devem agir — respondeu Drieck. Seu braço já estava perfeitamente bem e seus dedos soltos das talhas. — O que faríamos para pegar a jovem?
— Vai ser ousado, mas quero que a confiança de vocês seja…
— Não se preocupe — Senma mostrou sua face rabugenta com um sorriso de canto. — Sobre confiança, ninguém duvida de você nessa sala.
Ouvir aquilo deixou Orion contente. Aqueles rostos não eram mais sombrios ou questionadores, eram firmes. Ele realmente não precisava se preocupar, qualquer que fosse seu plano, eles ajudariam.
— O que quero fazer é o seguinte…
I
Tauros entrou na sala onde Mitil e Bane dividiam. Os olhares que recebeu foram de desgosto, raiva e muita atenção. No entanto, parou na porta, apenas fitando se a jovem Cecília realmente estava por lá.
E estava, conversava com alguns guardas de seu pai.
— Senhora Mitil, podemos conversar um instante, por favor?
— O que quer, rapaz? — Bane elevou a voz, bem irritado. — Já não basta seu Baker nos humilhar, quer agora conversar e fazer as pazes?
— Alguém falou com o senhor? — Tauros replicou de forma bruta. — Achei que tivesse dito Mitil.
Bane avançou, mas Mitil bloqueou.
— Pare de arrumar confusão com todo mundo — ela não brincava. — É assim todo encontro. Se controle.
O Selector deu as costas e fitou a janela de vidro que dava para outra sala.
— O que foi, Tauros? — Mitil realmente parecia não estar tranquila. — Estamos com uma situação bem complicada agora. Seja rápido.
— Preciso de sua ajuda, agora.
Ela piscou algumas vezes e antes de entender o que se passava, as quatro paredes ao redor foram bombardeadas e explodidas. Gritos e ordens foram geradas, uma nuvem prateada inundou o lugar e se expandiu.
Tauros estalou a língua.
— Protejam Cecília Defoul.
E ouviram seu grito estridente indo no meio da névoa. Tauros correu até a borda e apontou.
— Todos os Magos — sua voz se incitou em um grito de guerra —, resgatem a filha do Imperador Nevasca. Agora.
Uma multidão disparou para fora das salas depois de ouvir o estrondo. Mais de dez guardas cinzentos corriam com a jovem nos braços. Assim que viram para onde corriam, os Magos saltaram com suas magias pelo pátio de ferro.
O próprio Tauros correu tendo os dois Selectores atrás de si. Entraram em caminhos antes bem estreitos, e não conseguiram acompanhar a leva de Magos a frente. Era apertado demais.
— Merda — Mitil berrou. — Assim vamos perdê-los.
— Se já não perdemos.
Tauros fingiu raiva. Orion, sua vez.
II
As placas de ferro sobre os ombros e o peito eram pouco desconfortáveis por conta do peso adicional, e usar as botas e as perneiras diminuíam seu passo atrás dos outros guardas. Importante eram os elmos, ninguém poderia tirá-los.
Claro que Orion conhecia esse preceito entre a guarda do Imperador Nevasca. Ele só precisava seguir o mesmo padrão dos Cavaleiros e praticamente ninguém saberia de sua presença.
Quando as paredes foram explodidas, ele apareceu por dentro e pegou Cecília, mandando os outros apontarem o caminho. Nas costas dos nove guardas, ele gravou suas vozes e também o caminho percorrido.
Uma passagem estreita que apenas eles pareciam ter conhecimento. Assim que passaram, uma magia foi usada por um deles e a porta se tornou trancafiada por uma Magia Passiva de Eletricidade.
— Matarei pelo menos um nessa brincadeira — disse o homem, em risos. — Apressem o passo, o mestre espera a gente no Pico do Mamute.
Saíram do Teatro do Gladiador por uma saída alternativa. Orion duvidava que estava nos registros já que não sentia a presença de ninguém num raio de quase cem metros. Do lado de fora, uma plataforma reta direta para o abismo.
Eles correram. Orion ouvia Cecília chorar e brigar, tentando bater em seu elmo e no peito.
