Passos Arcanos - Capítulo 206
O vestido de Matilda combinava e muito com seu parceiro, Cassiano Baker. Os dois trajando um branco, de porte nobre e seda cara. Orion ficou impressionado que seu mestre havia sido posto como o acompanhante direto da Capitã Nevasca.
Os dois compartilhavam sólidas expressões de confiança e pouco alarde ao cumprimentarem os demais visitantes e convidados. Orion, no entanto, ficou ainda mais perdido ao ver Nayomi na porta, negando pedidos diversos de convidados para que entrassem com eles.
Numa única palavra, os rostos enfraquecidos recuaram ao mesmo tempo. Uma Mestre das Armas trazia calafrio até mesmo aos Guardas Reais dos Imperadores. E atrás dela, os Generais, Capitães e Tenentes do Batalhão Gelado, no qual ela pertencia.
Ninguém falaria ou faria algo para ofender aquela mulher.
– Está esperando algo, senhora? – Ruffle perguntou a sua esquerda. – Podemos achar alguém…
– Não, não precisa. – Ela estendeu a mão a frente. – Eu sei que ele está aqui.
Orion sorriu. Ela não é alguém comum.
Ao ativar sua habilidade temporal, ele saiu do lado da cadeira, aparecendo com a mão abaixo da dela, e de cabeça baixa.
– Será uma honra, senhora Defoul.
– Senhor Baker, como esperado de sua formalidade – respondeu Nayomi, num sorriso acolhedor. – Pensei que me deixaria esperando mais. As convidadas o distraíram? Tem muitas herdeiras bem arrumadas no dia de hoje.
– Minha única distração hoje, senhora – ele ergueu a cabeça –, é você.
– Uma bela resposta.
Orion se endireitou e curvou o braço, recebendo a aclamação de alguns e a reprovação de muitos. Nayomi, filha de uma Capitã, sobrinha de um Imperador e Mestre de Armas, tinha a maior categoria de herdeira, tirando Cecilia Defoul.
No entanto, a filha do Imperador ainda era uma criança, mesmo tendo mais de dezoito anos. Cecilia era a flor pura do Império Nevasca, já Nayomi era a futura espada que protegeria esse reino. E Orion? Os rostos invejosos não fariam nada que pudesse comprometer a fama e também respeito de suas famílias.
Aquele jovem havia entrado em Archaboom, derrotou incontáveis Sacerdotes, Bispos, Cardeais e retornou em segurança com seus parentes e um imenso grupo de Grande Cavaleiros. E sem um arranhão, ainda por cima.
Como eles poderiam se comparar a esse tipo de pessoa? Mesmo sendo um Baker, sua força tomava a mancha criada anos atrás.
E os dois foram para o meio do salão, junto de vários outros casais, dançando lentamente. Os passos eram estranhos, mas Orion olhou ao redor e gravou os movimentos dos outros. Num segundo depois, entraram em sincronia.
– Você não me levou para Archaboom – disse Nayomi encostando seu corpo no de Orion. Suas bocas ficaram próximas do ouvido do outro, lentamente conduzidos pelo ritmo. – Fiquei chateada.
– Não foi nada divertido. – Ter usado tanta mana o lembrou de São Burgo, a primeira vez que usou o Sol Negro e ficou desacordado. – Eles prenderam meu primo. Tive que abrir caminho.
– E ele está bem?
– Está sendo medicado. Espero que melhore rápido.
Os dedos dela forçaram contra seu ombro.
– Meu tio disse que cada dia que passa é um pouco mais perigoso ficar com você, sabia?
– Ele não está errado. Muita coisa vai acontecer, e não quero que ninguém inocente se machuque por minha causa. Por isso, minha família precisa se restabelecer. – Orion fechou os olhos por um instante, sentindo o cheiro gostoso dos cabelos de sua parceira de dança. – Agora é um bom momento para a gente não pensar em nada.
– Não tenho como fazer isso. – Ela apoiou a bochecha dela em seu rosto. – Porque quando não estou pensando na Espada, estou pensando em você, Orion.
Foi a vez dele de apertar os dedos ao redor da cintura de Nayomi.
– A última coisa que penso antes de dormir e a primeira quando acordo é você. – Respirou fundo. – Eu não quero perder algo importante pra mim.
– Por isso nós treinamos, não foi? Nesse exato momento, existem muitas preocupações por todos os lados. Quer deixá-las se acumular ou quer subjugá-las?
– Se elas oferecem perigo, vou destruir todas elas.
– Então, fique comigo, senhor Baker.
Orion ficou em silêncio, deixando a música guiar seus lentos passos. Ficar sozinho, estar sozinho, se manter sozinho. Para lutar contra um inimigo gigante, que controla tudo e todos, precisava de pessoas fortes ao seu lado.
Nos seus piores momentos, os mais comuns poderiam fugir ou se acovardar. Era naturalmente assim. Um grande poder só pode combatido por um outro grande poder. E independente se Nero estivesse vinculado a ele ou não, seu reino e sua família estariam sempre em primeiro lugar.
O surgimento de um inimigo poderoso o levaria a reconsiderar suas alianças. Os Baker deveriam ser fortes para dominar um continente, como seu pai contava quando pequeno. E Nayomi iria até o confim dos infernos com ele para isso.
Esse tipo de lealdade não vinha apenas do racional. Orion precisava retirar essa amarra de seu coração.
– Para se viver uma boa vida, você precisa ter uma boa vida. – Carsseral lhe disse uma vez. – Por isso, a magia é tão forte. Ela vem do corpo, da mente e da alma. Dos instintos e das emoções. Nem mesmo os Dragões podem fugir dos sentimentos internos, e os humanos menos ainda.
