Passos Arcanos - Capítulo 177
— Eu estou vendo você — Poulis disse pela sua mente. — Não se mexa, não faça nada. Esse é um dos maiores procurados da Ordem. Estava desaparecido por mais de vinte anos, e temos a chance de pegá-lo.
Orion travou, ainda de joelhos.
— Está querendo que eu deixe ela morrer? — Teve quase que segurar a voz. — Eles vai tirar o núcleo dela para dar ao Dragão Congelado. Se eu não me mexer agora, um pesadelo vai acontecer.
— Não é uma ordem minha. — Poulius fez uma pausa, uma que Orion odiou. — Os diretores estão cogitando. Eles acham que Rock Albone pode ser a chave para achar os outros procurados. Estão discutindo agora mesmo, um conselho fechado.
— Poulius, se essa garota morrer na minha frente…
— Não vai ser culpa sua.
— Claro que vai ser. — Orion segurou a própria raiva dento do peito. — Os diretores não estão aqui, eles não podem fazer nada. Eu posso. Segurar Rock Albone não vai ser…
— Orion. — Era o diretor Magnus, mais centrado e sério do que quando o encontrou na última vez. — O Conselho Acadêmico fez sua escolha. O Imperador não sabe, mas sua filha vai morrer, e não temos nada…
— Pare com isso, Magnus. — Afundou seu pé mais fundo no chão, rangendo os dentes. — Desde quando deixamos a vida de uma pessoa a frente? Esse homem pode ser perigoso, mas não é invencível.
— Ele está acima de nós, até mesmo Oblak. Não temos como vencê-lo agora.
— E as chances serão menores se ele reviver um dragão. Escute, por favor, ele tem um exército vindo pra cá, tem um dragão e vai ter mais poder se conseguir controlar a criatura. — Se Poulius se conectou com os outros diretores, todos ouviam. — Se querem deixar uma criança morrer, então, farão isso sozinhos. Não estou aqui como Selector, estou aqui como Mago.
— E como Mago, você se reporta diretamente a Ordem dos Magos — respondeu Cersei. — Nós nos dedicamos muito a achar os procurados, é uma das nossas missões como diretores. A briga entre as Academias é pequena comparado a isso. E se ele tem como nos levar aos outros…
— Chega — replicou fortemente. — Estão cometendo assassinato contra um inocente.
— Que vai salvar milhões.
— Que pode matar milhões. Estamos falando de um dragão. — Orion fechou os olhos. — Diretora Charlote, diretor Johan. Peço apelo, pela minha pessoa, por favor…
— Não, Orion. — Charlote disse, chateada. — Isso é maior do que nós. Rock Albone é mais perigoso do que acha, e pode achar tem uma chance…
— Eu tenho chance.
— Seu orgulho vai nos custar muito, moleque — Gargantus berrou. — Ouça a voz dos mais experientes. Nós já lutamos contra esse monstro uma vez, e perdemos, todos nós juntos. Ele não é só uma pessoa, é uma criatura que sabe como empenhar seu plano. Ele não deve estar sozinho e nem deve estar despreparado caso aconteça alguma coisa.
Pela primeira vez, Orion Baker não sabia o que fazer. Cecilia Defoul lutava bravamente a sua frente para se soltar, as amarras eram fortes demais, seu choro alto demais. Sua vida estaria sendo desfeita diante seus olhos.
E Orion seria culpado disso. Sem arrependimentos, apenas honra.
— E se eu salvar ela? — Orion perguntou. — Estarei violando alguma lei?
— Não sei se entendeu — Magnus disse. — Só o seu envolvimento nisso tudo te coloca numa posição onde todas as suas regalias serão retiradas. Ao invés de ser um herói, será um inimigo direto da Ordem.
— A Academia decide sobre os menores — Johan falou pela primeira vez. — Desculpe fazer dessa forma, Orion. Não existe outro jeito. É a nossa melhor chance. Se Rock fugir, não teremos como enfrentar o Conselho dos Doze.
