Passos Arcanos - Capítulo 205
– Mestre Cassiano – Orion não deixou que os espectadores atrapalhassem seus planos –, envie alguém para o meu quarto. Tito deve ser cuidado dia e noite. E cuidem do olho dele.
Cassiano assentiu e saiu andando.
– Wallace – continuou ordenando –, leve seus Cavaleiros para outro pátio. Irei mandar até lá para cuidar de todos. Precisam descansar e de um banho. Estão fedendo. Não podem ficar em Itauba desse jeito.
– Todos ad família está aqui?
Wallace olhou ao redor. Aqueles olhares estranhos, enojado e assustados. Nas Caldeiras, o costume de ser observado como um estorvo e um verme lhe dava nos nervos. A sensação não parecia ter morrido, pelo visto.
– Eles estão esperando por vocês. Eu ire pedir que alguém mande roupas também. Nós estamos iniciando o Baile de Vidro, por isso essas pessoas todas estão arrumadas. Preciso de você comigo, certo?
– Com certeza, senhor.
Se Orion havia se tornado o jovem mestre dos Baker, nenhum Ancião estaria acima dele, nem mesmo seu pai, o que tornava aquele Arche-Mago no mais alto no posto da família. Nunca imaginou que um dia desses chegaria, nem mesmo em seus sonhos.
Para que todos escolhessem Orion, deveria ter havido uma votação fervorosa além de gritos e brigas, como de costume. Wallace queria saber como tudo chegou aquele ponto já que quando mais novo, Orion era odiado por ser irmão ser um traidor.
Num gesto de mão, guiou as dezenas de Cavaleiros juntamente para fora daquele pátio. E outros soldados guiaram-nos. Se tornando o único Baker presente, Orion se tornou o foco. Avistou Matilda, Nero e Maverick com suas vestimentas clássicas de família real.
Os nobres que andavam pelo Palácio de Vidro e suas facetas cheias de rancor, nervosismo e nojo. Alguns nem mesmo disfarçavam mesmo o apoio dele sendo de dois Imperadores. E aquela aparição, no coração de muitos, estragou completamente o clima do Baile de Vidro.
A ocasião era a união de todas as classes e famílias nobres, contendo também alguns herdeiros do continente e supostas estrelas em ascensão no ramo da magia e da política. Apagados pela chegada de um único jovem, eles também inflamaram seu peito com humilhação.
No entanto, quem poderia dizer alguma coisa? A notícia de Archaboom chegou para eles bem facilmente.
– Faz algum tempo – a voz veio nas suas costas. – Rei.
– Martin.
Ao se virar, deu de cara com o jovem usando a vestimenta branca da Lança Externa que normalmente era dada. Uma capa caía sobre o ombro direito, cobrindo sua espada, e manoplas ligadas ao peitoral leve.
Tinha deixado sua barba crescer, ficando rala, e seus cabelos mais volumosos. Mais maduro, com um olhar mais forte. Sua aura também não era fraca, bem posta, modesta e bem formidável.
– Saí por algumas semanas para resolver o problema e você vai pra guerra – Martin estalou a língua. – Como alguém ataca Archaboom e volta sem um arranhado? Merda, eu tenho que começar a te seguir pra ter batalhas melhores. Primeiro o Desfiladeiro, agora isso.
– O problema sempre me encontra, meu amigo.
Os dois apertaram o antebraço do outro.
– Acabei de chegar da Travessia, quer entrar para tomarmos alguma coisa? – Arrastou a mão na garganta. – Estou cheio de sede e tem muita gente aqui.
– Claro, me conte o que rolou por lá.
– Primeiro me conte do Desfiladeiro.
I
Os dois tomaram uma mesa mais ao canto, perto do trono de Nero. Os garçons andavam de um lado para o outro servindo bebidas esverdeadas e copos de água para os mais novos. Suco também estava amostra, sendo dados para os veteranos de guerra das famílias nobres.
O salão se tornou tão recheado de vida em poucos minutos que nem os músicos contratados igualavam suas melodias. Vozes risonhas, assuntos sérios, políticos e escribas reunidos, além da corte inteira do Imperador Nero e do Imperador Maverick.
Os Guardas Reais de Maverick utilizavam o vermelho no manto, com grande espadas nas cinturas e elmos dourados, ocultando seus rostos. Orion tinha dúvidas de como eles lutavam, mas dependendo do estilo, não deveria ser menos mortal do que o Batalhão de Vidro, os soldados mais leais ao Imperador Nero.