— Meu pai contratou todos vocês porque gostava. — Controlar as lágrimas era impossível para ela. — Por favor, eu quero voltar. Me deixem voltar. Ele vai ficar furioso.
— É o que queremos — alguém respondeu a frente. — Seu pai irritado é a chance de tomarmos o que é nosso por direito.
Orion manteve-se quieto. Ele, como um dos guardas, deveria conhecer a história e também o motivo de estarem fazendo aquilo. Se questionasse agora, seria como apontar uma arma para sua própria face.
Segurou mais forte Cecília, não com agressividade, com leveza e compaixão. Era um abraço reconfortante, e ela notou. Com um aceno de cabeça, apenas disse:
— Não se preocupe, isso vai acabar rápido.
— Vamos, Grin. — Alguém gritou para Orion. — Se os diretores chegarem aqui, será desastroso para o mestre. Lembra do que ele disse, não foi? Nada de erros.
— Nada de erros. — Orion apressou a corrida.
Na ponta da plataforma, Tigres Eunucos montados por Feiticeiros Gélidos os esperavam.
São parte desse ataque?
— Montem, rápido — um dos Feiticeiros gritou. — Os diretores já sabem do nosso plano. Temos que usar a Marcha.
Orion montou em cima de um dos Tigres Eunucos com Cecília no colo. Cada um deles fez o mesmo e as asas bateram, a subida se tornou veloz a medida que o tempo passava. Quando chegaram no topo, ouviram um grito estridente vindo pelas costas.
O Imperador Nero Defoul corria velozmente pela plataforma e irado. Exalava mana ao redore e conjurou uma mana abaixo dos pés, e os ventos se reuniram em pressão, o lançando para o alto.
— Merda, ele nos achou. — O Feiticeiro mais a frente gesticulou para os lados. — Usem o Sumona que o mestre deu.
Um dos guardas tirou um braçalete do bolso e pôs em si. Orion ficou chocado. Aquele era um objeto forjado na Era Primordial, um dos muitos perdidos pelo tempo e história.
O Feiticeiro mostrou sua palma na direção de Nero que subia.
— ‘Esfera de Sol Vermelha’.
O calor preencheu todo o ambiente ao redor. Acima das nuvens, Orion teve que fitar o cinza ser dissipado por algo que criava um ruído no próprio ar. Uma esfera, de tamanho colossal, maior do que o Teatro dos Gladiadores, maior que uma montanha descia em grande velocidade.
Era tão grande que Orion tinha certeza que seu diâmetro ultrapassava a Caldeira de Ilhotas completamente.
No mesmo instante que foi conjurada, o Feiticeiro perdeu a consciência e caiu do Tigre Eunuco. Orion usou sua magia ‘Fios Flamejantes’ numa mão e enroscou o homem.
— Boa, Grin. Isso deve ser suficiente para atrasar o Imperador.
A esfera continuava a descer com seu poder imensurável. Ele saíram do raio, mas o Imperador não fez nenhuma mudança para fugir da antiga magia. Orion não queria acreditar que existia alguém vivo capaz de confrontar uma magia dessa.
Foi a primeira vez que via algo tão… destrutivo.
— Cecília, eu vou buscá-la. — As palavras de Nero chegaram a sua filha. Mesmo tendo seus vinte anos, ela chorava como uma criança, e concordava com a cabeça ainda sendo agarrada por Orion. — Eu vou fazer de tudo para te encontrar e vou matar todos eles. Todos!
Orion sabia que sim. O Tigre avançou no ar gelado. Cecilia começou a soluçar e tremer. Já estavam distante do sol, mas ao olhar para trás, os diretores apoiando o Imperador. Tanto Orion quanto Cecilia assistiram.
A magnitude de um Sol Vermelho ser cortado em diversas partes, e congelada em seguida por uma montanha de gelo que expandiu-se no ar em estacas, formando uma montanha glacial. O poder do Imperador estava muito além de qualquer pessoa que Orion tivesse visto ou lido nos livros.
Era quase um Grande Mago, isso o assustava. Se tivesse sido pego no seu plano, estaria morto antes mesmo de se explicar.
