Passos Arcanos - Capítulo 184
A cidade de Itauba tinha um aspecto bem envelhecido e esquecido. As casas de madeira eram desprotegidas, sem uma muralha de qualquer tipo ao redor. Os telhados de madeira e palha eram precários, com os ventos conseguindo balançá-los e as janelas tinham rachaduras, espalhando-se pela parede.
Orion tomou caminho a pé com Carsseral tendo ido vagar pela floresta ao redor. Depois de mais dois dias vagando, finalmente havia chegado na cidade que o Imperador lhe dizia. Atrasado, bem atrasado.
E ficou mais atônito com as ruas vazias. Parou entre duas casas, olhando ao redor. Sentia as pessoas dentro das casas, observando, esperando. Medo, sentia vindo por trás das paredes.
— Se identifique — a voz carregou-se por cima. Orion não tinha notado, umas das moradas possuía uma espécie de torre, alta e aberta no topo, com um telhado piramidal. Lá em cima, uma besta era apontada, uma arma engatilhada com uma flecha repousada na beira e apontada para ele. — Estrangeiros não são bem-vindos. Volte de onde veio.
— Estou a procura de Matilda Defoul. — O medalhão do Imperador, Orion puxou de dentro do bolso e deixou a mostra. — Aqui é Itauba, não é?
— Itauba? — Mais confuso do que o homem lá em cima, somente Orion. — Está indo para a direção oposta, fica a sudeste daqui.
— E qual o nome desse lugar?
— É o vilarejo de Carnel. — A arma ainda tinha sua ponta virada para baixo. — Apenas dê a volta e vá embora.
O lugar era guardado por um homem com uma arma antiga em cima de uma torre, uma cidade nada confortável e sem defesas. Uma floresta bem ao lado cheio de bestas famintas e casas aquecidas, pelo menos para passar a noite.
— Quero fazer uma pergunta. Existe a possibilidade de eu passar pelo menos a madrugada aqui?
— Não, não pode — a resposta foi veloz. — Tem que ir embora agora. Agora.
A voz dele mudou. Seu tom mais desesperado.
— Por que eu não posso?
— Vá embora, rapaz. — O homem mudou a direção de sua cabeça. — Vá embora. Rápido. Se ficar aqui, vai morrer.
‘Campo Absoluto’ expandiu a partir de Orion. As casas, as ruas e a torre entraram na sua percepção, cada criança, velho e adulto dentro das casas, e abaixo da terra, bem abaixo dele, uma movimentação de várias figuras.
Não eram moradores.
— Posso pagar para ficar — insistiu. Na verdade, não tinha um tostão no bolso. Queria que os inimigos se aproximassem mais. — Até mesmo posso caçar. Uma noite, senhor.
— Não — o grito veio de uma casa a esquerda. A senhora da janela respirava ofegante. — Vá embora, agora. Se ficar…
A aura dela, o medo e o desespero misturados no ar. A sensação da impotência, de nada a fazer para ajudar além. Os outros também começaram a soltar gritos, mandado-o embora. Aos poucos, aquilo se tornou mais forte e as mais de dez casas ao redor ordenavam a ida de Orion.
Eles realmente se importam com a vida dos outros.
— Eu entendi. — Ele ajoelhou-se e tocou a neve com a manopla. — Agradeço por cuidarem de mim.
A runa cresceu, marrom e girando.
— ‘Gi: Expulsão Terrena’.
Um tremor sacudiu levemente os arredores. Buracos se formaram ao redor de Orion com gemidos e reclamações. Esticando a mão pelo ar, raízes ergueram e enroscaram os pulsos e tornozelos, puxando-os para perto um do outro.
— Merda. Isso é magia. — Um dos homens que saiu de dentro do chão se remexia de um lado para o outro. Orion pisou em seu peito e puxou uma espada de sua sacola dimensional. — Ei, pare. Só estamos aqui por ordens.
— Ordens. E de quem seriam essas ordens?
— Não posso dizer. Eles vão me matar se eu não falar.
