Passos Arcanos - Capítulo 191
— Eles estão acima faz quase duas horas. — Os soldados se reuniam no pátio público. Duas espadas dançando sobre a outra, em giros perfeitos, intercalados e justos. Uma obra de tintilados capazes de tirar um Mestre da dormência.
A agilidade nos pés, os cortes mirando a garganta e a feroz vontade de vencer. Aquilo não era um treinamento comum, era a— Esse é o Jornal da semana. — Tauros passou para Magnus. O diretor havia ficado em sua sala nos últimos cinco dias entrando em contato com cada pessoa que havia feito acordo com Orion. Estava cansada, seu semblante caído e os olhos baixos diziam tudo. — Melhor dar uma olhada agora.
— Estou ocupado. Vejo depois. — Ele jogou o jornal de lado e continuou lendo um dos contratos, palavra por palavra. — Chame Kevin e peça para ele mandar Poulius até os fazendeiros, queremos conversar sobre os preços.
— Farei isso depois de ler o jornal. É o mais famoso que tem e tem uma matéria que é de suma importância, envolve o Imperador Maverick Mavs.
— Um doente foi entrevistado, nada que eu deva me preocupar. Melhor ele ter se mostrado, assim a Ordem pode ir lá e fazer o que tinha que ter feito dez anos atrás quando renegou o posto de líder de Cro. — Num bufar, virou a página. — Chame Kevin, Tauros.
— Como quiser, senhor. Só um pequeno aviso, Orion Baker e sua família agora tem o apoio de dois Imperadores. — Ele foi até a porta. Magnus pegou o jornal rapidamente e o abriu. — Como o garoto curou a maldição é difícil de imaginar, mas vindo dele, eu não duvido de nada.
— Maldição, maldição. Como? — A frustração evidente só mostrava a força que Orion recebia. Tauros tinha certeza que a escolha que fizeram naquele dia em especifico foi um erro. — Ele abriu seu nome e condição, dizendo que não importa o tempo que leve, uma Espada Destra deverá ser nomeado.
— Nas entrelinhas, ele já deixou claro que Orion será escolhido quando retornar as Ilhas Vulcânicas. Quer que eu abra uma chamada continental com o Conselho dos Doze?
— Ainda hoje. — Ele tomou a se levantar. — Nero também mencionou o fato de que Rock Albone só foi derrotado por ajuda de Orion Baker. Dois deles, esses… idiotas. Estão dando arma a um garoto que não sabe como usá-las.
— Magnus. — Tauros esperou que eles se encarassem. — Por um longo mês, eu fui diretor da sua academia. Senma já disse e eu tenho que dizer, ele não erra. Drieck me contou sobre os planos de runas que ele estudava. Maldições, Runas Duplas e Conjurações por Movimento, sabe o quão avançado isso é. Ele sabe usar e não souber, aprende.
A força que habitava nas pernas de Magnus desapareceram e ele retornou a sua poltrona.
— Ele se tornou grande demais para nós — parecia uma confissão dele. — Grande demais para irmos atrás de uma compensação.
— Não existe compensação, não para nós. Ouça, essa Academia está de pé porque nós estamos sendo gerenciados por acordos, pessoas e Cavaleiros dados por aquele rapaz. Nunca demos nada além de um título temporário e um tapa nas costas. A forja voltou a funcionar e Lumiere está se especializando mais rápido por livros cheios de anotações dele. — Fechou a porta e foi até Magnus, sentou-se em frente dele, daquele semblante pesado e dolorido. — Nós devemos a ele e viramos as costas quando mais precisou.
— A Ordem…
— Que se foda a Ordem, Magnus — falou mais alto. — Desde quando seguimos as regras que eles nos impõem? Ficamos anos deixados de lado, como um cachorro abandonado pelos Doze, e agora quer voltar as graças deles?
— Um acordo. — Os olhos do diretor se estreitaram. — Eles queriam um acordo comigo. Que nos faria sair de qualquer prejuízo pelos próximos cem anos.
Isso era novo.
— Do que está falando?
— Eles queriam o garoto, Tauros. Rock Albone, Nero ou Cristina Defoul, o próprio Dragão Carsseral das lendas, nada disso importa para a Ordem. O Masquerati está de olho nele desde que se tornou um Selector.
