Passos Arcanos - Capítulo 204
A destruição que os dois dragões causaram na primeira trincheira se espalhou velozmente para todos os cantos. Nero e Maverick receberam cartas quase ao mesmo tempo, o Baile de Vidro estava para começar, com muitos convidados já esperando para entrarem nos salões, e mesmo assim, aquela carta foi enviada com um nome em especial em seu centro.
– Orion Baker, o Cão Imortal, chegou ao campo de batalha.
Nero tocou a testa, pensativo. Tantos movimentos que poderia fazer, ir logo para Archaboom? O que ele queria lá?
– Imperador Nero – Maverick se aproximou a passos largos. – Os Baker reunidos disseram que Orion partiu atrás de dois amigos, Wallace e Tito. E informações de Archaboom dizem que Tito foi capturado pelo Cardeal Elijah e o Bispo Ethan.
– Os filhos do Sacramentado Josiel.
Maverick teve a mesma reação.
– Se um deles morrer, o Clero não vai deixar barato.
Nero começou a andar, deixando os seus criados para trás e Maverick o seguiu. Cerca de cinco mensageiros se aproximaram, quase ao mesmo tempo de portas diferentes. Nero deu a ordem para prepararem o banquete urgentemente.
Eles se foram em um piscar.
– Temos que usar o comunicador para a Torre de Archaboom. Eles tem que parar Orion a qualquer custo.
– Se fizerem isso, vão estar se colocando como alvos. Orion não vai poupá-los também, pouco importa se é Mago ou Sacerdote, ele não vai deixar um dos seus pra trás.
Dava pra visualizar o futuro. Uma morte errada e toda a trajetória causada até o momento seria levada como afronta ao Conselho dos Doze. Um pilar futuro, como Orion, não podia se dar o luxo de ter os Doze como inimigos, além do Masquerati e o Papa.
Três frentes diferentes e uma só família. Nem Nero ou Maverick poderiam fazer algo.
Outro mensageiro surgiu da esquina, carregando uma carta.
– Veio de Archaboom, do Mestre de Armas, Cassiano Baker.
Nero a tomou e abriu sem perder tempo. Leu junto de Maverick.
“Não deveriam se preocupar com a lucidez do Líder dos Baker. Estaremos unidos em uma hora, no máximo. A cabeça de Archaboom não será cortada, pelo menos, não hoje”.
As palavras daquele velho carregavam tanta frieza. Nero deixou a carta cair junto do braço e ofegou sozinho.
– Eles causam problemas onde quer que vão.
Maverick respondeu com uma risada, dizendo:
– É por isso que eles são considerados os mais teimosos do continente.
I
– O preço a se pagar por ter tomado um dos meus é a própria morte – a voz de Orion soou como uma lâmina apontada para baixo.
No meio dos dois dragões, Orion e Wallace, flutuando como majestades. Apenas a aparição deles causou tumulto e desordem no Clero. Mensagens foram enviadas para todos os grupos que já haviam se formado, e cada um deles respondeu de maneira igual.
Cerca de duas centenas de membros, do Círculo de Lumos, Seis Cardeais Carmesins, dois Bispos do Seis, e até mesmo um Sacramentado, envolvido na aura pura e intacta era forçado a olhar para o céu.
Rugidos se fundiam as trovoadas, as chamas e a água em formato draconiano. Além da aura assassina que pairava sobre os dois homens. A espada e o machado seriam usados, isso era certeza.
– Entreguem Tito Baker ou serão mortos de uma maneira que a história não irá se esquecer.
– Um Mago ofende todo o Clero por vir sozinho – o Sacramentado Julius Ofanse respondeu a altura. – Nem mesmo os Doze teriam tanta coragem e insanidade de virem sozinhos. Seu exército se resume a apenas quatro? Nós somos milhares.
– Quer que eu iguale números? Ótimo. ‘Epik: Batalhão Milenar do Inverno’.
