Passos Arcanos - Capítulo 182
Oliver Baker se encontrava numa das Torres de Vidro, admirando a paisagem ainda com um dos guias. Mesmo uma semana andando para lá e para cá não deixaram sua curiosidade morrer, e anotava e questionava sobre as invasões, das criaturas, do clima.
Simplesmente uma máquina. Orion sentia-se em casa vendo seu pai importunar Sindra Defoul, o guia jovem do palácio, e o rapaz ficar agarrado e gaguejar. Teve que interferir depois da quarta pergunta.
— Pai — chamou-lhe da porta. — Tem um segundo?
— Ah, Orion. Claro. — Apontou para Sindra. — Pense e me responda, por favor.
O rapaz assentiu e suspirou em alivio. Fez um gesto de cabeça para Orion e se retirou a passos rápidos.
— Eles não são iguais a gente, pai. Questionam o necessário, dê um desconto a eles.
— Sei que eles não são. Fiquei interessado só em como eles resolvem os problemas externos. Mas, ninguém gosta de comentar.
— Tente entender eles um pouco. Estamos aqui como um convite do Imperador Nero, se a gente ficar perguntando sobre tudo, vão achar estranho. E sabe como os Sulistas e Nortenhos se odeiam com vontade.
Oliver fez uma careta.
— Uma rixa idiota que deveria ter sido desfeita a tanto tempo. Somos pessoas de uma mesma raça, só vivemos em polos diferentes. Qual a rixa que se tem nisso? — Oliver andou até a parede de vidro. — Aqui é tudo muito branco. Tem neve por todo lugar e o frio nunca acaba.
As roupas pesadas atrapalhavam um pouco a mobilidade da perna ruim de Oliver. Ainda que ele não gostasse de usar a bengala, para subir e descer escadas era necessário. E vê-lo sorrindo e apontando de um lado para o outro ainda era melhor do que deixar com que passasse por problemas nas Caldeiras.
Sua casa, tão distante e tão perto, Orion não tinha motivos pessoais para retornar lá tão cedo. Porém, Nero tinha planos para os Baker. Uma família poderosa serviria muito bem como um fundo de Cavaleiros e Escolásticos. A missão de confrontar os Anciãos cairia para cima dele.
Pensaria nisso depois, Nero tinha pendências mais urgentes para tratar.
— Você não veio aqui só para me ver, não é? — Oliver ainda olhava para o lado de fora. — Vai partir para algum lugar.
— Nero me deu uma oportunidade.
— A mesma oportunidade que Magnus lhe deu? — Existia raiva em suas palavras. — Porque se foi igual, olha, eu…
— Não é igual, pai. — Levou sua mão ao ombro dele. — Nero quer que eu ajude a tratar problemas em cidades vizinhas para ganhar a confiança da Realeza. Talvez, daqui a algum tempo, eu possa me tornar uma Lança.
Oliver olhou para ele, de lado.
— Uma Lança quebra, filho. Assim como qualquer arma.
— Uma Lança manejada de maneira errada quebra. Vou ser melhor do que Harley Ogun, o Imperador das Lanças. — Sorriu quando Oliver sorriu. — Vou me tornar o Arche-Mago mais jovem da história, pai. Acredita nisso?
— Não mesmo. — Oliver deu uma risada. — Há cerca de um ano, você não podia usar magias, e agora vai chegar a um nível completamente diferente dos outros Magos. Eu tive meus dias de glória como Arche-Mago, mas foram tão ruins. Quase ninguém ligava para a gente. Bucha de canhão, diziam. Os famosos Cães Imortais eram poderosos porque serviam bem.
— E eram teimosos, odiavam perder.
— Isso também. Isso também. — O ato pensativo, Oliver tocou a boca com um olhar vago. — O Último Cão Imortal, eles te chamam assim porque acreditam que só você pode usar magia, não é?
— Praticamente sou o único que está lutando por nós.
— Minha posição não me deixa te julgar, filho. Mas, não sente que o peso do mundo nos ombros?
— Sinto um peso, mas não é do mundo. — Na verdade, era bem menor do que que o mundo, porém, ainda mais importante. — Fiz promessas que devem ser cumpridas, e se eu voltar atrás com elas, sinto que não posso recuperar a honra que perdemos. Estou fazendo meu nome, mesmo que devagar, e quando chegar a hora, a Ordem vai me chamar.
— Tome cuidado com os Doze — alertou Oliver dando de costas e gesticulando. — Aquelas pessoas são traiçoeiras. O próprio Rei Arcanus tem dificuldade em lidar verbalmente contra eles.
— Talber arranjou problemas?
— Sim, desde que você começou a ser chamado de Cão Imortal, ele começou a procurar um jeito de retirar esse título da jogada. Todos que sabem da história dos Vidian e dele sabiam que ia acontecer, mas o Conselho dos Doze fez questão de barrar a procura dele nos artigos e retirou todos os Oficiais de Justiça Mágica da investigação.
Que surpresa agradável de se ouvir.
— E por que eles fariam isso por mim?
— Não foi por você, filho. Ninguém faz as coisas para os outros assim a bel prazer. Eles querem algo, e você tem esse algo. Talvez, Carsseral, talvez seu conhecimento. As pessoas falam sobre sua capacidade, e eu sei o quanto você é articulado. — Oliver negou com a mão algumas vezes. — Um problema de cada vez. Você tem que tomar cuidado lá fora. Fez muitos inimigos poderosos.
— Pai…
— E cada um deles tem um poder inimaginável. Imagina se vierem todos juntos? Seria um…
Orion deu dois passos e passou a mão atrás da nunca dele. Fixou olho no olho, e sorriu.