Tauros não acreditava. Não nisso. Ele afastou e balançou a cabeça.
— Você não fez isso. Me diga que não fez.
— Tive que fazer.
— Você vendeu um rapaz de dezoito anos para o tirano do Rei Arcanus? — Agarrou a própria face, ocultando o ódio sentido. — Que merda você enfiou na cabeça para fazer isso? Ficou idiota depois da morte do seu irmão?
Magnus levantou-se apontando o braço cotoco.
— Cale-se. Fiz o que estava ao meu alcance para…
— Você traiu uma geração inteira inteira — gritou Tauros ficando de pé. — Traiu todos os alunos que estão presentes dentro dessa Academia. Você falhou com Orion Baker quando ele precisava, e falhou comigo, agora. Quantos mais vão ter que morrer na mão daquele desgraçado só porque representam uma ameaça?
— Ele é um Baker.
— Ele é um homem, assim como eu. — Fez uma pausa. — Só não sei se você é um agora. Eu sempre te admirei pelo que construiu, sempre fiz os meus planos almejando o melhor da minha casa, que carrega o seu nome, mas agora não faço ideia.
— Seremos destruídos. — Magnus continuou com a voz alta. — Acha que ele mirou só em mim? Uma vida por milhares, Orion Baker por todos os estudantes, funcionários, Cavaleiros e pessoas que seguem a nossa Academia. Esse é o tipo de homem que os Masquerati é.
— Covarde, isso é o que ele é. — E tocou o peito do diretor. — E você acabou de se tornar, uma por fazer acordo com aquele monstro. Segundo porque não importa mais o que faça, nunca terá o mesmo respeito que tinha.
I
— Vossa Majestade. — Ragun adentrou com um jornal em mãos, no entanto, Nero já lia outro, com Silvia ao seu lado. Fez uma cara de nojo para a mulher que retribuiu com um gosto de vitória. — O senhor já soube, pelo visto.
— Sim. Acabei de ler sobre o Imperador Maverick Mavs. — Nero usava um óculo de descanso, o deixando bem mais didático. — Parece que tivemos uma inesperada chance aqui. Ele voltou para Cro com ajuda de Orion, como esperado. E abriu uma imensa vantagem, uma Espada Destra.
Silvia foi mais rápida do que Ragun.
— Ele não pode nomeá-lo, senhor. Uma Espada Destra serve diretamente ao Imperador, e hoje quem comanda as Ilhas Vulcânicas é Carla Mavs.
— Eu sei disso, obrigado.
Ragun gargalhou interiormente. Ensinar o Imperador sobre as leis que regem suas vidas inteiras, que arrogância.
— No entanto, existem brechas que todos apenas nós podemos explorar — continuou Nero. — Mavs conhece bem os termos já que foi ensinado desde cedo a representar sua família, a guerra lhe tirou a nobreza, enfiando-o na guerra. Hoje, o Primeiro Esquadrão do Bosque Amarelo recebeu seu líder de volta.
— Eles se tornaram fortes, senhor? — perguntou Ragun. — Maverick…
— Imperador. — Nero ergueu o olhar. — Ele é um Imperador, como eu. Por favor, use a nomenclatura correta.
Ragun abaixou sua cabeça.
— Perdão, meu lorde.
— Tudo bem. A notícia ajuda e muito a nós. Orion tem vínculo com os dois lados, o que pode causar um ótimo tratado. Desde que minha esposa faleceu, Carla Mavs suspende qualquer uma das nossas conversa alegando que eu não sou o marido que sua antiga amiga merecia. — Ele retirou os óculos e pôs ao lado da xícara vazia. — Não posso impedi-la de não me ver, mas Maverick tem uma influência maior por conta da Ordem.
— Quer que eu entre em comunicação com os Grande Magos para alertar a situação? — Silvia tomou a iniciativa descaradamente. — Ou algum dos Doze?
— Não. Quero saber exatamente onde Orion Baker está e também quando minha irmã irá voltar de sua viagem. Já faz mais de uma semana.
— Como desejar, senhor.
Silvia passou por Ragun, e ele a seguiu.
— Fique, Ragun.
Ele travou, um pouco inquieto. E virou-se. Andou para mais perto de sua mesa, entre as muitas de cada lado daquela imensa sala.
— Precisa de mim, senhor?
