Passos Arcanos - Capítulo 195
— O que ele está fazendo? — Nero questionou.
Oliver e ele observavam Orion afastado, no meio das águas congeladas, flutuando quase trinta metros de altura. As duas mãos guardadas atrás das costas, deixou de usar a manopla mágica que fortificou no ano anterior. A roupa dada por Poulius foi deixada de lado, e usava o manto que Oliver usou quando serviu a Ordem.
Era orgulhoso, uma vestimenta vermelha leve, sem proteções ou armaduras metálicas. O cabelo dele também tinha crescido, Oliver pediu para cortar, Orion achava que combinava bem com ele. Realmente, vendo de longe, parecia ser mais velho e também mais maduro.
— Treinando — respondeu ao Imperador.
Dez livros abertos flutuavam ao redor de Orion. Páginas eram varridas depois de seus olhos passarem por uma dezena de segundos. Desde pequeno, essa capacidade dele sempre lhe deu calafrios. Consumia o Arcanismo e sempre tinha dúvidas que uma criança não deveria ter.
Foi assim que seu filho cresceu. Mas, dessa vez, não existia um limite. Dez livros que o próprio Nero e Maverick haviam disponibilizado durante o ano, lidos em dias.
— Achei que Carsseral estava ajudando com os treinos.
— Carsseral entrou em descanso faz um mês — explicou Oliver. — Disse que usou muita da sua mana para ajudar Orion.
— E o núcleo?
— Ele chegou ao Quinto Grau faz três meses.
Nero ficou impressionado.
— Um ano e já está no limite para ser um Arche-Mago. Não vemos ninguém ter um avanço desse faz…
— Ele podia ter passado para Arche-Mago — sério, Oliver o interrompeu. — Está se segurando. Não entendi o motivo, mas parece ser muito importante. Chegar a Arche-Mago vai deixar ele parado por alguns dias, e disse que queria ler os livros que vocês mandaram primeiro.
— Quantos ele leu até agora?
— Esses são os últimos dez do Imperador Maverick. São todos sobre Escolas Mágicas, as Bases Primárias dos Elementos e os registros que falam sobre os Feiticeiros, Campeões da Luz e os maiores Arche-Mago do Continente inteiro.
Oliver sabia bem o que seu filho estava planejando.
— Reunindo informações — afirmou Nero. — Minha irmã pediu para entregar o pedido dele. Ela está tomando conta das Ilhas do Domo e de uma invasão de uma raça conhecia como Frey, vindo de cidades submersas.
Havia uma caixa de madeira ao lado do Imperador. Não era grande para ser uma lança e nem pequena para uma adaga. Normalmente, Orion preferia o uso de armas brancas mais leves, porém, só pela força que Nero fez para abrir a caixa dizia que não era uma arma comum.
E confirmou a suposição. Uma espada de folha fina, completamente reta, com um dragão dourado dançando de ambos os lados da lâmina. Nero a pegou sem manejá-la, havia admiração até por parte do Imperador.
— Foi feito pelo Ferreiro de Lin — disse Nero. — Me devia um favor. Ele só ficou surpreso pelo que Orion pediu nas anotações de como ela deveria ser forjada.
— Ah, você não deve saber, mas ele já estudou ferraria quando era mais novo. Queria aprender a criar armas, mas nunca deixei ele se mexer com os ferreiros da nossa ilha. — Agora a ideia parecia ser mais engraçada. — Ele falava que se pudesse fazer armas, teria dinheiro sempre.
Orion saber tanto já não era mais choque ao Imperador.
— Entendo agora porque Lin achou tão complexo. Foram materiais bem precisos, e o cabo também teve tantos comentários que ficamos umas semanas procurando um vendedor de tantas escamas de baleias.
Oliver notou os dez livros fechando ao mesmo tempo e sendo puxados para dentro da sacola espacial. Orion permaneceu estático no ar, e num piscar de olhos, sumiu.
— O que aconteceu? — Nero girava a cabeça para as quatro direções. — Onde ele foi?
— De vez em quando acontece isso, mas não demora muito pra voltar. Na semana que vem vai fazer um ano desde que ele veio pra cá treinar com o Carsseral, mas nem eu consegui acompanhar a velocidade de seu treinamento.
— Eu queria ter vindo mais vezes — falou, mais chateado. — Matilda disse que eu iria atrapalhar. O que eles fizeram esse tempo todo?
— Pela manhã foram treinos com Natureza Arcana e o Núcleo Mágico. De tarde, Carsseral deixava Orion dentro daquela água congelada e não deixava que ele saísse até chegar a noite. E depois, ele tinha que se secar praticando os estilos de luta que conhecia.
— Carrseral é terrível.
Oliver deu uma risada.
— Não faz ideia, senhor.