Para lutar contra um grande inimigo, eu preciso ser maior do que eles.
– Eu fico, senhora Defoul.
Nayomi não esperava a resposta quase imediata. Sorriu, mais do que contente. Seu sentimento, que por um longo ano tinha sido de dúvida, havia finalmente retirado do seu coração. A Espada não poderia dividir sua atenção, a não ser que a Espada fosse guiada pela segunda intenção.
Um corte limpo só poderia ser feito por um pensamento, um objetivo. Viver pela Espada era viver para aprender a como se conduzir diante das adversidades apresentadas. Viver pela Espada é viver para poder caminhar ao seu lado.
Cassiano Baker uma vez lhe disse: “A espada que corta sem machucar é uma espada lisa, e uma espada lisa que não tem corte é uma espada fraca. Assim são as pessoas também.”
Acreditava que eles dois eram assim. Espadas que cortavam sem querer ferir um ao outro. Se fossem apenas fortes, sem intenção de cortar nada, seriam fracos.
Vagando lado a lado, focados apenas um no outro, deixaram de escutar outro anúncio. Diretores de Academias Mágicas apareceram. Gargantus, Cersei, Johan e a nova diretora da Academia de mulheres, Casxon, Merlin Diana.
Selectores faziam a escolta deles, alguns reconhecidos por Nero. No entanto, as vozes ficaram ainda mais alarmadas quando um nome foi anunciado.
– Anneton Feriano Damagus está presente.
Nero e Maverick se levantaram de seus tronos lado a lado e desceram o lance de degraus para a porta. Independente de quem fosse a pessoa, os dois Imperadores esperavam pela sua chegada sentados, mas Anneton Feriano tinha seu título.
Ele era um membros influentes do Conselho dos Doze, da Ordem.
Anneton teve seu casaco retirado das costas por um dos seus guardas, e sua companheira, usando um vestido longo, mas colado com o corpo retirou muitos arfares ao redor. A pele branca, seios volumosos e coxas enormes.
E subindo para o rosto, os olhos azuis, cabelos lisos amarelados e orelhas pontudas. Prenderam a respiração juntos.
– É uma elfa. É… a senhora Heda Gallilon.
Pela beleza, poder e renome, Heda Gallilon era uma das representantes dos Elfos no Conselho dos Doze, em VilaVelha. Desde que havia chamada para conduzir os grandes interesses elficos, Anneton Feriano se tornou seu parceiro politico.
Os boatos diziam que também eram amorosos, mas ninguém questionava abertamente.
– Senhor Anneton e senhora Heda. – Nero cumprimentou com um balançar de cabeça fervoroso. – Jamais achei que viriam.
– O senhor foi muito educado convidando a nós dois – disse Heda num sorriso belo. Os seus brincos balançavam junto das orelhas pontudas, a deixando ainda mais charmosa. – Seria um desperdício não vir apreciar a neve das terras nortenhas.
– Fazia alguns anos que não venho também. – Anneton tirou outro casaco, mantendo apenas o colete preto e a corrente correndo do peito a cintura, de seu relógio de bolso. – E sempre ouvi grandes elogios do Baile de Vidro. Mas… – seus olhos percorreram muitos rostos conhecidos e importantes –… não achei que tantas figuras estariam reunidas em um só lugar.
– Alguns são convidados, outros visitantes. Alguns são parte de acordos e alianças – Nero informou abertamente.
Maverick também apertou a mão de Anneton e quando se dirigiu a Heda, a pegou fitando o meio do salão.
– São um casal bem unido – ela disse atraindo a atenção dos demais. – Estão dançando com muitos outros casais ao redor, mas não enxergam nenhum deles. É raro encontrar alguém que conduza e seja conduzido na mesma proporção. Anneton, querido, você deveria me levar para dançar como aqueles dois.
Ele ergueu a mão e Heda deu uma risada baixinha.
– Você não perde tempo.
– É o que menos temos, não é? – Anneton a guiou para o centro do salão e começaram a vaguear lado a lado, um corpo encostado no outro.
De uma hora para a outra, os espectadores chamaram seus pares e se guiaram para o meio do salão. Não perderiam a chance de estar ao lado de um dos Doze. E a música diminuiu ainda mais seu ritmo, tocando uma melodia tão devagar que Orion e Nayomi se tornaram ainda mais quietos em sua posição.
Focados um no outro, suas respirações se ajustaram, apreciando apenas o momento de estar um com o outro.
– Eu tenho que ir ver meu primo – disse mentalmente para Nayomi. – Essa é a uma boa desculpa para você me encontrar no corredor fora de vista de todo mundo?
– É uma ótima desculpa. Mas, a gente não pode demorar e não posso ficar desarrumada.
– Não se preocupe, não vai acontecer.
Ele se desgrudou dela e fez uma imensa mensura. Nayomi respondeu com cortesia de uma dama e os dois se separaram sem dizer nada um para o outro. Orion partiu para um lado e sumiu ao atravessar a porta.
Matilda viu sua filha se aproximar.
– Tenho que trocar esse sapato, mãe. Está apertando muito meu pé.
Cassiano, ao lado de Matilda, deu uma risada.
– E qual desculpa ele usou para ir embora? Aposto que foi para ver Tito.
Nayomi prendeu o sorriso no canto da boca, sem assentir.
– Pode ir – Matilda consentiu. – Não demore e nem venha desarrumada. Anneton Feriano está aqui, e ele vai querer conversar conosco. E traga Orion, o Líder dos Baker deve se apresentar aos Doze com solidariedade.
Interiormente felizarda, saiu andando e nem percebeu que saltitava sozinha pelo caminho.