Passos Arcanos - Capítulo 201
Outro guardião cresceu por Troy. A lança avermelhada desceu sobre o Mago. E travou no ar quando seu braço se ergueu. Uma garra feita de água aparou seu movimento e num giro de dedo, a água se dissipou em cinco garras e golpearam o guardião menor.
Troy separou as duas mãos e apontou adiante.
– Arte Divina: Benção de Hella. – Uma luz recaiu sobre ele como uma mantra vindo do céu, um pilar de energia se espalhou ao redor e alimentou o corpo de todos os Sacerdotes. Assim que Orion adentrou a camada, sentiu-se pesado e muito cansado. – Arte Divina: Morte de Gali.
O Desfiladeiro em si tremeu violentamente ao redor. As pedras soltas foram amarradas por mana do Sumo-Sacerdote e puxadas para baixo. No meio do caminho, elas se incendiaram. Orion observou-as caindo em sua direção.
– Gi: Tornado do Oceano Congelado.
A runa pulsou um imenso vendaval ao redor. Seu tamanho dominou as chamas e o guardião do lado de fora, além da água ser adicionada, fomentando uma destruição unilateral para todos os lados.
Os pequenos meteoros não aguentaram a pressão, sendo sugados e lançados de volta para as montanhas.
– Eu ainda estou vivo, maldito Baker.
A voz de Azrael brandiu no ar. Ele saltou com sua espada negra embainhada e duas esferas disparando fios negros ao redor. Sem se virar, Orion brandiu sua mão pra trás.
O ar mudou de foco e explodiu o Elfo Negro pra trás. Ele bateu contra as pedras, sendo pressionado fortemente.
– Você já não é mais interessante – disse Orion. – Agora eu quero o verdadeiro membro do Círculo de Lumos.
Troy segurava a posição. O tornado tinha sido desfeito em seguida, uns dez foram puxados e jogados pra longe, ainda vivos. Ganhar de Orion Baker agora seria complicado, muitos feridos e pouco espaço.
Terem escolhido um desfiladeiro para tentar matá-lo foi uma decisão idiota, mas foi a única chance que tiveram. Os outros ataques, se dessem certo, seriam um baque para a Ordem. Mas, a morte desse Mago em sua frente, eles não teriam tão cedo.
A dificuldade de espelhar mais de duas magias, não sentir o cansaço e nem mesmo ter um vislumbre da sua mana acabando, Troy tinha certeza que o título Arche-Mago já o pertencia, e um dos bons.
Agora, teria que sair dali com vida e avisar aos outros. Uma nova chance, no futuro, seria a melhor opção. Uma melhor, com os melhores.
Se perdeu nos pensamentos por um segundo e Orion apareceu diante sua face. A palma golpeou seu peito, um imenso estrondo em seu interior, e ele foi enviado. No entanto, uma estranha força de sucção o fez retornar.
Ele seria golpeado novamente. Dessa vez, o punho fechado. A mana reunida naquela expressão tenaz e impiedosa.
– Arte…
– Muito lento.
Três imensas paredes negras subiram entre os dois. O soco criou uma distorção no ar, carregando um giro tão forte que torceu as três camadas de areia para frente. Troy bateu contra elas, mas não foi pego.
Foi Azrael, a mão dele ainda estava erguida. Ensanguentado, cheio de dor, mas vivo.
– KuraSuna ainda está me provendo – o Elfo Negro disse. – Ele não vai me abandonar e nem eu vou. Arte Divina: Mundo Sombrio.
As areias desceram pelo solo e se espalharam por todo desfiladeiro, subindo as paredes e enegrecendo o solo. Orion olhou ao redor, e suspirou.
– Por que continuam tentando usar essas malditas magias divinas sendo que não entendem nem mesmo a base da mana? ‘Lumos: Sol Esbelto’.
De seu corpo, uma rajada de luz impulsionou-se para fora. As areias travaram no lugar e gritaram, tremendo. O controle de Azrael, seu orgulho de ter sido um dos poucos capazes de assegurar o título de Elfo Negro, era desfeito diante seus olhos.
