Passos Arcanos - Capítulo 186
Maverick pressionou o rato com os pés. A caverna iluminada por tochas clareava bem o animal guinchando em dor. Era tão pequeno e preto, com suas patinhas arrastadas de um lado para o outro. Era só uma criatura indefesa querendo comida, isso se fosse realmente um animal de verdade.
Pressionou ainda mais o pé e o rato se desfez em fagulhas brilhantes.
— Tanto esforço para me achar. Deve ser aquele garotinho novo do Imperador. — Ele curvou e pegou o pó materializado da runa. — Rock Albone disse que ele era perigoso, isso vai ser tão divertido.
I
Orion abriu os olhos velozmente. Sentiu um peso no ombro. Nayomi havia dormido ao seu lado e sua cabeça deslizou durante a noite. Uma jovem tão habilidosa, tão esperta. E claramente muito bonita. Os cabelos negros eram diferente do restante da família real que possuía cabelos brancos, e sua espada e arco, ela fora treinada por muito tempo para se tornar uma exímia Mestre de Armas.
Uma Tenente, como a chamavam por todos os cantos.
— Nayomi. — Tocou seu braço e ela abriu os olhos, despertando apressada. — Perdão, não queria te acordar assim.
Igualmente como ele, o alerta ativado para qualquer movimentação externa.
— Eu apaguei. Desculpa, eu usei seu ombro de apoio.
— Estava cansada, só isso. Preciso sair agora, uma das minhas invocações foi desativada a força. E eu vi um rosto nada agradável.
Orion ajustou a camisa e esperou que ela pegasse suas armas e alocasse. Saíram juntos, Carsseral foi deixado dentro da casa da torre, apenas por segurança. Orion sabia que o descanso do dragão era diferente dos humanos, sendo quase uma semana inteira.
Ele sentia a vida no Dragão do mesmo jeito que Carsseral sentia nele. Se houvesse qualquer problema, ambos saberiam. E ele era uma criatura mitológica, sua defesa era acima de qualquer Grande Mago.
— Quem você viu? — Nayomi perguntou já do lado de fora.
A neve não caía naquela manhã, porém, o frio ainda açoitava com força pelos ventos. Sem ninguém vagando pelas ruas, Orion checou com o ‘Campo Absoluto’ ao redor. O calor humano deitados, dormentes.
Estavam em segurança.
— Maverick. Conhece?
— Se é quem estou pensando, devíamos recuar. — Ela não tinha preocupações ou medo, o nome não fazia nada além de causar um incomodo. — Ele é um dos Magos que se virou contra a Ordem faz quase dez anos, e sumiu.
— Ele está aqui. — Orion apontou seu dedo. — Lá, basicamente.
A montanha, um buraco em sua estrutura, e um ponto avermelhado destoando-se diretamente das pedras. Nayomi afiou um pouco da sua visão.
— Era ele quem estava procurando?
— Foi o único que achei, mas acho que não. Os relatos dizem que ele só está no Extremo Norte porque a maldição que jogaram em cima dele só pode ser estabilizada por conta do frio. — Orion deu dois passos adiante e continuou até olhar para trás. — Ele está nos esperando, não quer vir?
— Ir encontrar o Mago de Sangue? Ele não…
— Ele sabe onde estamos, mas não pode vir. A doença dele, lembra? — Orion esticou a mão. — Aqui, conseguimos chegar lá em um só passo.
Nayomi hesitou um pouco, mas deu sua mão a ele. O peso de seus corpos diminuiu juntos. Orion deixou a runa se formar em seu corpo e transferiu a sensação para ela. Vagamente, seus pés se libertaram do chão.
Tomaram o ar devagar e subiram mais e mais. Nayomi olhava para todos os lados, dando uma risada recheada de curiosidade.
— Como está fazendo isso?
Já estavam no meio do caminho, seguindo na direção da montanha.
— Minha magia.
— Quantas magias você tem? É um Mago de Matéria?