— Preciso que faça uma chamada com o diretor Gargantus e Charlote, haverá uma reunião anual que a Ordem estabelece a cada ano em VilhaVelha. Quero que eles venham até mim para discutirmos nossa ida.
— Com certeza, majestade. Mais alguma coisa?
— Sim, essa é de extrema importância. — A aura mudou de uma hora para a outra. A sala parecia escurecer a medida que a presença do Imperador se tornava monstruosa. — Da próxima vez que vier a minha sala sem uma xícara de café pronta e quente, nem precisa entrar. Entendeu?
Ele assentiu ferozmente.
— Absolutamente, com toda certeza, por tudo que é sagrado.
Nero deu uma risada.
— Ótimo, pode ir agora. E chame Cecilia, quero conversar com minha querida filha.
II
— Falaram muito bem de você — Nayomi lia o jornal sentada na cadeira do seu quarto. Orion estava no chão, alisando a lâmina de sua lança com uma pedra cinzenta. — Maverick deixou claro sua posição e também disse que a saúde não é um problema para retornar a comandar o Esquadrão.
Orion já esperava que ele fizesse isso. Era um homem forte e firme, além de ter uma aura muito diferente da maior parte dos outros. Nero era passivo, Maverick misterioso. Dois Imperadores com estruturas desiguais.
Seria importante se os dois se comunicassem mais para frente. Os Imperadores não costumavam ter nenhuma ligação entre eles, apenas rancores passados e ódios mútuos.
— Meu tio vai tentar de tudo para conseguir uma conversa com ele — disse Nayomi fechando o jornal e se jogando na cama ao lado. — Se eu soubesse que teria que esperar minha mãe por tanto tempo eu demoraria mais no caminho.
— Gosta de passar frio mesmo — brincou Orion.
— Me faz sentir viva. E não tem ninguém para treinar. — Ela jogou os braços para os lados. — Os Sargentos não gostam de mim, acham que sou apenas um fruto da minha mãe para chegar ao topo e tomar seu lugar.
— Se quiser treinar, posso te ajudar com isso. E podemos andar na cidade, acho que ficar agarrado aqui dentro não faz bem a ninguém.
Nayomi o fitou, os fios de cabelo caídos sobre o rosto, ela os soprou para longe.
— Quer mesmo treinar comigo? Costumo usar combates físicos para aquecer.
— Será perfeito. Um pouco de esforço e depois o descanso, que você sempre diz precisar. — Ele ficou de pé e a puxou pelas mãos. — Um pouco dos dois, meio a meio.
— E você não vai se segurar contra mim.
Esticou a mão e ergueu o dedo mindinho.
— Promessa de Cavaleiro.
Ela deu uma gargalhada.
— Se é assim, prometo que não vou pegar leve, pelo meu título. Justo?
Orion balançou a cabeça.
— Bastante, senhora Defoul. exímia arte de levar seu oponente ao máximo, capaz de até mesmo dar a oportunidade aos outros de aprenderem.
O que Nayomi e Orion produziam era absurdamente bonito e elegante. Capazes de simplesmente carregarem sorriso e risadas quando a lâmina do outro perfurava onde sua face estaria antes.
— Diminuiu o seu ritmo por que? — Orion cortou por baixo, a deixando saltar por cima dele, e rolou para longe da estocada dela. Novamente, Nayomi o forçou cara a cara. — Prometeu que não pegaria leve.
— E você também. — Uma das mãos se libertou do cabo da espada e seu dedo carregou até o peito. Orion a desviou para cima, e rotacionando o próprio pulso.
Jogou a espada no chão, deslizando a lâmina na pedra. Nayomi deu uma risada e fez o mesmo. Os golpes livres, entre socos e chutes, troca de posições e velocidade. Eles se bloqueavam da direita para a esquerda, das pernas e no peito.
Houve um momento que Nayomi girou para trás de Orion e o empurrou com a cintura. Ele gargalhou.
Desde quando sorria ao lutar contra alguém? Quanto tempo fazia que não se divertia? Nenhum eles podia responder essa questão sem voltar a sua infância. Não era vencer, não era perder, era apenas trocar os golpes francos.
Quando Orion segurou o pulso do braço direito de Nayomi, ela fez o mesmo com o esquerdo dele.