– Anos estudados para entender o melhor funcionamento de um dos compositores do mundo – Orion fitava Troy. – O universo formado dela, e tantos componentes menores, e o que fazem é apenas utilizar algo que vem de seres de outro plano. É como uma formiga escalando um dragão, sem entender onde, como e o motivo de estar ali. Assim são os Sacerdotes, de olhos fechados e uma ignorância tremenda. Meus antepassados lutaram até esse momento, aqui – apontou para o chão. – Eles esperavam um ponto no espaço e no tempo que pudessem observar o dia onde o Clero seria subjugado, diferente dos seus deuses que apenas doam uma parcela de seus poderes, os meus guias me deram tudo.
A mana que saía de Orion era profunda demais. Troy prestava atenção nele, mas não tinha nada para fazer além de esperar. As areias de Azrael começaram a despencar lentamente do céu, sem ter feito efeito.
O tempo parecia ter parado. Tudo se resumia a uma respiração. Desde quando sua vida foi posta dessa maneira? Ele teria que lutar pela sua vida depois de tanto tempo, depois de tantos anos se formando um verdadeiro guerreiro.
E no entanto, sabia que perderia. Sabia o quanto Orion era diferente dele, estava claro em sua face, alguém que subiu degrau por degrau, pisando em espinhos e lâminas, sofrendo e aprendendo nos piores e singulares momentos.
Essa era a diferença entre eles.
– Eu aceito a morte – sussurrou pra si. – Que os desejos dos Deuses sejam formados através de meus pensamentos e que eu possa glorificar seus pedidos. ‘Arte Divina Arcaica: Caixa de Pandora.’
Espalhou sua presença por todos os cantos e firmou em cima de Orion Baker.
Essa é a minha única oportunidade. Vou morrer, mas vou levá-lo comigo.
A energia tão forte e tão densa pressionou os músculos de Orion e o ergueram no ar. Quatro paredes o forçaram dentro e depois mais quatro, mais quatro e assim por quase cem vezes. Uma caixa o aprisionou, tão forte que o ar oscilava ao seu redor.
Era a magia divina conhecida como mais destrutiva, dada pelo deus do tempo. Se fosse possível, o prenderia pela vida inteira, mas Troy não tinha tanto tempo.
– Abram um pergaminho de volta para…
Sua voz cessou. Um portal se abriu atrás dele. Sentiu um frio na espinha.
– Troy – uma voz familiar o chamou. – Está tudo bem?
Ele se virou. Um alivio percorreu sua face.
– Orfeu, como?
Aquele era o homem que tinha a fama de ser o Quinto na colocação do Círculo de Lumos. O rosto quadrado e uma expressão leve, além de um olhar bem estreito para tudo que o cercava. Muitos diziam que ele carregava um das mais puras magias divinas do círculo.
E logo atrás dele, uma figura feminina que Troy ficou assustado de reconhecer.
– Senhora Monique Aurélius. – Ele se curvou. – Eu não fazia ideia de que a senhora estava aqui, perdoe minha imprudência.
Monique era uma excelência fora do comum. Se tornou um Bispo em menos de dois anos demonstrando um intenso entendimento das artes divinas além de já possuir familiaridade com a mana desde pequena.
Ela tinha sido um achado de mercenários que se tornaram quase padrinhos por longo tempo. Agora, em seu vestido largo e anéis em cada dedo da mão direita, sua presença barrava até mesmo o Círculo de Lumos completo.
Troy não ousava ofendê-la.
– Está tudo bem, Troy – disse Monique fitando a caixa no ar. – Eu vim porque tinha ouvido sobre o nome de Orion Baker. Mas, um pouco decepcionada por ele ter sido pego tão facilmente. As Artes Divinas podem ser um pouco difíceis para alguns, e ele sempre foi um pouco arrogante quando se comparava ao Clero.
Orfeu a encarou.
– Conhece Orion Baker, senhora?
– Conheci, muito tempo atrás. – Ela seguiu seus passos até Troy e ficou dez metros da caixa flutuante no ar. Depois, viu o círculo mágico no céu. – Como esperado, não foi de todo mal. Ele estava demonstrando para…
Houve um estalo. Troy gritou e cuspiu sangue. Orfeu o segurou e Monique ergueu sua mão.
– Muito lenta.
Uma brisa passou por ela. Tentou girar perseguindo a aura assassina, não conseguiu.
As costas de Troy foram explodidas e um buraco mostrava o outro lado. A caixa também explodiu em fragmentos, e flutuando no ar, o amigo de anos atrás. Orion Baker e Monique Aurelius se encararam.