Tinha sido mais do que isso. Por semanas, o oceano se tornou o único banho de Orion. O sol era fraco tão perto do polo, e Carsseral criava um clima cuja temperatura decaía quase duas vezes quando se esticava ao tamanho original.
O Dragão era ridiculamente tirano nos seus treinos, e Orion não rebatia nem duvidava do que fazia. Quando praticava a noite para se aquecer, não poderia usar a mana, fortalecendo os músculos e sentidos.
E mesmo destroçado pelo dia terrível, ainda tirava um tempo para ler perto da fogueira, dentro de casa. Se Carsseral era uma criatura complexa de entender, Orion chegava bem perto desse nível. E recomeçavam o mesmo processo algumas horas depois.
Isso até Orion aprender a se mexer daquela forma. Ele simplesmente dava um passo no ar e desaparecia. Houveram dias que seu sumiço lhe deixou inquieto, horas se passaram e nada. E quando retornava, se mantinha no ar, na mesma posição de sempre.
Ao voltar, Orion segurava um pequeno pedaço de gelo e a largou em queda livre. Assim que a pedra tocou as águas congeladas, ele surgiu diante dos dois imediatamente. Nero tomou um susto recuando em dois passos.
— Perdão, Imperador — Orion disse com um sorriso. — Me acostumei a andar assim. Achei que sentiria minha presença.
Oliver deu uma risada.
— Quando ele começou a se movimentar assim, eu também me assustava fácil.
— Eu não me assustei com ele chegando — corrigiu Nero, ainda de face torcida. — Foi porque não senti a mana.
— É parte do meu treinamento não usar nada além do meu corpo. E Carsseral deixou bem claro que saberia se eu usasse mana. Estou evitando deixá-lo irritado, da última vez não foi muito agradável.
— Um Dragão nunca deve ser irritado — concordou Oliver. — Sempre fazem coisas bem alucinantes.
Levar Orion para quase cinquenta quilômetros no ar e deixá-lo cair, por exemplo. Uma queda que mataria uma pessoa comum em segundos por falta de ar e pelo atrito. No meio do trajeto, existia possibilidade de morte.
Nero apenas concordou e entregou a arma.
— Minha irmã pediu para entregar. Disse que está intacta, todos os pedidos feitos.
— Não tenho como agradecer, senhor. — Orion tomou a espada.
Oliver esperou algo acontecer. Nada. Seu filho apenas observava-a com tranquilidade, segurando em uma mão. Passou a outra por cima da lâmina, tocando o corpo do dragão dourado na superfície cinzenta.
— É bem melhor do que imaginei — disse Orion. — Uma espada com tanto poder, eu deveria dar um nome a ela, pai?
— Os Baker não costumam nomear nada de valor. A perda é mais dolorosa, filho.
— Sinto que não vou perdê-la. Mas, vou respeitar a nossa tradição. — Encaixou-a de volta a bainha dourada e guardou na cintura. — A lança seria melhor, mas criar uma arma de duas mãos agora seria meio complicado.
— Entendo o seu pedido, mas como seu treinamento está chegando ao fim, podemos conversar sobre o que aconteceu nesse tempo que esteve aqui?
Orion assentiu e fez menção para a casa.
— Por favor, senhor.
Eles foram até a casa de madeira. Dentro, Nero retirou a capa grossa das costas e a deixou apoiada no cabideiro. Oliver fez o mesmo com a sua, apenas Orion não tinha nada o protegendo do frio, simplesmente ignorando a diferença de temperatura.
Nero sentou-se no sofá e tirou alguns papiros de seu anel dimensional.
— Sinto um pouco de pena em falar isso logo de começo, mas é preciso. Depois que você deixou claro que não apoiava mais a Academia de Magnus, muitos dos Selectores que tinham boa relação com você saíram. Tauros, como lembra bem, foi um deles.
— Sim. — Os dois receberam xícaras de café de Oliver. — Obrigado, pai. E o que aconteceu depois disso?
— Drieck foi contratado por um Torre Mágica. Rayssan e Mey foram tentadas por uma nova Academia que tem ganhado força, onde apenas mulheres são treinadas. Handley conversou com Maverick, e eles chegaram em um acordo de tutela.
— Handley está em Campanário Verde? — Orion ficou surpreso. — Não esperava isso dele.
— Poulius Qujas, a pessoa que te ajudou por muito tempo, foi mirado por uma família comerciante, bem a Oeste, perto de VilaVelha. Ele também foi embora, levou todos. — Se havia algum tipo de pena por Magnus, Nero não demostrava nada. — Apenas Senma ainda mantém contato.
— Ele perdeu todos os Selectores que tinha?
— Edward Limoi ficou, mas está sendo pressionado pela sua família a abandonar Magnus o mais rápido possível. E o que Magnus fez foi jogar a culpa em cima de você, tentando argumentar que todos os contratos e acordos que fez foram cheios de artimanhas para controlar a Academia. E os diretores que conhecemos compraram o barulho dele.