A runa que surgiu no chão das terras destroçadas por magia tomaram vida. Cavaleiros a pé e montados a cavalo, Lanceiros, Espadachins, Arqueiros e Magos preencheram o espaço por toda a suas vastidão.
O número continuava a crescer, uma centena, cinco centenas, oito centenas. Orion ergueu a mão.
– ‘Epik: Criaturas Abissais’.
Acima do céu, mais de uma centena de rugidos. Criaturas como Grifos, os Leões de Asas Duplas, as Serpentes Elétricas Voadoras, e Mamutes Mutantes planavam como se fossem humanos. O céu se abriu com os clarões azulados e o azul se mostrou diante do Clero.
Na outra ponta, Cassiano não segurou sua surpresa.
– Ele conjurou duas magias diferentes de uma só vez.
Os outros ouviram. Era impossível. Os livros diziam o quanto sua mente deveria estar dividida e concentrada para chegar a esse ponto. E mesmo assim, Orion ainda planava e tinha os dois dragões com ele.
Isso era considerado uma magia quadrupla?
– Esse é o Líder dos Baker? – alguém perguntou com a voz trêmula. – É um monstro.
– É verdade – Cassiano respondeu com satisfação. – Ele é um monstro.
O lado do Clero tinha as mesmas opiniões. O que viam era um imenso exército reunido para destroçar a conquista de anos por Archaboom. A extensão do poder de Orion Baker, até mesmo Julius Ofanse ficou assustado.
A capacidade para se chegar a uma magia de números era tão complexa que nem mesmo um Sacramentado como ele teria a capacidade de proferir com facilidade. Era necessário tempo, preparo e bastante mana.
De onde aquele monstro tinha tirado tanto para produzir tantas criaturas? E ainda pior, ele sentia que essas invocações não eram simples. Cada um possuí um rastro de mana sendo alimentado, o que indicava que Orion Baker lhe deu mais do que vida, deu uma parte de si para eles.
A mana em seus corpos, puxados de magias de invocação, vinha da imaginação. Julius não sabia qual método aquele rapaz tinha, mas pensar em quase mil criaturas simultaneamente beirava o ridículo.
Wallace também pensava dessa forma.
– Como você fez isso? – perguntou de relance, ainda observando tantas criaturas a sua volta, voando. – É incrível.
– Quando eu ganhei a permissão para conjurar magias, a única coisa que veio na minha mente era como tornar tudo o que uma vez eu pensei em realidade. – Orion olhou para ele, seu rosto tinha perdido um pouco de cor, meio pálido. – E isso é só uma pequena parte do que realmente tenho pra fazer.
Se não fosse o núcleo Draconiano e a sucção de centenas de Artes Divinas do Clero, aquele momento seria ilusório. Era necessário muito para criar, mais ainda para mantê-los vivos. No entanto, numa terra onde a mana se espalhou e se fundiu ao solo, ao ar e o céu, sugar uma parcela era absorver dias contínuos em outro lugar mais remoto.
Ali, a mana lhe deu a oportunidade de conjurar seu maior batalhão.
– E então – gritou para os Sacerdotes –, vão devolver Tito Baker ou serão massacrados hoje?
– Eles não vão querer entregar – respondeu Wallace. – Estão esperando por alguma coisa. Estão se olhando muito. Estão inquietos.
– Eles querem trazer todos que puderem para cá. – Orion arfou e apontou pra frente. – Façamos assim, a cada minuto que passar, eu matarei uma centena. Começando, agora.
A terra balançou. Não por explosões. Pelo pelotão de mil soldados avançando. E os céus ganharam rugidos que ouvidos foram tapados. Misericórdia, uma palavra que não existia mais no vocabulário de Orion.