– Eu bem que senti a mana de alguém familiar – disse ele descendo, mas não tocando os pés no solo. – Veio para me matar também?
– Meus aliados precisavam de ajuda, apenas por isso. E você, continua o mesmo de sempre, mas agora pode usar magia, não é? Que inusitado.
– Um problema que nem você conseguiu consertar, infelizmente. – Orion deu de ombros. – Não fique deprimida, não somos entidades para fazermos o que quisermos.
Ela aceitou esse comentário. Só era difícil acreditar que Caixa de Pandora foi destroçada de dentro pra fora. Lá dentro, o tempo se tornava quase nulo e o espaço comprimido ao ponto de que seus pensamentos não vagavam.
Anulado completamente, Orion deveria não ter escapatória.
– Está questionando meu poder – acrescentou o Mago. – Eu ganhei a oportunidade de tirar minha família da miséria, mas não tinha intenção de matar seus… amigos.
– Eles não são meus amigos, você era. – Ficava difícil cada segundo que passava. A aura dele era quase invisível, possuindo apenas um fino traço de indiferença pairando no ar, mas sentia a mana ao redor o alimentando, sendo puxada e absorvida naturalmente.
Uma magia? Monique não sabia, mas seus olhos focavam no corpo de Orion. Quando tentou penetrar o físico e chegar no interior, seus olhos arderam. E ela recuou dois passos.
– Uma pena, Monique. Sempre foi a pessoa que mais me aterrorizou quando éramos criança. Você me venceu em tudo, em magia, em Arcanismo, em batalhas. A única pessoa que poderia rivalizar comigo era você.
– Minha capacidade aumentou mais depois de aprender algumas coisas.
Sua mana se espalhou ao redor. Chegou ao ponto de se tornar opressora. Instantaneamente, sumiu.
Orfeu ficou assustado. A magia divina que seria usada não seria fraca, e sumiu do nada. Monique ainda permanecia atenta, seus olhos focados e suas mãos prontas. E tremeu, recuando mais dois passos.
De sua boca, um punhado de sangue cuspido.
– Não procurei problemas com o Clero porque sabia de sua existência. E sua arrogância se demonstrou afim de me vencer num duelo? – Orion mostrou um sorriso torto. – Se transformou em uma formiga também, velha amiga? Então, deixe-me relembrar seu lugar.
Ele simplesmente surgiu diante Monique e ergueu sua palma.
– ‘Somat: Súbito Passo’.
Um portal se abriu e Monique foi lançada para trás. Sua mente se transformou em um filamento de lembranças. Sua casa, seus amigos, sua família, ser domada pelos Vidian, ser resgatada pelos mercenários, treinadas por um Cardeal, treinada por um Bispo, elogiada pelo próprio Papa.
E arrastada numa luta incessante contra sua própria moralidade.
Ela bateu contra uma parede e caiu sentada. Mesmo desnorteada, ouviu Orfeu e vários outros membros do Clero. Demorou para que sua mente voltasse ao lugar, mas quando o fez, reconheceu o chão de pedra escura e as tochas que iluminavam o Templo de Amelia.
Seu braço direito tremia. Algo realmente havia mudado em Orion, e não foi apenas sua força.
– O que pretende fazer, Baker? – o grito de Orfeu emendou com a raiva estampada nos berros de dor de Azrael Carnage bem longe. – Solte ele.
– O Elfo Negro será meu presente a Ordem dos Magos. – Do outro lado, um portal ainda se mantinha de pé. Orion estava lá, flutuando, com o pescoço de Azrael em sua posse. – Eles tiveram muitas perdas esse ano, precisam de um pouco de incentivo. E interessante, a magia que vocês aplicam não é tão difícil quanto pensei.
O corpo de Azrael diminuiu, e uma caixa dourada do tamanho de um punho sugou para dentro, fortalecida pela mana ao redor. Orion observava-a com admiração.
– É robusta demais para mim, mas eu vou aprimorar depois. – Ele jogou para cima e a caixa sumiu no ar. – Pois bem, Monique, de agora em diante, não ouse me encarar com esses olhos arrogantes. Da próxima vez, eu mesmo vou arrancá-los.
Numa risada leve, o portal se fechou.