O maior conselho da Ordem dos Magos, renomada por ser formada entre Anões, Humanos e Elfos. Diferente de tudo, eles comandam as operações contra o Clero, os Feiticeiros e também os inimigos menores, como os Cultos e Invasões Bárbaras e a pirataria.
A vida e a morte de milhões em Hunos dependia da voz de doze pessoas sentadas atrás de uma mesa, em um lugar confortável.
Porém, os Três Imperadores regiam o continente no mesmo patamar. Orion tinha seu plano.
— Se vou ser considerado um criminoso, que seja pela boca dos Doze.
— Orion. — Magnus o chamou rapidamente. — Se fizer isso…
— Foi uma honra, senhor. — Abriu um sorriso de canto. Rock terminava seu cântico. Era a hora de fazer sua jogada. — Quando eu estiver para ser executado, quero que olhe pra mim nos olhos e diga que a culpa foi minha.
Usaria tudo para parar Rock e salvar Cecilia. Nem que isso custasse todas as suas cartas na manga.
Aquela garota, Orion tinha certeza, caso morresse daria um fim ao que realmente acreditava. Leis e ordens, hierarquia e comandos, a guerra. No começo, não queria se envolver nela, queria apenas sua família bem.
Como viver com honra num mundo cheio de artimanhas? Ser um Baker era ser contra os males do mundo, e também ser teimoso para ir adiante em seus planos. Ousado e destemido, respeitado e admirado. Temido, acima de tudo.
O poder dava essa liberdade a ele. E para ser poderoso, precisava de mais do que só poder. Precisava da influência.
‘Visão Mental’, copiada de Joia, foi ativada. Sua mana se enfiou num caminho reverso, precisava achar o homem que faria de tudo para resgatar Cecilia. Mais de trinta quilômetros dali, voando desesperadamente ao redor.
Orion o fez travar no ar.
— Imperador Nero. Sou Orion Baker e preciso de sua ajuda. — Espero que Nero parasse no ar. — Estou diante sua filha, ela está prestes a ser sacrificada para que o Dragão Carsseral seja trazido de volta a vida. E tenho a chance de salvá-la, mas preciso de você.
— Qualquer coisa. Por favor. — Realmente, estava desesperado. — Faço o que quiser.
— Rock Albone está presente. Ele tem um exército vindo para cá, e também tem a criatura, mesmo que enfraquecida. Imperador Nero, o que quero é que enfrente ele e levou sua filha para um lugar no qual ninguém poderá tocá-la.
— Eu… não sei onde você está. Nem sei como está falando comigo. — Tocou a cabeça, confuso. — Como está fazendo isso tudo?
— Se me ajudar, revelarei meus segredos a você. Quero que me ajude, mais do que os diretores podem. Tenho sua palavra, senhor?
— Completamente, rapaz. Diga o que preciso fazer.
— Apenas avance contra Rock e o segure. Depois, em juntarei a você. AGORA.
Um portal se abriu. Rock se virou na mesma hora, surpreso. O Pico do Mamute se tornou pequeno assim que ambos trocaram olhares. E Imperador Nero simplesmente perdeu a compostura quando viu sua filha amarrada e chorando na mesa de pedra.
Os Feiticeiros todos viraram, tão assustados quanto Rock Albone.
A mana do Imperador Nero se libertou de uma forma que ninguém esperou. Tão feroz e agressiva que a neve aqueceu e se tornou água.
— Está acabado. — Rock apontou sua mão para a barriga de Cecilia. — A nossa runa fará o restante do trabalho. Quando Carsseral reviver, ninguém no mundo terá poder para pará-lo.
Nero avançou para dentro do portal usando os ventos em sua sola. E conjurou uma rotação tão densa ao redor do punho que se tornou uma lança de quase um metro. Orion abaixou e esticou a mão para Rock.
A runa cresceu e estagnou no ar. Ele abriu a boca, sem entender.
— Ela está sendo… suprimida? — Sua atenção recaiu sobre Orion. — Grin, o que está fazendo?