Martin usava uma vestimenta de cor parecida com a deles, branco e cinzento, mas o Rei Relâmpago usava a capa por cima do braço direito e sem a cota pesada de ferro no peito. E aos poucos, contanto do que havia ocorrido em Travessia, ele perdeu a formalidade, chegando a gargalhar ao ouvir também sobre o ocorrido em Archaboom.
– Depois de um ano, fez um caos gigante nas frontes do Clero – disse Martin. A bebida que tomava era vinho, bem claro, misturado com água. – Mas, ajudou muito na Travessia. Depois que eles fecharam a ponte, receberam a notícia de que Archaboom estava sendo bombardeada. Quase tiraram metade das tropas para lá.
– E como está a situação lá agora? Por que Nero enviou uma Lança Externa direto para lá?
– Politicagem dos Doze. Eles queriam que um representante de cada Império fosse enviado, mas não entendi porque não fizemos nada. – Martin balançou a cabeça de lado e bebeu mais um pouco. – A Ordem enviou mais de mil Magos, e eles tentaram achar uma brecha, mas aquela ponte é bem mais misteriosa do que eles acham.
Nero não contaria sobre o Jornal Continental, nem que eles tinham a informação do motivo da Travessia estar sendo ocupada. No entanto, nada valeria contá-lo agora. O plano para tirar o Masquerati da sua toca era preservado apenas aos mais íntimos.
Ainda não era hora de Martin estar dentro dessa luta pessoal.
– Ela vale o ouro de Hunos, tanto para a Ordem quanto para o Clero. Eles apenas fecharam o comércio central com os Elfos, de Hemilyn. – A explicação foi breve e esgotou ali.
A mesa dos dois foi recebida por dois homens altos e com ternos pretos. Eram velhos, de rugas ao redor dos olhos e barbas bem feitas. Pela postura e também pelo sorriso informal, eram homens de poder.
– Martin Crons, se não for incomodar, poderíamos tomar uma palavra com o senhor Orion Baker?
– Claro, senhores. Estou de saída, tenho relatórios para fazer também.
Martin deu lugar aos dois e tocou o ombro de Orion.
– Depois continuamos, temos bastante assunto para colocar em dia, amigo.
– Estarei esperando.
Os dois senhores se sentaram, afastando o botão do terno e ficando mais livres. Até mesmo suspiraram, olhando ao redor com certa cautela. Orion, interessantemente, não reconhecia seus rostos.
– Posso perguntar seus nomes, senhores? – questionou ao tomar o copo de água.
– Claro, perdão pela falta de educação. – O mais velho e com cabelo puxado para trás, em um topete curto, apontou o braço para seu colega ao lado. – A sua frente, está o homem que comanda a maior frota de navios do continente Hunos, Oracle Bunis.
O bilionário herdeiro da Meta Navios. Orion sabia o nome das dez pessoas mais ricas do continente, e ele estava em nono, isso era o que diziam. Não era possível contar normalmente todos os tesouros que uma pessoa possuiria só pelo que viam.
E Oracle tinha um rosto passível, olhos bem claros e uma aura bem oculta. Ele deve ter sido treinado para não ser lido pelos outros.
– Fico lisonjeado, senhor Oracle. – Orion fez um gesto com a cabeça. – Orion Baker, o jovem mestre da família.
– Ouvi sobre seus últimos feitos contra o Clero, rapaz – disse Oracle. Sua voz era bem baixa e forte. – Os boatos sempre aumentam na boca dos outros, mas quero acreditar que tenha realmente dado uma surra naqueles Sacerdotes.
– Mesmo que eu quisesse, ainda não posso mexer no tabuleiro da Ordem dos Magos.
– Ainda acha que é fraco para isso?
– Não. Só que se eu mexer em alguma peça que não posso controlar, corro o risco de mudar o foco direto para a minha família. E acabei de receber o título de Jovem Mestre, como eu jogaria todos os meus parentes em uma luta de novo pelo continente?
Oracle não esboçou sorriso ou desdenho. Seus olhos velhos corriam nas possibilidades, era parecido com Orion quando pensava em algo. Ele queria algo, algo que apenas Orion poderia dar, e estava fazendo seu caminho até lá.
– Diga-me, senhor Oracle. – Orion pegou outro copo de água com o garçom e pôs a mesa. – Dizem que o senhor tem uma das maiores companhias de navios no continente. Mas, posso dizer que os boatos sempre aumentam na boca dos outros.