Sua garganta recostou na ponta da espada.
— E acha que vai sobreviver se ficar calado? — Forçou a ponta mais ainda, o obrigando a esticar a cabeça pra trás. — Pode começar. O que estavam fazendo e quem mandou?
— Não, eu vou morrer de qualquer jeito.
A frieza que ele teve. Os seis simplesmente ativaram uma runa, e segundos depois, chamas se ergueram consumindo seus próprios corpos. Orion tirou o pé de cima de um cadáver queimado, e abriu os buracos na terra novamente, os jogando lá embaixo.
— Era uma runa de destruição. — Não esperava encontrar pessoas tão dispostas a morrer para proteger um segredo. O Norte era ainda mais radical do que no Sul. Lutaria, mesmo que sem chance de ganhar, por uma sobrevivência.
Seria drástico morrer tão levianamente.
— Eles… morreram? — A mesma senhora que havia gritado estava na varanda de sua casa caindo aos pedaços. — Se foram mesmo?
— Sim. Se foram. — Orion guardou sua espada de volta e tomou a rua. — Agora posso partir. Eles estavam incomodando, não era? Na próxima vez, contatem o Imperador ou a Capitã das Neves.
— Não é como se não tivéssemos feito isso.
O guarda da torre desceu por uma escada portátil ainda segurando a besta apontada para o chão. Ele tinha a roupa mais bruta, de couro cru e uma placa de ferro nos joelhos. Diferente dos outros moradores, parecia o único realmente disposta a enfrentar os seus inimigos.
Com tantas crianças e velhos, aquele vilarejo era um ponto fácil para qualquer um com más intenções.
— E por que ninguém veio? — perguntou de volta. — O Imperador não deixaria um dos seus…
— Já fizemos dezenas de pedidos. Mais do que poderíamos, e eles nunca vem. A situação em Itauba é diferente, precisam de mão de obra, tanto dos Cavaleiros quanto dos Magos, por causa dos piratas e dos contrabandistas.
— E os sequestradores — a mulher disse.
— E as bestas mágicas. — O homem segurou a arma com uma mão e esticou a mão num comprimento. — Eu tenho que te agradecer por ter tirado aqueles vermes debaixo do chão. Não achei que conseguisse fazer aquilo, mas foi bonito de ver.
A dura expressão mostrou certa leveza. Orion apertou sua mão.
— Sou Orion Baker. Vim direto do Palácio de Vidro, não sabia que estava no caminho errado. — Carsseral também não, pelo visto.
O mapa não estava errado, existia mesmo um vilarejo conhecido como Carnel. Só estava quase quatro dias de viagem do seu real destino. Ouviria bastante de Matilda assim que pisasse lá.
— É comum estrangeiros se perderem por aqui. Como pode ver, nosso humilde vilarejo não tem muitas condições de abrigar alguém mandado pelo Imperador, mas se ainda quiser se aquecer conosco.
— Eu não como faz alguns dias. — Tocou a barriga, meio envergonhado. — Preciso realmente parar e fazer um lanche.
— Venha comigo, eu tenho bastante carne para assar. Moly, consegue fazer aquela banha para aquecer todo mundo hoje a noite?
A senhora da varanda concordou com um imenso sorriso no rosto.
— Será um prazer, senhor Baker.
Guiado para a casa da torre, Orion avistou as pessoas comentando entre si sobre a derrota dos homens escondidos debaixo do chão. Nem foram inimigos poderosos, nem mesmo complicados de lidar.
Essas pessoas realmente estavam a mercê da sorte no meio da neve e do gelo. As montanhas nem mesmo a protegiam dos ventos, e dava pra ouvir uivos a medida que a noite se aproximava.
— Aqui a gente tem que se virar, senhor — ouviu de Clint, como se denominava. — Eu era um caçador antes de tudo acontecer no Império e os bastardos começarem a atacar as cidades. Sequestram crianças, roubam nossas economias e comem as nossas custas.