— Pai, sou Orion Baker. Filho de Oliver Baker. Irmão de Omar Baker. Sou um Mago, Cavaleiro e Escolástico. Selector e aluno. Quase um Arche-Mago e quase uma Lança. Sou o Professor. — Tocaram a testa. — Vai ficar tudo bem.
Sentiu a mão de Oliver em seu braço, um aperto leve, de preocupação.
— Eu sei que vai. Criei você para ser melhor do que seu irmão e eu. Você deveria ir agora.
Viu a face dele se contorcer. Orion assentiu. Seu pai odiava quando o viam chorar. Nas Caldeiras, Orion nunca deixava acontecer. Sempre se escondia, mesmo durante os dias. Oliver nunca soube, pelo menos era o que achava.
Não quebraria essa tradição agora.
— Farei de tudo para que possamos ter nosso lugar de novo — falou andando para a porta. — Um dia, pai, seremos maiores do que um dia fomos.
I
— Você sabe voar — Carsseral alegou quando os dois saíram pela porta de trás do Palácio de Vidro. — Ainda bem que sabe, eu não ia te deixar montar em mim. Nem mesmo por um momento, imagino que saiba.
O frio era avassalador, a couraça negra de seu antebraço já enriquecia só por alguns minutos do lado de fora. O Extremo Norte era totalmente mais radical do que nos outros lugares. Era possível entender o motivo das criaturas serem tão fortes por ali.
No restante de Hunos, a proliferação das bestas mágicas diminuiu por conta da contaminação humana pela história. Crescer sem ser caçada ou domesticada era quase impossível devido aos grupos de Caçadores de Recompensas ou os Colecionadores de Peles.
Orion não se importava em como as criaturas viviam ou se lutavam pela sobrevivência, se o instinto assassino delas focasse nele, mataria sem pensar duas vezes.
— O orgulho dos Dragões — respondeu andando ainda mais para dentro da neve pesada. — Li que são bem difíceis de lidar. E não importa, vou fazer minha viagem de maneira segura. Quer ir voando?
— Eu estive nadando nesses canais congelados faz uma semana. — Carsseral voou de seu ombro. — Um Dragão no céu do Extremo Norte causaria um alvoroço enorme, não acha?
Orion deu uma risada.
— Vamos, então.
A mana debaixo do seu pé reuniu-se e num impulso forte o lançou para o alto. A pele de Carsseral se esticou, as escamas prateadas reluziram ao fraco brilho do sol sobre as nuvens com ambas patas traseiras se retraindo.
Lado a lado, tomaram voo entre os ventos que traziam a neve.
I
Da janela de seu escritório, Nero observou Orion e Carsseral tomarem voo e se lançarem para o céu. Uma criatura mitológica e um humano capaz de ultrapassar os limites que a própria Ordem tomou o ápice — tal combinação teria seus problemas e contradições.
Tomadas as atitudes certas, capaz de dar certo. Nero só precisava entender como lidar com ambos.
— Fire — chamou de onde estava. A porta se abriu e uma mulher adentrou, ficando de joelhos. — O sistema de comunicação que a Ordem nos enviou ainda está dando defeitos?
— Parcialmente, senhor. A distância entre o Palácio de Vidro e VilaVelha é grande demais para comunicarmo sem ser por carta.
— Ótimo. Tente diminuir o avanço dessa melhora. A Ordem quer saber mais do que tem a nos oferecer. — Orion como uma Lança Externa seria ideal para seu crescimento. — E mande alguém se encontrar com Oliver Baker e perguntar quais livros seriam interessantes para ele e Orion lerem.
— Sim, majestade.
I
As primeiras três horas de viagem se tornaram fatigadas por conta da neblina que a própria neve causava. Os olhos acostumados com o céu limpo precisavam se acostumar com a brusca queda de tantos flocos ao mesmo tempo.
Orion ativou o ‘Campo Absoluto’ que havia aprendido vendo Jlien conjurar no Treinamento Infernal, expandiu sua largura para quase uma centena de metros. Isso chamou atenção de Carsseral ao seu lado.
O imenso dragão voando quase não poderia ser visto se olhasse para o céu. Tão prata quanto as nuvens, tão camuflado entre as neves, e se fosse visto, quem acreditaria que um dragão voava por ali tranquilamente?
— Você tem um controle diferente da mana — disse Carsseral. — Como ganhou a magia de conjurar as estrelas?
— Foi um presente, do meu avô Maio.
— Maio Basker? — A face esticada dele soltou uma risada, Orion ergueu a sobrancelha. — Aquele humano foi um dos poucos que enfrentou um Dragão quando era vivo, sabia? Se fosse colocar em pauta, um dos meus antepassados guerreou e perdeu.
— Não sabia disso.
— Seu avô era um homem bem diferente também, pelo que ouvi. Nunca descreveu nada para os humanos, nunca serviu a eles, sempre se manteve no caminho do conhecimento. E entendo o motivo de você ser capaz de conjurar as estrelas.
Orion ainda era cético quanto aquele comentário.
— Você diz que ele conjurava as estrelas, o que significa?
— Literalmente, é o que significa. Conjurar estrelas tem um grande diferencial de conjurar magias, a transformação ocorre na mana, mas as estrelas não se transformam, ela originam.
A mente de Orion estalou e um aperto foi sentido no peito, não na pele ou nos órgãos, em seu núcleo mágico. Uma dor estranha e latejante.
— Melhor descermos — disse segurando a couraça negra. — Preciso descansar.
Carsseral percebeu a reação estranha e concordou.
— Existe algumas vilas lá embaixo. Ficarei em seu ombro.
— Certo.
Guiando o ar pelas mãos, Orion começou a planar até tocar o chão frio, cerca de cem metros da entrada do vilarejo.