— Grin? — A cor azulada desapareceu de sua pele, revelando o branco e os cabelos negros. — Não sei quem é.
A runa estalou e explodiu em fragmentos na mão de Rock. Ele mesmo encarou Nero se aproximando e bateu uma palma. Sua roupa se remendou e uma couraça com placas de ferro cinzento ergueram sobre seus ombros e torso.
Um machado de lâmina larga prontificou e soltou um urro que tremeu o Pico.
— Peguem a garota, eu seguro Nero.
Orion tocou o chão com a mão nua.
— Como se eu fosse deixar? — A mana se consolidou em uma runa e expandiu-se. — ‘Gi: Remendo da Mãe Terra.’
Estacas ergueram-se por todos os cantos e enfincaram pelo corpo dos Feiticeiros ao redor. O sangue espalhou-se na mesma hora que Nero usou sua lança de vento condensada e o lançou para o Oceano Congelado.
Rock voou e bateu contra a placa de gelo, levantando ainda enquanto era arrastado.
— Orion, leve Cecilia para o lugar que prometeu e realizarei qualquer desejo seu. — Na aura de Nero, Orion sentiu o agradecimento misturado a raiva, o orgulho misturado com o contentamento. E o poder, aquele poder que precisava. — Vá e deixe minha filha em segurança.
Ergueu-se na hora. As amarras foram soltadas pela mesa e Orion a segurou. Cecilia ainda era amordaçada, e ao ter o pano tirado de sua goela, chorou, bem mais do que antes. Uma mulher de vinte anos sofrendo tanto.
Abraçou Cecilia e a puxou para perto. Deixou que se acomodasse em seus braços e a levantou vagamente.
— Seu pai pediu para que eu te deixasse em um lugar seguro. — Ele olhou para cima, os diretores estavam atravessando o ar usando alguma magia passiva e os Selectores vinham atrás, em peso. — Confia em mim, princesa?
Ela confirmou com a cabeça afogada em seu peito.
Orion abriu um portal e o cheiro de madeira bruta adentrou seu nariz com tanta ferocidade que sentiu-se tonto. E lá atrás, sentado em sua cadeira, tomando café pacientemente, Oliver Baker.
— Pai?
O homem parou e endireitou-se. Ele negou para si.
— Estou ouvindo vozes, como sempre. E que frio é esse? — Ajeitou o casco em cima do ombro. — Tenho que mandar consertar as janelas.
— Pai, olhe para trás. — O portal se fechou. — Sou eu, Orion.
Orion reparou os braços trêmulos abaixar a caneca de café e seu corpo fazer a curva lentamente para trás. A negação, as lágrimas e o fechar de olhos, tantas emoções devem ter passado na cabeça daquele homem, tantas reclamações, tantos sermões.
No meio de tudo aquilo, ele enxugou as lágrimas no canto dos olhos.
— Quero que isso seja verdade — falou baixinho. — Que não seja só aquele maldito sonho.
— Pai, preciso que me escute. Eu sou Orion Baker, e tenho certeza que te venci em todos os nossos últimos quinhentos jogos de conhecimento. — Ele deu um passo para dentro e esticou a mão. — Eu não tenho como explicar, mas essa é a filha do Imperador Nero Defoul. Preciso que fique com ela por algum tempo.
— Filho. — Oliver ficou de pé e foi até ele. — Seu cabelo cresceu.
— Fiquei um ano longe de casa, mas eu não queria vir pra cá. Não antes de me tornar um Arche-Mago. — A casa não tinha mudado em nada, observou. — Aqui é o lugar que mais confio e também mais seguro. Proteja Cecília.
A garota desacordada foi passada de braço para braço.
— Está gelada demais. Onde estava?
— Norte, no Teatro dos Gladiadores. — Orion deu as costas. — Ela é sua prioridade, não deixe ninguém saber dela. Volto daqui a pouco.
O portal se abriu e Orion andou até o limite. Antes de atravessar, usou a coragem para encarar seu pai.
— Eu… senti saudades.
E atravessou, deixando-o fechar.