Passos Arcanos - Capítulo 198
A chamada do Imperador aquela manhã lhe trouxe o conforto de que existia muito mais do que realmente estava sendo ordenado. Todos os problemas somados eram alocados nos ombros dele, apenas de Nero.
E a função de Orion era uma só, tirar o que conseguisse. Essa era a força da Lança Externa, trabalhar para fora, no Império Nevasca, onde os Lanças Internas não poderiam.
Abriu e fechou a porta, adentrando aquela imensa sala onde havia quase matado Dest Baker. Sorte a dele Oliver estar ali. Seria fácil demais fechar os dedos e vê-lo sofrer. Seria fácil demais tirar aquelas vozes barulhentas da sua frente de uma vez por todas. Tinha que manter o controle, pelo que trabalhava.
Sentia-se meio mal, Carsseral tinha transmitido bem mais do que só conhecimento, o orgulho da Raça Draconiana, como ele mesmo dizia, não deveria abaixar a cabeça para nenhum Imperador, e tinha falhado da última vez.
Agora, confrontou Nero Defoul, Matilda e Ramis Juno, um dos Lanças Externas. No entanto, sua armadura esbranquiçada tinha manchas de sangue, rombos nas laterais e seu braço direito enrolado em faixas.
Sua feição carregava mais vergonha do que dor.
– Orion, que bom que veio rápido. – Nero cruzava os dedos por cima da mesa. – Conhece Ramis. Ele retornou faz algumas horas, mas não estava em condições de conversar. Nossos curandeiros fizeram o máximo para que ele pudesse descansar sem dor, mas como pode ver, é um pouco difícil.
Ramis desviou o olhar.
– Peço perdão, Vossa Excelência.
– Não é necessário. Fez muito bem o seu trabalho. Ramis esteve a Oeste, muitos casos de Bestas Mágicas fora de controle chegaram até nós. Temos uma cidade perto, cerca de dois dias da Fauna Cristalizada, vá até lá e limpe o lugar.
Ramis fez um movimento brusco.
– Senhor, limpar a Fauna? São quase duzentas bestas de Terceiro Grau, e hordas de Mamutes e Águias Azuis. Mesmo se fosse um batalhão…
– Orion fará o que for preciso, Ramis. Não se preocupe com ele.
– Sim, senhor – respondeu o Baker. – Se quer o lugar limpo, ele estará limpo.
Nero bateu uma palma e pegou seu óculos.
– Lembre-se que o baile vai acontecer daqui a três dias. – Puxou um caderno de registro e o abriu. – Não se atrase, está bem?
Num aceno de cabeça, ele virou-se e saiu.
A Fauna Cristalizava ficava cerca de um dia de distância a cavalo. Tempo a perder, claro que ele iria voando. Desceu as escadas e continuou até o portão do castelo. O que Nero queria era simples, mais do que realmente limpar um lugar. Mostrar a sua força, mesmo que indiretamente, resultaria na boa imagem que teria como uma Lança.
Existiam cerca de seis deles atualmente, e cada um tinha uma função dentro do Império. Remis, por exemplo, sempre fazia rotas por cidades mais perto do Palácio de Vidro, e usava uma runa de ‘Baixa Comunicação’ relatando ao Imperador ou Matilda.
Outros, como Joana Juno, irmã de Remis, procurava por cabeças marcadas de alto nível. Assassinos, ladrões e até mesmo Feiticeiros que foram vistos pela população ou informantes do Império. O restante das Lanças visava a proteção de Cecilia e Nero. .
Orion voou do Palácio de Vidro e gastou cerca de duas horas no ar para atravessar um ponto ao outro. A cidade que Remis fazia ronda surgiu por baixo de algumas pequenas nuvens. Era maior que São Burgo, com torres altas e uma muralha bem escura.
Duvidava que as casas fossem feitas de madeira. O frio seria brutal demais. Forçou a visão e visou o mármore para as lojas e a pedra lisa para residências. Nero não cometeria um erro de deixar seu povo sofrer com o clima.
E exista até mesmo certo calor envolvendo-os. Boas lembranças de Rob e Aroldo, cerca de dois anos atrás, o arrancaram um pequeno sorriso. Época com poucas preocupações, bem menor do que existia agora.
Passou pela cidade e seguiu seu rumo. As montanhas pontudas corriam para Oeste de dois lados, forçando um desfiladeiro gigante no meio. Nas paredes geladas, árvores esticadas, de quase trinta metros, com suas copas congeladas tão largas que ocupavam uma parte da sua visão.
Ramis deve ter ido pelo Desfiladeiro, e encontrou os dois tipos de criaturas: Terrestres e Aéreas. A desvantagem era certa, e criaturas que viviam mais perto de civilizações também forçavam a lutar por pedaços de carne já que se tornava mais escassa pela caçada dos humanos.