Avançaram solitariamente pelo ar enquanto os ventos frios sopravam mais e mais na face dos Feiticeiros. Orion manteve-se quieto, mais ainda quando começaram a comemorar os planos do mestre.
Cecília tinha um Núcleo Mágico puro, como disseram, e Orion confirmou assim que se instalaram no voo. O corpo dela parecia ser feito de vidro, sua pele macia demais para uma mulher que vivia ao norte. E seus cabelos e olhos também eram bem diferentes.
Se existia um título acima da nobreza, Cecília Defoul era a primeira dessa leva. E Orion não deixou de encará-la. A beleza residia mesmo nos seus olhos chorosos e rosto vermelho. Lábios que não se forjavam, eram dádivas pela natureza.
O estranho era o fato de que aquela mulher tinha sua idade e se portava como uma criança inocente.
Eles voaram por mais uma hora até que os Tigres começaram a diminuir a velocidade. O Feiticeiro que comandava a criatura a frente de Orion deu uma olhada para trás, avisando:
— Assim que chegamos lá embaixo, faça como o mestre mandou. Deixe a garota na mesa de pedra, entendeu?
— Sim.
— Ótimo. — O Feiticeiro segurou as rédeas e desceu mais rápido. O Pico do Mamute era uma montanha cheia de pedras irregulares, larga o suficiente para poder ser considerada uma cordilheira. E no meio daqueles picos, um terreno plano sem neve ou poeira.
Era, na verdade, a única passagem naquele espaço para a parte do Oceano Congelado, logo depois.
Os Tigres Eunucos tocaram suas patas no chão e os Feiticeiros desceram um por um. Orion pegou o que tinha laçado, ainda inconsciente, e tentou acordá-lo.
— Depois que a magia do Sumona é usado, a mana de quem usou é toda gasta. — Um dos Feiticeiros disse. — Pegue o Sumona e guarde para o mestre. E traga a garota, Grin.
Era a chance que queria. Tirou o bracelete e encaixou no próprio pulso, numa extensão própria sua. O bracelete se interligou a sua pele, e percorreu a mana até seu núcleo. Orion não tinha um, então, assim que a rachadura puxou a mana, o Sumona reagiu em se expelir.
Claro que não deixaria acontecer. Usou o Sol Negro para retirar qualquer ordem contrária a sua, forçando o objeto a ficar a força.
Dominação ou Admiração, a consciência que eles adquirem nas forjas dos Anões é verdadeira.
Para se comandar um, o Sumona escolheria seu portador ou poderia ser subjugada.
— Grin, a garota.
Orion pegou Cecília e a carregou para a mesa de pedra que havia ali no meio. Deixou que um dos Feiticeiros pegasse um dos braços e uma das pernas, prendendo a fivelas. Ela soltou seus melhores e piores gritos, entre xingamentos e súplicas.
Ela sabia que não sairia dali com vida.
— O mestre está chegando. — Um por um, os Feiticeiros se ajoelharam e abaixaram suas cabeças. Orion imitou.
Uma ave gruiu no céu, mais alto dos que os Tigres Eunucos. E um som oco tocou o Pico do Mamute. No mesmo instante, Orion sentiu a mana agressiva, tempestuosa e cheia de raiva.
A raiva e ira que se continha mexeu com ele. Era um daqueles que não se importavam com nada além de seu próprio objetivo, sem temer a própria morte. Onde tinha encontrado alguém assim?
Orion voltou a São Burgo. Azrael Carnage.
Duvida que fosse ele, mas eram parecidos. Talvez, um Campeão da Luz.
— Ergam-se. — O tom e a mana eram completamente diferentes. Calmo e bem relaxado. — Hoje, eu confiei a vocês uma missão que não teria confiado a ninguém mais. Meus filhos e também meus irmãos, carregando um fardo tão pesado e cheio de trevas. Perdemos tantos na primeira leva que meu coração nunca irá esquecer.
O rosto dele era duro, igual a montanha. Sem cabelos, um crânio liso e esbranquiçado pela neve, de barba mediana e completamente cinzenta. Os olhos, como a neve, e uma pele escura, como as areias do deserto.
