Passos Arcanos - Capítulo 194
— A verdadeira linha draconiana refere-se ao poder interno. — Em seu tamanho original, Carsseral usava completamente o oceano congelado atrás de si. Orion já estava na casa, afastado das variantes do Império Nortenho. — A Natureza Arcana é uma arte de difícil compreensão porque não precisa dos seus números, nem dos seus cálculos. É necessário os pilares que regem a mana.
— Imagem, Conexão e Afinidade.
— Mais do que isso, é preciso ser os três, não saber. — Carsseral girou velozmente em círculos. Um dragão daquele tamanho criava ondas de vento ao redor, porém, ao tocar o céu, sua cauda ainda tocava o gelo. — E para aprender, eu serei seu adversário.
Orion aceitou o desafio.
— E o que devo fazer? Te atacar?
Carsseral gargalhou ecoando por todos o cenário congelado.
— Sobreviva e amanhã eu possa te ensinar mais.
I
Matilda fitava Nayomi. Nunca tinha visto tanta decisão em um só lado.
— Tem certeza que quer fazer isso, querida?
— É o único jeito. A senhora me disse que quando eu sentisse que estava travada, deveria tomar uma decisão. — Concluiu com a cabeça. — Quero conhecer o Mestre Cassiano.
— Pode ser que ele não queira vê-lo.
— Farei com que me treine, mãe. Pode ter certeza.
O pergaminho já estava em sua mão. Ela iria independente de sua resposta. Matilda não havia criado um pequeno cordeiro, criou a matilha inteira de lobos. Permanecer no norte, nas correntes dos Sargentos e Tenentes só a atrasaria.
Abrir a mão, vê-la se tornar quem realmente quem quer ser, essa era a dádiva de ser uma mãe.
— Diga que sou sua mãe. — Abraçou sua garotinha com força. — Diga pra ele que é para treinar até suas forças acabarem, e que se você não voltar melhor do que eu, vou atrás dele. Volte pra mim como uma General.
Sentiu o braço de Nayomi rondar suas costas.
— A senhora me treinou pra isso, mãe. Não vou te decepcionar.
— Nunca conseguiria.
Uma lágrima queria escapar, ela segurou e arrastou a mão, limpando.
— A senhora está chorando? — Nayomi se divertiu se afastando. — Isso é uma lágrima, senhora Matilda Defoul?
— De felicidade, obviamente. — Ocultou em uma risada. — Me mandem notícias, está bem? E não fale de onde vem para ninguém além de Mestre Cassiano. Ele é um dos melhores espadachins do continente, e tenho certeza que vai te ajudar no que precisar.
— Obrigado, mãe.
Doía assistir a partida de sua criança, e doeria mais se permanecesse. Era a escolha correta. Se tornar forte, sempre desejou isso em Nayomi.
I
Orion caiu de costas na varanda de madeira. Tremulava, braços dormentes e respirando gravemente. Sentia o peito arder, as pernas queimarem e o coração pulsar uma energia tão fria que as veias congelavam.
E não poderia se aquecer com a mana.
— Isso é maluquice — Oliver gritou descendo a escada da varanda e apontando para o imenso dragão. — Como vai querer que ele aprenda a se defender sem mana? O bafo de um Dragão Prateado pode chegar até mesmo 120 graus negativos, isso medido por fora.
— Sua informação é correta — Carsseral respondeu gargalhando. — Somos feitos da própria mana, então, aprendemos a nos controlar diante dela. O que ensino a Orion não é um método para viver, é sobreviver em situações drásticas.
— Já estamos no quinto dia e você fala a mesma coisa. Continua usando esse bafo e congelando meu filho. — Apontou a bengala em sua direção. — Por que acha que vai funcionar usando só esse método?
— Por que você subestima seu filho, Oliver Baker? Ele sobreviveu todos esses anos sem um núcleo, aprendeu a se virar sozinho e foi contra sua decisão de alterar runas. — A cara de Carsseral desceu velozmente, mas não amedrontou Oliver. — Seria adequado que confiasse naquele que um dia te prometeu salvar o mundo?
— Você… — A raiva subiu a cabeça instantaneamente. — Continue usando as lembranças dele para satisfazer essa sua arrogância. Você só joga sujo.