A Casa da Torre, no centro do vilarejo, era menos destruído por dentro do que por fora. Lugar aconchegante, com um sofá curto em um canto e um buraco no chão, onde madeira queimada fora consumida por fogo.
Havia um quadro na parede, bem ao lado do armário, com a pintura de uma criança com sorriso sentado nas pernas de uma mulher de vestido prata. A face da mulher era séria, e as semelhanças entre elas e Clint, como o queixo meio fino e as sobrancelhas, eram óbvias.
— Faz uma semana que a cerveja acabou — disse ele balançando um barril vazio. — Aqueles desgraçados pegaram tudo. Chegaram faz quase um ano, sabia? Tentamos de tudo para tirar eles daqui, mas perdemos bons homens.
— Deixaram eles ficar?
— Diziam que não fariam mal a ninguém se a gente não falasse nada para o Imperador. — Clint achou uma caneca, encheu de água e carregou até Orion. — Aqui, está bem gelada.
— Mas, vocês continuaram mandando carta.
— Claro. — Se jogando no sofá, Clint soltou um arfar. — A Tenente veio nos ver, mas tivemos que mandar ela embora depois de alguns dias. Ela é muito nova, acho que mais velha do que você, Orion.
— Não sei quem é ela. Mas, essas pessoas, vocês não sabem de onde eles são?
— Pior que não. Antes deles, outros tentaram pegar a cidade, mas nossos caçadores mandaram eles embora com o rabo entre as pernas. Lindo demais, mas depois que o Domador apareceu, perdemos muita gente.
— Tenente e Domador. Quem são esses?
— Você é estrangeiro mesmo, não é? — Clint deu uma risada fraca. — A Tenente é a filha da Capitã das Neves. Uma jovem linda chamada de Nayomi. Sério que não faz ideia de quem é?
Na luta contra Rock Albone, Orion lembrava de ter visto uma jovem ao lado da Capitã.
— Pode ser que eu saiba quem é.
— Claro que sabe. Ela é um tesouro, muito educada e simples, bem diferente do resto daquela realeza toda que fica dentro do palácio do Imperador. — Clint inclinou-se e esticou a mão para a madeira queimada dentro do buraco. Uma faísca se libertou e acendeu a brasa com facilidade. — Como eu disse, ela veio e tentou ajudar, mas tivemos que mandar a pobrezinha embora. Nos ajudar só atrasaria a mãe dela.
— Matilda passou aqui também?
— Ela sempre vem ver um velho amigo dela que foi enterrado na floresta. Nunca entrou aqui, necessariamente. — Voltou-se a inclinar no sofá. — E você também não é da realeza. Dá pra ver pela sua roupa.
Orion olhou para si. Desde que tinha ficado agarrado com Carsseral por causa do seu núcleo, que ainda latejava de vez em quando, a vestimenta dada por Nero ficou meio surrada e esbranquiçada por causa da neve.
Realmente, comparado a como os moradores do palácio, Orion era um mendigo. Vestidos de brilhar, colares com pedras de diamante e consumindo chás, cafés e carnes que custariam o dobro do que um vilarejo como aquele conseguia no ano.
Era meio injusto.
— Sou um amigo do Imperador — respondeu, sem muito alarde. — Meio que faço parte dos guardas dele.
— Serve a Matilda?
— Não, estou indo por um problema pessoal.
Clint não forçou além daquilo, apenas concordando.
— Pode ficar a vontade, Orion. Eu vou caçar alguns coelhos para o jantar, e também ir atrás de umas ervas.
O caçador levantou e pegou sua besta, indo para o lado de fora.
— Pode descansar também. — Abriu a porta, o vento frio adentrou a casa, balançando as chamas da fogueira. — Moly vai vir te chamar mais tarde.
Orion deixou que ele se fosse e ativou a conexão com Carsseral.
— Está por perto? — perguntou ao Dragão. — Preciso que verifique algo pra mim.
— Estou comendo. O que quer?
— Um caçador, indo para a floresta.
Ouviu o abocanhar e depois um ‘hm’. Era Carsseral confirmando.