Orion afirmou com a cabeça. Eles se aproximaram mais rápido. Aos poucos, a feição do homem se mostrava mais clara. Pele pálida e uma boca avermelhada, cada olho com uma cor diferente e uma roupa tão majestosa, um longo manto negro com uma manta avermelhada por cima, com símbolos douradas nos braços e nas pernas.
Uma mão segurava um leque e a outra escondida atrás das costas. Sua intenção não era agressiva, era bem leve. Orion desceu com Nayomi, pousaram tranquilamente na fria rocha.
— Orion Baker, suponho. — Ele estava fraco, Orion via pela aparência e sentia sua mana correr tão finamente pelas veias que se pareciam invisíveis. — Achei seu ratinho correndo por aqui. Eu não queria ser achado, mas senti seu sangue na mana.
— Maverick. — Orion fez uma curvatura detalhada e depois ajoelhou-se em uma perna. — Perdão por ter invadido sua atual residência.
Nayomi não entendeu nada.
— Deixe disso, eu deixei de ser um desses nobres faz tanto tempo. — Esboçou um sorriso. — Agradeço por me tratar assim, mas já basta. Carsseral não está com você, não é? O descanso dos dragões são longos.
— Orion, por que está fazendo isso?
— Você não entenderia, jovem Nayomi — respondeu Maverick. — Esse jovem tem uma divida comigo, bom, não ele.
— Uma divida?
Orion se pôs de pé.
— Minha família. — Limpou os joelhos da terra cinzenta. — Maverick salvou minha família na cruzada de Archaboom, quando era um Arche-Mago. Meu pai o conheceu pessoalmente, senhor, Oliver Baker.
— Ah, o jovem Baker com o estilo das duas espadas. — Seu leque se abriu e fechou. — Faz tantos anos que não vejo uma pessoa tão de perto. Nunca esperei que fosse filho de Oliver. Eu os convidaria para entrar, mas a magia foi imposta de uma forma que me prende aqui dentro. Deve conhecer da minha doença.
— A Chama dos Sete Infernos. — Orion esticou a mão e uma runa se formou. Era uma das suas criações, antigas e formadas quando esteve com a divida em sua mente. Jamais achou que teria a chance de encontrá-lo, mas produziu mesmo assim. — Eu sei que minha família fez pouco por você, mas os Baker sempre permanecem firmes a sua palavra, senhor.
Maverick olhou de uma ponta a outra. Nada saiu de sua pele pálida.
— O que é isso que estou vendo? Não entendo.
— É uma runa que irá estabilizar a maldição. — A face dele agora se contorceu. — Senhor, eu sei a verdadeira história. Por favor, apenas aceite como um presente meu e de meu pai.
Com um aperto leve, a runa se comprimiu ao tamanho de sua palma e foi lançada para Maverick.
— O Calor dos Sete Infernos se condensa das chamas do próprio corpo, de dentro pra fora — explicou Maverick para o rosto confuso de Nayomi. — A barreira fria na caverna foi a única coisa que me manteve vivo até hoje.
Ele segurou a runa e deixou que se instalasse em sua pele, alimentando-a. Orion sabia o que deveria fazer, e esticou sua mão na direção da barreira. Maverick ergueu a mão, o impedindo.
— Eu agradeço por tentar me ajudar, Orion Baker. Eu sei o que reside em seu corpo, conheço as histórias, não precisa disso. Sei o que devo fazer, mas preciso de um favor seu.
— O que seria, senhor?
— Sou vigiado. Eles são criaturas que alegam fazer parte da Ordem, do Clero e também dos Feiticeiros. Queriam me ajudar, queriam minha força depois que me tirassem daqui. — Ele ergueu o olhar. — Não posso servir mais a ninguém além de mim mesmo.
— Buscar sua vingança.
Maverick riu e confirmou.
— No momento que essa doença se estabilizar, eles virão. Seu núcleo está desenvolvido, mas com a presença de Carsseral, sua mana agora está sendo compartilhada por duas vias. Consegue forças para segurá-los?
— Farei o que for preciso.