– Os boatos são verdadeiros – o homem ao lado de Oracle respondeu velozmente. – A maior frota, com centenas de fragatas, Brigues e até mesmo os famosos Navios de Mil Guerras. É uma…
Oracle fez um gesto suave com a mão e o velho parou de falar.
– Perdoe o tom de voz dele, senhor Baker. Miorir tem tendência a falar muito sobre navios, ele é um construtor afinal.
– Na verdade, eu fico mais do que satisfeito em ouvir sobre navios. Gosto muito de navegações, mais do que meu pai que sempre teve medo do Oceano e das suas rotas estranhas.
– Seu pai tem o mesmo medo que muitos homens do continente, isso é natural. – Oracle cruzou a mão acima da mesa. – Respondendo sua pergunta, sim, nós temos a maior companhia. Existe muito de nosso comércio que outros não podem sequer chegar perto.
– Parece bastante com a minha família. Muitos tentam chegar perto, mas nenhum deles conseguem. – Deu uma risadinha. – Quando sentou nessa mesa, você tinha uma oferta e eu também, como deve ter percebido.
– É comum que dois homens de negócios cheguem a um acordo.
– Comum até demais. O que tiver em mente, aceito pelo preço correto.
A sobrancelha do velho homem se ergueu, inusitadamente.
– E o seu preço seria em tom mobiliário ou monetário?
– Flexível, o que acha?
– É uma boa oferta.
Os dois apertaram a mão, como se fosse algo comum. Oracle e seu construtor se levantaram e foram adiante, para mais perto de outros convidados importantes. Esses dois eram senhores que comandavam mais do que apenas barcos, comandavam economias.
Se um acordo fosse selado de maneira apropriada, os Baker teriam um fundo ainda mais sólido para voltarem a caminhar. Com dinheiro e poder, um homem tinha potencial de ser visto. Os Baker teriam uma nova casa, uma nova vida e uma nova proteção.
Maverick, Nero, Jornal Continental, o Mestre dos Burgos – Economia, Oracle Bunis e o Palácio das Baleias como refúgio. Um poder desse poderia rivalizar contra uma casa Nobre do continente facilmente, mas precisava da consolidação.
Assim que Orion iria levantar, uma mão tocou seu ombro novamente.
– Posso ter uma conversa com o senhor, grande Mestre Baker?
Falando no diabo, o próprio Economia havia se esgueirado até ele.
– Por favor, senhor. Sente-se.
– Agradeço, agradeço – sua resposta bem vaga. Ao ficar de frente, olhou ao redor, para o trono, para as pessoas, e depois para Orion. E sorriu. – Faz um pouco mais de um ano e meio desde que nos visitou a pedido de seu mestre, o Professor.
– Acho que posso dizer que fiquei meio ocupado, senhor.
– Indo de uma ponta a outra no continente, ajudando a Ordem sem querer e ainda trazendo benefícios para sua casa por Silena Vidian e seus gloriosos trabalhos que ajudam a fundação de muitas casas e residências ao redor de Hunos. – Economia relaxou os ombros e encostou-se na cadeira. – Claramente, seu mestre deve possuir um imenso orgulho do aprendiz que anda pelo continente em seu nome.
– Pode-se que sim. Meu mestre costuma se isolar muito para criar projetos.
– Projetos esses que vão contra qualquer uma criação já vista na história. – Não lembrava de Economia ter tanto sacarmo na voz. – Sempre tentamos entrar em contato com o Professor, mas não o encontramos.
– Ele não gosta de ser achado.
– Diferente do seu aprendiz que está em todos os lugares.
Orion percebeu. Economia sabia da farsa.
– Normalmente – disse Orion –, o Professor sempre deixa algo preparado para seus maiores aliados. Gostaria de ver?
– Na verdade, não.
Economia fez uma pausa e fitou Orion com solidez. Ele sabe quem sou.
– Eu quero ver um trabalho de Orion Baker. Os Donos dos Burgos, de São Burgo, de Santa Helena e São Cristovão, uma nova cidade que tem se estabelecido sem a presença dos Krasios, precisam de projetos e matrizes que ofereçam uma boa proteção e um custo pequeno.
– E no que estão pensando?
– Baixa renda, existem muitas pessoas na cidade e os Bancos não estão conseguindo dar conta de tantos. O mesmo aconteceu com São Burgo, quando ela começou a expandir, foi assim que o Distrito Sul foi formado, mas São Cristovão não podem fazer o mesmo.