— Cale-se e observe.
Atrás de si, Orion se pôs sentado e estalou os ombros, rachando a camada de gelo que havia se formado.
— Está tudo bem, pai. Eu me acostumo rápido com isso. Carsseral está injetando pura mana e estou me alimentando, formando um corpo adequado para conseguir controlar melhor as Magias por Movimento.
— Está tudo bem mesmo?
— Com certeza. — Orion deu um tapinha no ombro de seu pai. — Eu pedi por isso, não se preocupe.
Mais uma vez. O imenso jato de ar gélido amassou seu corpo e rasgou sua camisa. De peito nu, forçou a concentração ao máximo. Três horas, quatro horas. Carsseral parou depois disso, e respirou profundamente.
De olhos fechado, o Núcleo Mágico definhava a mana gélida e puxava para si. Cerca de oito giros, precisava de apenas dois para chegar ao Segundo Grau como Mago. A parte mais difícil, criar estabilidade.
Mais dois dias, mais três dias. Ele respirou fundo dentro do jato de ar e ergueu o dedo. Precisava sentir o gelo, precisava perceber o gelo, precisava se tornar o gelo. Solitário, como as chamas, como a terra, como o fogo e o ar.
A mana era solitária sozinha. As partículas se transformavam e criavam um desejo do usuário. O Arcanismo Comum lhe deu essa capacidade, de assegurar tudo por cálculos definidos e uma trilha correta.
Uma Maldição só poderia ser governada por uma mente que havia se perdido no caminho da mana, doando mais do que poderia através do sangue, da alma e do espírito.
Uma espada que cortava a magia poderia ser capaz de chegar aonde quisesse. Seu material só poderia ser definido por mentes que nunca ousaram pensar no óbvio. Um gênio acertava um alvo que ninguém mais via.
Não sou um gênio.
Uma pessoa medíocre decidia quando parar e o motivo para isso.
O esforçado carregava o peso de nunca desistir por querer mais do que um dia já teve.
A mana solitária, vivendo longe do toque dos humanos, um dia foi tocada pelos Dragões, pelos Elfos, pelos Anões. A Natureza Arcana, o BioArcanismo e as Runas Justas atuavam de forma livre, não eram definidas.
Todas as runas, matrizes e símbolos carregavam a forma física de um ser que não precisava de corpo. O frio ao redor de Orion era essa sensação nefasta e solitária. Não poderia ser tocada se não fosse entendida.
Carsseral ficou mais chocado com o fato de que assistindo de cima, seu jato gélido começou a ser separado alguns centímetros de Orion.
Aumentou a frieza do seu núcleo, o forçando mais.
Orion tremia de frio, os cabelos congelados, sua roupa destroçada. Ele permaneceu firme no lugar.
Mais cinco horas. O Dragão recuou o seu bafo.
— Esse é o meu limite — disse a Orion.
Poderia ter acabado ali, mas o treinamento permanecia. Assimilar no corpo uma sensação tão desagradável lhe dava tanto prazer e também euforia. Queimava de ansiedade ao sentir que acostumava-se pouco a pouco com aquela perfuração diária.
Um mês depois, dois dedos erguidos e uma concentração que guiava a mana interna a controlar o externo. O bafo de Carsseral havia chegado ao seu pico, congelando tudo atrás de Orion, mas mantiveram-se afastados da casa.
As montanhas glaciais viraram rotinas em serem criadas e destruídas.
— Chega. — Orion abriu os olhos depois de Carsseral recuar a boca. — Seu controle chegou no limite. Você já se acostumou com o gelo e entendeu sua peculiaridade.
Por algum motivo, os cabelos de Orion haviam crescido bastante. Ele os prendeu atrás de si e usava uma roupa antiga de seu pai, um vermelho forte com o símbolo do Cão Imortal atrás do ombro.
— E o que treinamos agora?
— O que aprendeu nesse último mês. Todas as montanhas formadas pelos bafos devem ser transformadas em pó, guie-se pela mana. E estabilize o seu núcleo, o Terceiro Grau precisa de cuidados. E pratique as magias corporais a noite.