– Fique e observe, Wallace. – Orion começou a descer lentamente com os Dragões já chegando lá embaixo. – Os Baker sempre foram desprezados pelo Clero e pela Ordem, isso acaba hoje. Há dois dias, eu levei Azrael Carnage para a Ordem, e o que recebi? Um pedido que eu me desculpasse por causar tumulto. Essa besteira de ter piedade contra inimigos já passou da hora. Homens e mulheres morrem todos os dias por culpa daqueles que estão sentados confortáveis atrás de suas cadeiras, deitados em suas camas. Eu me cansei disso.
Faria a chacina, não importava quem estivesse no caminho. E Wallace o seguiu.
– Se você vai atrás deles, não posso deixá-lo sozinho, senhor.
– Era o que eu queria ouvir.
Os Cavaleiros montados foram os primeiros a chegar. As Artes Divinas expurgaram mais de cinquenta nos primeiros segundos, sendo bem efetivos. Foi apenas um pouco depois que perceberam que a locomoção de tantos a sua volta era uma prisão.
Eles não tinham como avançar. O Clero foi pressionado em sua própria gaiola.
Os Magos das Trevas atiravam magias de todos os lados, impedidos por barreiras de cores mistas. Os Sacerdotes eram os mais fracos, porém, em maior número. Eles tiveram que se juntar a mando dos Bispos e criar a defesa mais sólida que poderiam.
E funcionou. Os disparos mágicos e até mesmo as rajadas dos Dragões foram impedidos com certa facilidade. Houve um suspiro de alivio na primeira remessa, mas a aproximação das criaturas abissais pelo céu trouxeram outra turbulência.
– Se mantenham firmes – a voz de Julius Ofanse emergia no campo de batalha movimentado. – Segurem o quanto podem. – Ele uniu as duas mãos, mirando para o Dragão de Fogo, e entoou um cântico rápido. – Arte Divina: Supressão Circular.
A mana se exprimiu ao redor do Dragão de Fogo, forçando seu corpo que caía em sua direção a ser esmagado pelo ar ao redor de si. Julius continuou fazendo força, rangendo os dentes e virando suas mãos num ângulo fechado.
O Dragão foi se espremendo até soltar um gemido de dor.
– É uma boa magia – ouviu a voz ao seu lado. – Obrigado por ter me mostrado.
Julius virou-se rapidamente e encontrou a palma de Orion diante seu rosto. Um impulso colidiu contra seus ossos faciais, e o arremessou cerca de cinquenta metros dali, batendo contra Sacerdotes, pedras e rolando até parar.
Orion balançou a mão. Sua presença dentro da barreira dos Sacerdotes foi sentida apenas naquele momento.
– Ele fez assim? – A mana que sustentava a barreira girou junto de sua mão, forçada a um comando externo. – Interessante, eu sempre aprendo quando encontro com Sacerdotes.
Uma brisa soou e Julius apareceu diante sua face com uma espada. A lâmina brilhava em azul, uma chama quase tão poderosa quanto a do dragão. E ensanguentado, soltou um rugido. Orion mexeu o dedo mindinho.
A espada golpeou o vazio. Julius foi girar e ele havia desaparecido por completo. Sua aura, sua presença, a mana, tudo. Instantaneamente todas as invocações avançaram.
– Não vamos aguentar por mais tempo – um dos Seis Bispos, Jhoan, gritou para Julius. – Nossa mana está sendo drenada. Temos que evacuar agora.
– Não podemos – o Cardeal Gomeno respondeu expelindo um Cavaleiro Negro e atirando contra cinco criaturas abissais no céu ao mesmo tempo. – Se perdemos Archaboom, a Travessia vai ser estagnada. Temos que permanecer firmes.
Julius concordou. Se recuassem, a vergonha seria pior do que a derrota. Tantas figuras vindo de lugares distintos do continente para parar um único rapaz. E onde ele estava? Aquele movimento dele foi muito poderoso, simplesmente usou o ar e espaçou quase cinquenta metros.
Se não fosse pelo anel de seu dedo que suprimia mana básica, ele estaria morto.
Orion Baker era simplesmente monstruoso.