Qualquer um que se aproximava da área seria marcado. E foi o que aconteceu. O imenso grito de uma Águia Azulada, com seu bico retorcido para baixo e dentes pontudos, como pequenas facas. Orion parou, não estava nem mesmo três quilômetros a frente da cidade.
Eles estão expandindo o terreno.
Mais de cem semblantes surgiram e mais saíam de dentro do Desfiladeiro, indo diretamente para sua posição. Quase duzentas delas, e eram Bestas Mágicas, sabiam usar a mana para atacar, como as criaturas da Amplidão Governamental.
De braços atrás das costas, Orion esticou um dedo.
Ele marcou cerca de vinte Águias Azuladas. ‘Explosão do Vazio’.
As melhores técnicas que havia explorado no último ano foram as Magias Espaciais. Eram silenciosas, amedrontadoras, onde ninguém sabia de onde ou como se aproximavam. E unir com ‘Magia por Movimento’, onde apenas um simples mexer de dedos, espelhado por incontáveis treinamentos ativaria ela sem problemas, tornava sua fatalidade única.
Explodir a área designada usando o olhar. Vinte rápida olhadelas e vinte explosões no ar.
O som dos gemidos ecoou. As Águias mais próximas tomaram susto, alternando seus voos e se afastando. Orion ergueu um braço.
– ‘Morke: Caçada Predador’.
A runa escureceu e vinte Lagartos do Abismo surgiram. Eram extensos, quase dez metros cada um, com asas e caldas espinhosas. Eles partiram e começaram a atacar as Águias. Mais fortes e mais rápidos, usavam ‘Bafos Medonhos’ e corrompiam a mente delas, controlando e criando um exército.
O tempo levemente passou e as mais de duzentas foram simplesmente domadas pelos vinte Lagartos.
Águias Azuladas eram fortes contra magias elementares porque cresceram lutando entre si. E independente do ambiente ser gelado ou quente, as criaturas poderiam nascer com mais frequência nos Quatro Principais Elementos.
Quando as duzentas foram dominadas facilmente, Orion usou uma segunda runa.
– ‘Morke: Fechamento de Ciclo’.
A mente dominada de duzentas criaturas se fechou completamente. E a macha negra que dominava seus corpos desceu para o Núcleo. Como eram criaturas de Terceiro Grau, também eram comparados com Magos de Terceiro Núcleo.
O problema era a quantidade delas. Um ninho de Águias Azuladas bateria em Remis, por exemplo, um Arche-Mago de Primeiro Núcleo. E Orion, por ser um Mago de Quinto Núcleo, no papel, não teria chance de lutar.
Ria da possibilidade. Aqueles duzentos Núcleos foram expostos pelas manchas. Orion usou o Sol Negro e sugou a mana inteira. A palma de sua mão recebeu uma chuvarada azulada. E os corpos das criaturas começaram a decair.
Um método de sugar mana e alimentar o Núcleo Draconiano.
Terminou a sucção e respirou profundamente. Estava perto, muito perto de se tornar um Arche-Mago. Esperar era o correto, Carsseral explicou como seria melhor quando recebesse uma carga adicional, a magia de condição tornaria esse acréscimo aos músculos e veias.
E realmente, sentia os músculos e seus órgãos mais fortes.
– A primeira caminhada para se tornar o Rei deve ser feita com estabilidade – Oliver Baker lhe disse, em um dia na cabana. – Não apresse os passos, como a maior parte faz. Você conhece cada degrau até o Arche-Mago, mas precisa aprender a subir um por um.
Seu pai sempre esteve com ele, mesmo depois de Orion ter fugido das Caldeiras. Depois de ter desafiado um mundo de perigos, aquelas matrizes que queria alterar anos atrás se tornaram pequenas.
O tabu do Arcanismo Comum, Orion tiraria tudo agora. As amarras que seu irmão, seu pai e o Masquerati impuseram seriam quebradas, todas de uma só vez.
– Temos que fugir. – Ouviu longe. Seus sentidos ficaram muito mais sensíveis por chegar ao Quinto Núcleo. – São muitos, vamos voltar.
– Não tem como. Trevor caiu, ele está com a perna quebrada.
Orion olhou para baixo. Um grupo de pessoas tentava fugir, mas havia um caído com a perna quebrada e um deles desmaiado. E descendo com suas placas de pedra geladas no lugar dos braços, rostos torcidos com chifres nas testas e espinhos nas costas, uma imensa e afiada calda de gelo, os Nêmis gargalhavam roucamente.
Eram criaturas que nasciam naturalmente no extremo norte, e o que faziam ali, tão perto de uma cidade, era difícil de entender. Seria o avanço dos Frey?
Aquela raça que vivia abaixo da água surgiu das costas, no mesmo lugar que os Nêmis e outras espécies mais agressivas viviam. Ter ocupado uma área grande fez com que eles descessem, dividindo espaço com os Lobos Brancos e os Goblins de Cara Amassada, que viviam nas montanhas da Fauna Cristalizada.