I
— A Espada tem um enorme poder destrutivo, Nayomi. Sua mãe sabia disso e você também sabe. Um Mestre de Armas foi feito para olhar através da espada, da lança ou adaga. — Cassiano segurava uma espada com a direita, e simplesmente fez um corte leve no ar. — Ele precisa se tornar suas armas.
— O Domínio?
Cassiano negou com a cabeça. Os dois sentavam frente ao outro, com suas espadas por cima da perna.
— O Domínio é uma arte de concentração singular. A espada através do Mestre que a empunha. Dizem que é o limite, uma mentira. Existem tantos outros patamares de compreensão. Alguns que nem mesmo o melhor espadachim atingiu, mas datados como sagrados.
— E o senhor sabe? — Ela não queria parecer incisiva, mas precisava perguntar. — Sabe todos eles?
— Todos os mestres conhecem a teoria, por isso somos mestres. — Sorriu. — Assim como você é e também conhece. Estocada, lateral, base, gancho. Eles são todos sagrados, o Domínio é uma arte da Base, travadas no lugar para atacar um ponto inimigo. Precisa estar em comunhão com todos os outros para chegar ao Limiar.
— Limiar?
— O que os registros dizem ser o ‘Ápice da Espada’. Quer aprender comigo? Ficará um ano aqui, eu aceito, mas terá que entender que a Espada deve ser sua vida, nada além dela deve existir. Nada e nem ninguém.
I
— Orion, pra controlar a Natureza Arcana, você vai ter que deixar todos os seus pensamentos de lado. — Carsseral o olhava severamente. — Cada um dos desejos que possuí fora da mana se tornará um especilho e seu foco se tornará nulo.
— Eu estou focado.
— Não o suficiente. Passaram-se seis meses, precisa entender que está lutando contra o tempo. Dominar a mana não é fácil. — Ele chegou mais perto. — Precisa esquecer dela.
— Posso fazer isso, Carsseral — endureceu a voz. — Como fiz das outras vezes.
— Não perca seu tempo com o mundano, apenas a mana existe no topo.
I
— Nayomi, apenas a Espada pode residir em sua mente — Cassiano disse levemente. — Por que parece tão perdida em pensamentos? Existe algo que a perturba?
Seis meses em um inferno com um Mestre Espadachim obrigavam-na a dizer a verdade. Ainda existia força nos braços para se levantar, e fez com muita dificuldade.
— Existe alguma chance da Espada ter um companheiro?
— Você… gosta de alguém, criança? Um sentimento muito bonito, mas sem foco algum. A Espada deve existir em seu coração, em sua alma e em seu espírito como uma força inabalável.
— Eu não quero deixar de estar com ele, mestre. Sinto que posso conversar com ele sobre tudo, sobre qualquer coisa e não me sentir mal.
— Bom, existiu um homem capaz de assimilar uma mulher e sua Espada…
I
— Ele viveu beirando a existência entre a vida e a morte — Oliver contou. — Queria ser o melhor, mas amava uma mulher. A magia dominava sua mente, e o coração pertencia a sua esposa. Como um método de força, ele nunca deixou de amá-la e jamais abandou a magia.
— E como uma pessoa assim pode ter sido grande?
— Porque ele sabia de uma coisa importante, filho. — Seu pai encostou a mão no fogo e as chamas vieram para sua posse. — A mulher que ele amava também não desistiria dele.
I
— Se ele não desistir de você, Nayomi — Cassiano continuou —, sua Espada não morrerá. Foi um risco que correu, grande demais para qualquer espadachim. Nos amamos a espada, e se não for o suficiente, nada mais será.
Nayomi olhava para baixo.
— Minha mãe ficaria desapontada?
— Se escolhesse esse caminho? Não depende dela. Apenas você pode saber disso. — Cassiano esperou que ela o encarasse. — Quer apostar na vida ou na Espada, criança?
I
— Quero apostar em mim, pai. — Orion negou com a cabeça. — Independente do resultado, sei o que deve ser feito. Na Natureza Arcana, números não servem de nada. Farei o necessário para seguir meus instintos.
— Então, seja o fogo que nunca se apague.
I
— Seja a Espada de fio inquebrável — Cassiano sorriu. — Seja o que nasceu para se tornar e não se arrependerá de nada.