— Empatamos? — Orion a empurrou para trás e chutou. Ela desviou se inclinando para trás. E seu punho veio pela direita. Ele apenas ergueu o braço, e segurou. Num puxão, a levou para o alto e deixou que fizesse uma rotação completa num chute pesado. — Isso é bom de se ver.
O chute pegou, porém, leve demais. Orion a viu se afastar e piscar os olhos algumas vezes.
— Não faça elogios durante uma luta, não vale. Não fico elogiando toda vez que muda sua postura de forma perfeita. — Seu dedo negou várias vezes. — Se fizer, vai tirar minha atenção.
Ao esticar a mão, Nayomi fez sua espada voar para si. Orion fez o mesmo.
— Perdão se tirei seu foco. Podemos começar a sério agora?
— Como quiser, senhor Baker.
A pressão de ambos, os soldados, Sargentos e o Tenente que assistiam sentiram. Simplesmente houve uma quebra da amistosidade, da risada e da conversação. A pausa culminou na lâmina dos dois ressoando em puro prazer de se enfrentarem.
Esse estágio, extremamente horripilante em ser alcançado, era resultado da disciplina de cada dia, cada momento, cada segundo, instantes atrás de instantes, volvidos para a espada. Orion admirava Nayomi porque era ela era a segunda pessoa capaz de trazer essa sensação de insegurança em um confronto direto.
Atrás dela, o grande Mestre Cassiano, o único capaz de lhe dar o real Domínio da Espada.
— Um Mestre não precisa usar a espada para matar, a espada usa o Mestre — repetiu a mesma frase que seu mestre da última vez que se enfrentaram. — Esse é…
— O Domínio da Espada. — Ainda na postura, Nayomi abriu um sorriso de orelha a orelha. — Está pronto?
— Sempre.
Eles recostaram uma lâmina na outra. O tintilar normalmente provocado intitulou-se solitário perante o baque seco. Não tremulavam, não oscilavam, não hesitavam. Um único ataque para matar, um ataque capaz de tirar a vida alheia.
A junção da técnica, do espírito e experiência.
Por dez segundos, os dois ficaram frente a frente, em silêncio, posturados a seguir adiante.
— Você é incrível — disse Orion, repentinamente.
— Eu ia dizer isso agora. Está lendo minha mente? — Ela sorriu. Puxaram a arma juntos. — Conhece o Domínio de onde?
— Fui treinado por um mestre. — A espada sumiu de sua mão, retornando para a sacola espacial. Nayomi guardou a sua na cintura. — Cassiano Baker, meu mentor.
— O Cão Carrasco? O nome dele é muito famoso entre os Mestres de Armas. Se você soubesse usar mais de três armas, poderia ser considerado um.
— Seria interessante. Hoje me volto muito para a magia, tenho deixado meus estudos de batalha um pouco de lado.
— Sei como é. — Os dois sentaram num banco de madeira. Pegando seu casaco de pelugem negra, se cobriu. — Minha mãe tem cismado que estou deixando muito a desejar, mesmo sabendo o Domínio. O Mestre das Armas tem uma imensa pressão no campo de batalha, mas pretendo me tornar uma Lança depois da Reunião em VilaVelha, você vai?
— Ninguém ainda me chamou, então, não devo ir.
— Como se isso te impedisse. Vai comigo, seja meu braço. Minha mãe vai deixar.
— Discordo do seu argumento, minha senhora.
Orion e Nayomi ergueram a face. O Tenente Cabral havia ficado bem atrás do banco, como um fantasma. Nem mesmo o sentiram. Duro igual pedra, olhava para baixo, porém, sua facete mantinha ereta adiante.
— Orion tem total credibilidade de estar comigo — disse Nayomi meio entediada. — Só preciso conversar…
— Ela disse que os Tenentes serão reunidos na comitiva do Imperador, e… seu colega não tem esse direito. Digo, ele não é parte do nosso exército e nem mesmo filiado a Vossa Majestade, o seu tio.
— Vou arranjar um jeito. — Ela abaixou a cabeça. — Vamos, Orion, o descanso que me prometeu será comprar coisas que não precisamos e jogar pão para os pombos da praça. O que acha?
— Aposto com você que consigo fazer os pombos comerem mais o meu pão do que o seu.
— Que aposta ridícula. — A risada de Nayomi era reconfortante. — Eu aceito sua aposta. Vamos.