— Nayomi, você não me deve nada nem mesmo eu a você. Entenderei se quiser ir embora.
Ela buscou Orion e depois Maverick.
— A quem irá buscar vingança? Dependendo do que responder, posso tomar minha iniciativa.
— Para que eu responda isso, precisaria de tempo. — Ele abaixou o olhar. — E não tenho certeza quanto me resta. Por isso, fique a vontade para decidir pelo seu julgamento atual. Orion, precisará de minha presença, não é?
— Para eles não virem interferir, irei me guiar para algum bosque e deixar que pensem que está escondido. Não haverá rastros.
— Confiante, como seu pai era quando me encontrou. — Ele ia sorrir, mas tossiu pondo a mão na boca. O vermelho surgiu, manchando sua palma. — Preciso entrar. Vocês precisam ir agora. Tome.
Ao estiar o braço, o sangue se esticou no ar até Orion, se solidificando de ponta a ponta.
— Será suficiente. Agora, vão.
I
— Ele é perigoso, sim — Orion parou no meio do bosque. As árvores ao redor sussurravam a dor do frio, copas congeladas refletiam o pouco da luz do sol. E o chão era coberto de neve. — Meu pai dizia que sobreviveu por causa dele. Vinte e quatro horas lutando contra Bispos e Cardeais, na época, os Magos iam para a guerra atrás da fama. Maverick lutou por honra, pelos outros, e por isso vou ajudá-lo.
— Ele nunca fez nada contra meu tio ou minha mãe. Na verdade, seu nome não é procurado pela Ordem. — Nayomi estava relaxada. — Sinto que se eu ajudar, ele pode nos retribuir depois.
— Decidiu ficar?
Nayomi era uma boa companhia. Forte e decidida pela lógica, não se intimidou por Maverick ou por estar voando. A experiência dos treinos e lutas, isso lhe dava uma ótima combinação para ser uma Mestre de Armas.
Uma Lança, Nero faria dela uma possível guarda pessoal.
— Apenas na retaguarda. — O foco mudou para o sangue acumulado em uma esfera. — Como vai fazer para ter a presença dele para si?
— O sangue cultivado por mana tem propriedades diferentes. Se você absorver uma quantidade significativa, pode ganhar a presença da outra pessoa por bastante tempo. E do jeito que estou irritado, sinto que eles não irão ficar muito tempo vivos.
Ela deu uma risada.
— O que foi?
— Acabou de falar que está irritado, mas seu rosto está a mesma coisa de antes. Aprendeu bem a esconder suas verdadeiras intenções.
— Não é diferente de você que finge surpresa.
Dessa vez, ela parou de rir e esboçou uma cara envergonhada.
— Eu posso fazer minha mãe acreditar e não posso com você, que inusitado.
— Sei como é. Eu faço isso desde meus dez anos para o meu pai e as pessoas que viviam comigo. — Ele enfiou a esfera na boca e mastigou indiferente. Sua garganta subiu e desceu e soltou um bufar. — Tem um gosto estranho de comida estragada.
— Eles vão vir?
— Ainda não está na hora. A presença de Maverick na montanha vai diminuir por causa da runa que eu dei, e a minha vai crescer por conta do meu corpo. — Orion sentiu seu núcleo absorvendo o sangue de um Arche-Mago no seu pico, e se assemelhando a ele.
Estava sendo refinado pela mana e o sangue que havia sido moldado por uma maldição do Fogo, e uma barreira de Gelo. As combinações dariam a ele uma resistência maior, isso juntando com a assimilação feroz que possuía.
No espaço de dez minutos, metade da esfera tinha sido drenada e seu núcleo recebeu um fio vermelho girando ao seu redor. E depois mais um. Quando recebesse dez fios girando, ele teria capacidade de passar para o Segundo Núcleo.
Finalmente, poderia fazer a caminhada que sempre achou impossível.
— Vou te observar das árvores — disse Nayomi. — Se precisar de mim, só precisa me chamar.
— Obrigado. — Orion foi muito sincero. — Deixarei minhas costas para você.