– Deixamos eles? – uma mulher questionou, era a única com uma espada na mão, adiante contra os mais de trinta Nêmis. – Podemos fugir se…
– Ou eles vão com a gente ou nós vamos morrer com eles – um dos Cavaleiros gritou. – Não deixamos ninguém para trás.
Heroísmo orgulhoso. Orion guardou o braço atrás das costas e se inclinou para baixo. Ajudar não custa nada.
Ele desceu como uma bala e pousou adiante da mulher. A neve se ergueu ao seu redor, e desceu lentamente.
O estado da armadura da Cavaleira, quebrado, e sua espada rachada no meio. Duraria mais alguns minutos, por sorte.
– Recuem – disse a eles. – Sou uma das Lanças Externas do Imperador Nero. Por favor, deixe isso comigo.
Um dos Nêmis avançou num berro de guerra. Sua mão pedregosa empunhava uma espada humana, lisa e de folha larga.
– Cuidado – gritaram.
Orion mexeu o dedo. ‘Explosão do Vazio Flamejante’.
A barriga do Nêmis brilhou em vermelho. Num segundo depois, as chamas se libertaram, vaporizando completamente seus membros. Apenas a espada e os chifres sobraram no solo.
– Vou pedir uma segunda vez, senhora – Orion a olhou. – Por favor, retorne ao seu grupo. Não vou demorar.
Ela hesitou. Havia medo nos seus olhos e descrença. Não houve runa nem movimento. O Nêmis simplesmente desapareceu ao se aproximar.
– Obrigado – disse dando passos para trás. – Vamos reagrupar. Ele é uma das Lanças Externas.
– Mas, o que aconteceu agora? O Nêmis pegou fogo do nada?
Orion fez uma runa crescer diante seu peito, bem pequena, e apertou em seu interior. Os símbolos expandiram, e ele trocou. Círculos menores por maiores, equivalência entre os fatores, e imbuindo os canais de mana em planos secundários e terciários.
Mais jovem, ele tinha conhecimento para transformar uma Magia de Primeiro Grau em uma de Terceiro facilmente. Mentalmente, cada troca era feita e a runa reagia da mesma maneira. Em dez segundos, fechou a matriz e mirou os quase vinte Nêmis ao redor.
– ‘Hidro: Chuva de Ventos Elétricos’.
O grupo sentiu a mudança dos ventos. A neve parou de descer para o leste, e forçou-se a oeste. Os Nêmis também ficaram preocupados, olhando ao redor. Eles sentiam a mana melhor do que os humanos, claro. Nasceram com seus instintos afiados, mais do que qualquer Mago em seu auge.
– ‘Gi: Raízes Falsas’.
A neve que pisavam se remendou e materializou para cima. Suas pernas foram agarradas e começaram os berros de fúria e medo. Acima de suas cabeças, um relâmpago soou. O céu clareou em roxo, e depois azul.
E Orion sorriu.
– Desça.
A imensa rajada veio quase que dez vezes em posições diferentes. A trovoada ocorrendo diante seus olhos, o grupo de caçadores ficou perplexos. Os raios acertavam os vinte de uma só vez em dez posições diferentes.
Uma chuvarada de relâmpagos.
Do céu, os relâmpagos desciam e sumiam. Desciam mais uma vez e sumiam.
Orion os deixou explodirem até que não houvesse mais berros ou gemidos. Cessou a runa em seguida.
– Volte a cidade e digam aos outros que o Imperador bloqueou qualquer um de caçar nessas áreas. As Bestas Mágicas estão mais perto do que antes, isso pode ser perigoso.
Eles nada responderam. Ainda com olhos arregalados.
– Escutaram tudo?
Balançaram a cabeça rapidamente.
– Certo. Agradeço seus serviços, agora podem ir. – Houve o crescimento de um portal a direita deles. – Estão olhando para o centro da cidade, levem os feridos para lá.
As pessoas do outro lado pararam e ficaram abismadas. Guardas rapidamente apressaram-se em entrar e olharam para Orion. Abaixaram a cabeça na hora e se ajoelharam.
– É uma honra, senhor Baker. Podemos saber o que aconteceu?
– Estou apenas mandando esses caçadores para casa. Eles trabalharam duro, mas tiveram uma pequena perda. Por favor, escolte eles para curandeiros e paguem pelo trabalho duro.
Concordaram facilmente. A mulher esperou o grupo inteiro entrar e fitou Orion.
– Não sei o que fez, senhor. – Abaixou a cabeça e falou bem alto. – Devo minha vida a você, obrigado.
– Obrigado pelos seus serviços ao Império. – Orion devolveu o aceno de cabeça. – Avise que limparei a Fauna Cristalizada a pedido do Imperador. Voltarei depois disso.
Seus olhos arregalaram.
– Limpar?
O guada a segurou pelo ombro, a forçando entrar no portal. Orion o fechou logo depois.
– Será mais simples do que parece – respondeu sozinho. Olhou para sua mão. – A magia torna tudo simples. Muito simples.