Dando o primeiro passo, Orion teve o ombro segurado. Aquilo acabou com a boa atmosfera que havia acabado de criar. No entanto, ele não precisou fazer nada. A espada sacada de Nayomi mirou diretamente para a garganta de Cabral.
O Tenente não oscilou, ainda permanecendo com os dedos travados no ombro de Orion.
— Não vejo a presença dele suficiente para a senhora, Tenente. Eu levaria um dos Sargentos, se deseja sair tanto assim.
— Solte ele, Cabral. Só aviso uma vez. — A intenção assassina causava anseio. Ela não blefava, por nada naquele mundo. — E se eu precisar falar mais alguma coisa, você vai perder mais do que sua postura.
— Sua mãe não aprovaria e nem eu. Um rapaz como ele, que nem mesmo sabemos de onde vem, não tem o direito de ir as ruas com a senhora. — Ele pressionou mais o dedo. Havia alguma maldade naquele aperto, mas Orion o olhou de lado. — Sem minha permissão, você não vai a lugar nenhum, Baker.
Aquele tom de voz, desprezível e arrogante. Ouviu tantas vezes, tantas vozes parecidas, e nunca se livrava disso. Poder ou influência, sua caminhada por Nero e Maverick não rendia nada a algumas pessoas.
Como ainda era possível?
— Senhora — os soldados chamaram, preocupados. — O Tenente Cabral está apenas seguindo a ordem de sua mãe. Se quiser sair, terá que levar um Sargento.
— Orion não é um soldado, nem um Sargento. Está aqui como um civil.
— E como civil, eu tenho autoridade para mantê-lo sob vigilância até que a Capitã das Neves retorne. — Um sorriso porco surgiu pelo canto da boca dele. — E pelo tempo que tem se formado pelos mares, será um pouco demorado.
— Quer discutir leis comigo? — Quanta perda de tempo deles. — Se estou correto, pela formação do círculo militar e também territorial, um civil só pode ser parado, revistado ou preso por uma acusação de infração de segundo grau. Se eu fosse um civil, eu poderia denunciá-lo por abuso de poder, o que daria cerca de três anos de penalidade, suspensão da sua patente e restrição militar nos próximos dez anos. Essa é a lei determinada pelo Imperador Glassiaus, o Primeiro e Último de seu nome.
Cabral oscilou, os dedos dele não apertavam tanto quanto antes.
— E por incrível que pareça, eu não estou aqui como um civil. — O brasão que Nero lhe deu, mostrou ao Tenente. Nayomi também ficou surpresa. — Acontece que o Imperador meu deu a benção de caminhar em qualquer vilarejo, em qualquer cidade, em qualquer porto com autoridade máxima. Então, minha autoridade é acima da sua, Tenente, e está no mesmo patamar que qualquer um presente ou ausente que seja um Capitão ou Mestre de Armas. Peço por gentileza que tire sua mão de mim porque se não fizer, confio completamente que a espada de sua Mestre de Armas cortará mais do que seu dedo, se não sua garganta.
— Pode apostar que sim — completou Nayomi, irritada. — Largue, Cabral.
Ele abriu a mão e Orion assentiu levemente.
— Te agradeço. Não foi difícil, só não faça novamente isso. — Prestes a se virar, parou. — Ah, uma coisinha, sei que meu sobrenome é um pouco difícil de aceitar, mas não fale dele nesse tom, te faz ficar menor do que realmente é. Um bom Tenente cuida de um dos seus, só não deveria subestimar alguém que poderia te matar.
O braço de Cabral recuou lentamente e ele abaixou o rosto.
— Peço perdão. — Foram suas únicas palavras. Não sinceras, mas suficientes.
I
— Não fica irritado quando eles falam daquela maneira com você?
Uma praça recheadas de crianças correndo, de idosos com cestas de compras e mães preocupadas que essas mesmas crianças escorregassem no chão escorregadio. Um final da tarde, as tochas foram montadas dentro de uma pequeno balão de papel, clareando somente o suficiente para não ofuscar os caminhantes. A beleza da simplicidade de Itauba não existia nos meios nobres da realeza.
E a estátua de um pequeno senhor sentado no meio do lago reunia os pequenos patos.
— Você se incomodou quando os pombos não estavam aqui e agora estamos alimentando os patos?