Ele não era um Feiticeiro Gélido. Orion prendeu a respiração ao estar diante daquele monstro.
— Saudamos o senhor, Vossa Excelência. — Os Feiticeiros fizeram mais um movimento. — O Rei da Pedra, das Montanhas, do Lago Congelado. Do Dragão que vive dentro de nós. Saudamos seu poder e também sua presença, aquilo que o compõe de maravilhas e temores. Ao senhor, grandioso como a própria luz, extenso como o próprio infinito, Sir Rock Albone.
O Dragão do Deserto, vigésimo colocado no ranking de mais perigosos. Procurado vivo ou morto, pela Ordem dos Magos. Orion gelou. Não poderia medir o nível dele, nem mesmo compará-lo aos outros.
Esse era a criatura que ao pisar em VilaVelha da última vez, destruiu 80% de toda a cidade e matou dois Arcanistas de uma só vez. Ele não era só um dragão, era um demônio.
— Esse é um título que não carrego apenas por ser grande, mas por ter tantos dispostos a me ajudar. — Rock Albone passou seu olhar em cada um e chegou em Orion. — Mas, vejo que trouxeram mais do que deveriam.
Os Feiticeiros olharam para Orion. Manteve-se calmo, não era hora ainda. Poulius precisava estar ciente de sua posição e não poderia comprometer Cecília nesse processo.
— Tire seu elmo, Grin — mandou um dos Feiticeiros. — Agora.
Orion fez o que mandou. Ao erguer o capacete de ferro, foi observado por todos. Rock sorriu, como se fosse óbvio.
— Resgatou Cecília para nós, salvou seu colega da morte e nos trouxe de volta o Bracelete do Sol. — Rock abriu os braços. — Merece suas recompensas, Grin O’Sailo.
— Não, senhor. — Ele abaixou-se. Orion tinha conjurado sua magia de ilusão assim que pousaram. Seu rosto era o mesmo do Feiticeiro que amarrou e deixou para Handley interrogar. — O senhor fez tanto por nós, não mereço nada além de estar em sua presença.
— Justo. Como recompensa pelas suas ações, fique com o Bracelete. Parece que ele não reagiu ao seu toque. — Rock se endireitou e olhou aos demais — Por favor, começaremos o canto.
Orion continuou ajoelhado, ouvindo a canção estranha em um idioma diferente. ‘Língua dos Dracons’, usada quando se estavam se dirigindo as criaturas milenares, que morreram milhares de anos atrás.
Orion esperou que acabassem, gravou por completo e começou a entoar junto deles. Palavra por palavra, sua tradução se tornava mais enraizada a trazer um antigo celestial de volta a vida.
— Toque o coração dos chamados, grande Lorde. — A primeira parte. — E seja o fim para uma calamidade que nos dá poder para realizar nossos feitos. — A segunda e terceira eram a mesma coisa, repetindo. — O uso da chama, num ato horrendo, e congelado no final nas profundezas do inferno.
Orion não gostava nada de como era conduzido aquele chamado. Cecília gritava mais e mais, e Poulius ainda não tinha feito contato. Se continuasse assim, teria que agir antes da hora.
O Oceano Congelado, do outro lado do Pico do Mamute, teve suas placas de gelo bombardeadas. Rachados se estenderam pela superfície, atravessando sua extensão por completo. As bordas se separaram das areias e um punhado se ergueu.
— Senhor dos Céus — continuaram o canto —, una nossos pedidos e volte. Seja nosso guia e também nossa ordem. Seja aquele que um dia tornará nossos desejos concretizados.
Mais um bombardeamento, o gelo se partiu em fragmentos maiores.
— Irmãos. — Rock ergueu os dois braços. — Hoje, seremos considerados invencíveis. Seremos grandes e poderosos, porque o imenso Dragão Carsseral nos guiará.
Sabia, o Dragão Congelado que Terubi Gargop havia dado sua vida para congelar. Carsseral era o nome daquele gigante colossal, de asas e escamas prateadas.
— Nós o invocamos Carsseral.
Merda, tenho que agir agora.