E com tantas criaturas voando e atacando, era impossível adivinhar onde ele estaria. Esse confronto estaria marcado na história se algum dos lados cedesse.
I
– Você é Orion Baker, não é? – Elijah perguntou com o medo estampado em todo o seu ser. – Como entrou aqui?
Ethan segurava um cajado, já pronto para mirar. Ao tentar, a cor brilhante desapareceu.
– O que você fez? Quem é você?
– Ele já respondeu a sua pergunta e vim atrás do meu amigo.
Duas mãos cresceram entre os dois. Os dedos de pedra agarraram e jogaram-no contra o chão. Orion passou andando até onde a grade porta de ferro estava fechada. Esticou a mão e aplicou movimento que viu Julius Ofanse fazer contra seu Dragão de Fogo.
A porta simplesmente rangeu e despedaçou-se sozinha. Um bloco de metal, foi o que ela se tornou.
Entrou e o viu no canto. Tito tinha cabeça baixa, seu cabelo sujo e lamacento, os braços suspensos ao lado, sem forças. Os tornozelos tinham marcas de grilhões apertados, o fizeram realmente um cativo.
– Orion… – ouviu da boca dele seu nome. – É você?
Fraco, como se fossem suas últimas remessas de ar jogadas para fora do pulmão.
Orion agachou rapidamente.
– Sou eu, amigo. Vim atrás de você.
– Orion não viria aqui só por mim. Ele… tem outras coisas…
– Eu estou aqui, olhe pra mim.
Tito forçou a cabeça e um dos olhos. O outro havia inflamado e inchado ao ponto de não conseguir abrir. É o olho da pontaria, eles fizeram com que ele nunca mais atire.
A raiva no peito de Orion cresceu mais ainda.
– É você. De verdade.
– Sou eu, meu amigo. Vamos pra casa agora. – Ao tocá-lo, usou a mana e um comando de dedos para criar um ruptura no espaço, levando-o diretamente para onde sua mente ordenava. De um outro ponto, bem ao norte.
O corpo de Tito se tornou transparente até que finalmente desapareceu, sem deixar rastros.
– ‘Magia Espacial: Troca de Posição’.
No lugar de Tito, um travesseiro branco e limpo.
Wallace entrou rapidamente na prisão, suava e tinha sangue no peitoral metálico.
– Descobriram nossa localização. – Olhou ao redor, assustado. – Onde está Tito?
– Já está em casa. E nós vamos também. – Apontando para o lado, ele criou uma janela que dava para a trincheira.
Os rostos assustados se distanciaram, com apenas Cassiano observando a saída de Orion e Wallace.
O Clero ainda era soterrado por golpes contínuos, porém, resistiam fortemente aos ataques. O Dragão de Água também fora derrotado, e metade do exército morto.
Orion sentia-se cansado. A quantidade de magias que usou num período de tempo tão curto trazia consequências drásticas.
– Ele já está no Norte – confirmou Orion para Cassiano. – Vamos embora.
– Certo.
Wallace olhou para os seus antigos companheiros. Cada um ali tinha ficado pelo menos um ano ao seu lado. Eram bem mais do que colegas, lutaram e viram muitos morrerem até aquele ponto.
– Ele podem vir – Orion disse. – Traga-os. Os Magos, não.
A garganta dos Magos se fecharam. E os Cavaleiros ficaram sem reação. Wallace sorriu e apontou para o portal.
– Essa é a chance de suas vidas. Um Comandante precisa dos seus mais confiáveis Cavaleiros, e se acham que sou digno, me sigam.
Um por um, os Cavaleiros adentraram. Cem deles, sujos e fedorentos, adentrando o pátio principal do Palácio de Vidro, assistidos por mais de duas centenas de convidados. Eles esperaram pelo retorno de Orion Baker, apenas para assentir de uma única coisa.
– Ele venceu. – As palavras saíram da boca de Nero Defoul. – Em menos de uma hora, como Cassiano disse.