Ela negou, risonha.
— Claro que não. É indiferente pra mim.
— É o que sinto deles. Nada além de um punhado de palavras vazias que tentam se apoiar em uma força que eles não tem ou que acham ser superiores a minha. — Orion arrancou um pequeno pão fresco e jogou perto de alguns patinhos. — Estou contando, você só alimentou seis.
— E você alimentou cinco, acha que eu não vi você roubando os meus patos?
Entre as risadas, eles só discutiram coisas banais. Andaram pelas lojas, sendo atendidos por pessoas muito simples; uma senhora que tinha o marido varrendo a praça. Um homem que cultivava flores de jardins exóticos, mas só tinha como ir até lá uma vez no ano. Duas crianças vendendo doces e chocolate quente.
Ficaram mais tempo nesse último, tomando a caneca quente e Orion tendo seu lábio queimado. Nayomi ria com as duas crianças, e a mãe deles se juntou levando pãezinhos com uma massa de gosto diferente.
O começo da noite se resumiu a quem tomava chocolate mais rápido, quem comia mais pães e quem ficava mais tempo sem respirar depois de tomar água. Orion perdeu duas e Nayomi duas, levando em conta os patos, no qual ela foi superada por dois patos.
Saíram de lá dando uma imensa gorjeta a mãe das crianças e com copos bem fofos, com carinhas felizes, andando pelas ruas. Nayomi puxou sua mão, a segurando firme e andando na frente.
— Quero te mostrar um lugar especial.
Entraram num beco e saíram em uma viela com casas acessas e sons de música. Violino e um piano, reconhecia o som de dois instrumentos incrivelmente bonitos de se ouvir. Entraram num pátio onde casas formavam uma círculo.
Mesas esticadas na calçada, o cheiro de carne e batata assada, a cerveja. Risadas dos mais velhos, mineradores, pescadores, donas de casas com suas crianças de colo, maridos correndo atrás dos seus filhos e netos, e a fraca luz que criava um ambiente tão harmônico.
— Eu ajudei a montar tudo isso — apontou para as bandeirinhas espalhadas nas janelas. Os balões de papeis presos e as mesas. — Quando eu era mais nova, antes de conhecer minha mãe, eu vivia aqui. Sei que já entendeu tudo, não preciso me explicar.
— Isso não importa.
— É como os pombos e os patos. — Ela o puxou para onde alguns casais dançavam. — Ei, tio Gerome, toque aquela música.
Os músicos que tocavam do lado de fora ergueram a mão. Gerome era um homem alto e negro, com uma imensa barba e uma risada larga.
— Ei, é Nayomi. Toquem a música, seus malditos. Toquem a maldita música para ela.
A festa diminuiu o ritmo e a música declinou igualmente. Lentamente, Orion olhou ao arredor, cada homem tocava a cintura de sua parceira, deixando uma mão esticada no qual seria apoiada. Imitou e ficou olhando os passos dele, casuais e precisos.
— Não precisa se preocupar, dançar é divertido quando se não tem prática.
Orion voltou a olhar para ela, e mostrou seu melhor sorriso. O sorriso que jamais havia dado a alguém.
— Aprendi a dançar agora.
Passos lentos, corpos colados. A lateral do rosto colada no outro. Nayomi suspirava pela calma e também decisão do gingado de Orion. Não esperou que ele realmente soubesse, nem que mantivesse os pés longe dos dela.
Experiente? Não, ele cometia o erro do ritmo e também da puxada. O ritmo alternava, mas ele não. Ela o conduzia, no segundo seguinte, tudo normalizava. Frente a frente, dava para sentir o cheio dos seus cabelos lavados e a calmaria formada pelos anos treinando.
Não queria que acabasse, tanto que fechou seus olhos. E sem perceberem, os casais deixaram o pátio, pendendo a vagar sozinhos, numa dança lenta e suave, sem se preocuparem com o que existia ao redor e nem mesmo com o próprio amanhã.
Somente os dois, uma dupla… única.
— Que imagem — Gerome sussurrou sozinho, sendo o único a tocar, o violino criava uma sintonia fraca e corajosa, desafiando o silêncio com autoridade. O único som capaz de deixar as pessoas focadas naquele jovem casal. — Encontrou seu par, minha criança?