– Por causa da limitação do terreno.
Economia ficou impressionado e concordou.
– Conhece bem Hunos para dizer algo de maneira tão simples.
– Apenas o suficiente para ser leigo. – Orion e Economia pegaram um prato com alguns petiscos. – Acho que posso ajudar, senhor.
– A situação é perigosa, senhor Baker. – Havia urgência em sua voz. – Quanto tempo seria necessário?
– Até o final do Baile, alguém vai se encontrar com o senhor. Cerca de dez projetos de modelagem, mecanização e conversão, além de projetos de arquiteturas que São Burgo adotou depois que Azrael Carnage destruiu a cidade.
– E o que vai querer em troca?
– Os projetos vão sair a custo zero, mas espero ter a benção dos Donos dos Burgos para guiar Itauba, onde minha família está se hospedando atualmente. – Orion não ia revelar o plano de construir uma cidade portuária, mas o desejo era claro. – Temos muitas formas de auxiliar os problemas mais escondidos das cidades, mesmo de longe.
Economia se atentou e esticou a mão, interessado.
– Continue, por favor.
Orion não falou pela boca, mas sua mente se interligou a de Economia na mesma hora, o fazendo piscar e recuar a cabeça.
– Minhas palavras atuais não devem ser ouvidas por todos os ouvidos, senhor – falou mentalmente. – Mas, o Jornal Continental está sendo parcialmente direcionado por homens de confiança, e tenho acesso a muito mais do que os olhos dos seus mensageiros e espiões podem chegar.
– Está dizendo que controla o Jornal Continental? – Aquilo sim era um grande choque para o homem. – Mesmo que isso seja verdade, ninguém agiu quando as grandes informações…
Ele fez uma pausa, e ficou quieto. Um homem esperto teria pescado apenas a metade de todo o cenário, Economia era acima da média. Ele era quem comandava todo o terreno econômico de São Burgo, com mãos em muitos lugares de Hunos.
Orion queria extrair total curiosidade e também atenção dele, somente assim o conduziria para seu lado.
– A Travessia, Archaboom e o Desfiladeiro, tudo foi montado?
– Uma pergunta interessante, senhor. – Orion sorriu, mesmo não revelando nada com a boca. Rostos no meio da multidão ao redor já percebiam que ambos não falavam nada há algum tempo. – Desde os tempos remotos, aquele que possuem a informação também são detentores do mundo oculto. Mesmo os piores e melhores momentos na história tiveram uma parcela de modelagem, apenas para que alguém pudesse sair como um vencedor e outro lado o perdedor. Não existe honra nem mesmo ganho para os perdedores, e minha família já perdeu tudo, até mesmo aquilo que não eram deles. Um homem com o potencial de se tornar esse mediador também tem a glória nas mãos, mas a preço de incontáveis vidas. As imensas batalhas da história tiveram esse sentimento para mim desde sempre, controladas, remodeladas, contadas pela boca dos vencedores. Se os Donos dos Burgos nos derem essa benção, de podermos construir sobre a asa e também benefício, o que acontece em São Cristovão, Santa Helena e até mesmo dos Desertos de Sal, nas ilhas do Oceano Congelado, das Invasões Bárbaras, dos Palácios de Hinomato e da Nobreza estarão um passo deles. Preciso de apenas um ‘sim’, senhor.
Economia estendeu a mão lentamente.
– Você não é comum, rapaz. Isso eu já sabia fazia um ano, agora, mostrou que além de ser diferente, também é assustador. – Abriu sua boca, falando com a garganta. – É ótimo fazer negócios com o senhor dos Baker.
Nero e Maverick, que observavam de longe, se encararam notavelmente. Primeiro Martin Crons, depois Oracle Bunis. Agora, o Detentor da Moeda, Economia. Três figuras bem diferentes, mas que levavam a um só ponto: A construção básica de sua família.
Se Orion tivesse realmente efeito sobre tais homens poderosos, nada ali seria igual a partir desse ponto. E o próprio Orion tinha certeza desse fato. Pra ele, o Baile de Vidro revelava uma única demonstração: os Baker não estão mortos.
– Senhores e senhoras, a Primeira Senhora, Matilda Defoul. E sua filha, a Mestre das Armas, Nayomi Defoul.
Orion se levantou e encarou a porta.