Oliver sentou-se na poltrona, observando os dois frente a frente.
— E eles acharam uma forma? — perguntou Orion. — Não tenho medo de estar em um tribunal mágico, se eles acharem que isso serviria de algum consolo.
— O Conselho dos Doze ainda procura por você, mas o Jornal Continental tem sido tão efetivo que as pistas que foram deixadas superam a quantidade de gente que pode andar de um lado para o outro sem chamar atenção em Hunos.
— Mas você tem algo em mente, Imperador.
Nero assentiu.
— No seu quarto mês aqui, apareceram muitos boatos de que Maverick e eu não iríamos dar os títulos que prometemos, mas fizemos e isso se espalhou bem rápido. Tivemos que dar entrevistas e alegar que não sabíamos do seu paradeiro. — Com delicadeza, tomou um pouco do café. — Foi um tanto irritante ter que responder tanto o Conselho dos Doze quanto os diretores e toda a Comissão Jurídica.
— Peço desculpas por ter dado tanto trabalho.
— Você vale o esforço, Orion. Queremos que você faça uma aparição assim que terminar seu treinamento, em um baile que terá no Palácio de Vidro. Seu retorno vai abafar os comentários de que morreu por Rock Albone ou por Azrael Carnage.
Ele soltou uma risada.
— Existe esse pensamento?
— Sim. Convenhamos que um ano parado chama mais atenção do que imagina. E a outra informação que temos é que o Clero está movendo seus Sacerdotes para a Travessia de Ignolio. A ponte tem mais de dez quilômetros por cima do mar. E está a oeste também, perto de VilaVelha.
— O plano de estocar as ervas foi bom?
Nero assentiu.
— Melhor do que imaginávamos. Meus mensageiros fizeram compras pequenas e parceladas, e o Jornal Continental também auxiliou muito. Maverick moveu seus soldados e levou quase uma tonelada para seu cofre. Houve tumulto pela Ordem.
— O que aconteceu?
— Anneton me ligou questionando se havia algum tipo de disputa entre Maverick e eu. Os leilões estouraram porque fizemos compras de peças caras, plantas que servem para salvar uma vida ou curar doenças muito antigas.
Oliver ficou fascinado. Só pelo fato de dois Imperadores estarem fazendo compras já era motivo para temerem um outro conflito interno. Os Doze realmente tinham uma imensa força no continente, diferente de como era na época que Oliver lutava.
A Ordem governava pelos Arcanistas, apenas duas pessoas liderando uma imensa massa de guerreiros.
— Tivemos que improvisar, mas conseguimos nos safar — completou Nero. — Não sei se sabe, mas apenas quatro membros dos Doze são Humanos, outros são Elfos e Anões. Foi uma coligação para tratados de comerciais.
— Eu sabia por alto — respondeu Orion. — Li em algum lugar.
Oliver não disse nada. Seu filho havia acabado de mentir para o Imperador. O Jornal Continental havia dito para ele, em uma ligação durante a madrugada. Ler não era o único passatempo que Orion tinha, ouvir as notícias pessoalmente de centenas e até milhares de pessoas ao mesmo tempo se tornou casualmente rotina.
E ele nada dizia de volta. Sua runa estava interligada ao Jornal, dando-lhe oportunidade de ter qualquer resposta em tempo imediato. Foi como soube de Magnus, como soube de Travessia, como sabia da movimentação do Clero e também dos acordos nupciais entre um membro dos Lila e dos HeinHert, querendo unir ainda mais sua aliança.
As famílias nobres foram muito afetadas porque uma lei foi imposta pelo Comitê Mágico, dando apenas metade dos poderes que eles possuíam antes já que seus impostos eram os menores comparado as famílias tradicionais e comerciantes.
Houve cerca de dez casamentos grandes, com festivais e banquetes duradouros de quase uma semana. Nero havia sido convidado, como Orion lhe disse, e negou acreditando não ser o melhor momento para sair do norte.
O Império Nevasca sofria ainda com os Feiticeiros espalhados pelas Ilhas do Domo, e recentemente por Domadores de Bestas que fizeram um Caniçal, uma centopeia de cem metros, atacar vilarejos em terra firme, a leste de onde estavam.
Além da invasão dos Frey, uma raça aquática que se proclamava dona do norte. Nero tinha compromisso com eles, informação essa que veio de dentro do Palácio de Vidro, pelo Jornal Continental.
Era impressionante o fato de Orion simplesmente não ligar se Nero falava ou não sobre todos esses assuntos de forma grosseira, sem detalhes algum. Porque Oliver sabia bem que seu filho tinha planos, mesmo se tornando bem mais silencioso do que um ano atrás.
Isso era o que ele mais admirava e temia.
A calma antes de qualquer tempestade.