Passos Arcanos - Capítulo 207
O curandeiro passou as mãos sobre a testa de Tito. Limpou o suor e fechou seus olhos, revelando um pouco de choque. Wallace não saiu do lado dele por nada, e vendo a expressão que o homem fazia, algo não estava certo.
– Chame o senhor Baker imediatamente.
– Certo.
Wallace olhou para alguns jovens esperando na porta. Num só mexer de cabeça, eles saíram juntos, em velocidade. Passou menos de um minuto, a porta se abriu e Orion adentrou com Nayomi atrás dele.
– Estou aqui. – Orion sentou-se na cadeira a direita de Wallace. – O que houve, doutor?
– Ele está perdendo a consciência muito rápido. Sua mana parece ter sido suprimida por algum tipo de magia divina, mas não tenho como acessar porque é referida na alma. – Pelo esforço e cansado do curandeiro, ele tinha estado em constante contato com a magia que afligir Tito. – Precisamos de um catalisador emergencial e uma fonte de mana que possa suprir a perda de seu corpo.
– E o senhor pode conseguir eles?
– Aqui no Palácio de Vidro é difícil obter qualquer item que seja das Terras Fluviais. Como o Clero não costuma atuar em cidades nortenhas, é muito difícil achar.
Orion agradeceu ao homem e o deixou partir para descansar. Wallace se levantou na hora, aflito.
– Tito pode ter uma chance se formos para São Burgo. Rob deve conhecer alguém, ou algum dos nossos pode conhecer uma forma…
– Se acalme. – Orion puxou a cadeira para mais perto da cama. – Tito vai ficar bem. Se existe alguma magia divina circulando o corpo dele, posso apagá-la e substituir pela mana natural do ambiente.
Nayomi e Wallace ficaram atônitos.
– Você pode usar a mana natural? – perguntou Nayomi.
– Carsseral me ensinou. – Seus dedos posicionaram-se sobre o antebraço e o peito. O mindinho tocou o coração e o dedão desceu para o abdômen. – Wallace, crie uma manta protetora ao redor dessa sala, ninguém pode saber o que está acontecendo aqui, entendeu?
– Por quê?
– O que vou fazer é diferente de qualquer coisa do Arcanismo Comum. Se eu estiver certo, a base que aprendi com Carsseral e um dos livros antigos do meu pai, posso conjurar a primeira parte do BioArcanismo para curar Tito.
– Orion…
Ele se virou para Nayomi e sorriu. Aquele vestido, o brinco, o cabelo e os lábios, nada ali tirava mais sorriso do que ela.
– Não precisa ficar preocupada, vai ser rápido.
Wallace respirou fundo e fechou os olhos, deixando sua mana se liberar de uma só vez. Com o braço direito, ele esticou uma runa no ar, e olhou para trás.
– E agora?
Uma runa apareceu no ar, ao lado da cabeça de Orion e foi flutuando até sua face.
– Use essa matriz e sele tudo. Preciso começar agora.
– Certo.
Wallace repetiu o processo e replicou no ar. A runa se expandiu e uma barreira avermelhada cobriu os quatro presentes. Orion sentiu a falta de presença do lado de fora. Estava feito. Precisava apenas conduzir a sucção e revitalizar o núcleo de Tito.
Ao respirar fundo, a mana ao redor, excluindo a barreira foi puxada de uma só vez e tocando o peito, braço e barriga de Tito, um brilho esverdeado emergia da ponta de seus dedos.
– Vai ser rápido e doloroso.
I
– A funcionalidade das matrizes de Grau Cinco adiante são todas de pouca importância para as Academias Mágicas. – Anneton falava com os diretores e também com os Selectores abertamente. – Muitos dos círculos e também dos planejamentos da Ordem são vinculados com baixa renda e grande eficiência, é como estamos projetando nosso caminho.
– Praticamente estão visando os projetos do Professor – Cersei respondeu sem hesitar. – Ele é o único atualmente quem está criando e produzindo esse tipo de magia passiva. E São Burgo se beneficiou muito por causa dele já que os Donos dos Burgos possuem magias de Grau Cinco e Seis como presentes.
Anneton não se importou com o comentário.
– O Professor é um dos nomes, mas hoje em dia temos muitas mentes brilhantes que estão caminhando e trilhando seu próprio futuro. Alguns até mais brilhantes.
Houve uma risada baixa num canto. Heda e Anneton notaram Economia, umas das figuras mais importantes quando o assunto eram acordos comerciais e alianças voltadas para as cidades neutras. E do modo como se portava diante de Oracle Bunis, algo diferente ocorria.
– Posso perguntar o motivo da risada, senhor?
– Nada, meu rapaz. Só acho que está subestimando o Professor e também o poder de seu discípulo.
Heda, no entanto, sentiu uma estranha vibração. Uma sensação antiga fez seu braço se arrepiar e uma sensação amistosa, calorenta e bondosa, percorrer suas costas. Procurou ao redor, mas não achou nada diferente.
É magia antiga de cura?
Era quase igual quando assistia seu pai, dezenas de anos atrás. Um Elfo segurando sua própria bengala, ajoelhado e curando um pássaro que havia caído do ninho. A mana corria pelo seu braço flácido e brilhava em um tom azulado fraco.
No final, o pássaro acordou e voltou a voar.
De onde está vindo isso? BioArcanismo é raro até mesmo entre os Elfos comuns. Ter algum aqui ao norte…
Anneton notou seu estranho comportamento, parando de conversar com os outros.
– Algo errado, querida?
– Nada. Apenas uma sensação estranha. – Ela esboçou um sorriso e deu um passo na direção dos Imperadores mais afastados.
Sua chegada cessou a conversa entre eles.
– Imperador Nero, teria um momento, por favor?
Nero ficou um pouco estático, mas cedeu o movimento. Ao se juntar a Heda em uma caminhada leve perto das paredes, ficaram longe dos ouvidos curiosos, mas não dos olhos afiados.
– Algo lhe perturba, senhora?
– Pode-se dizer que sim. Como bem sabe, os Elfos são uma raça muito orgulhosa. Temos muitos segredos no Arcanismo que são passadas apenas de geração para geração. Conhece as histórias, não é?
– Do Rei Elfo, que domou Hemelyn centenas de anos atrás e unificou o continente Élfico. – Balançou a cabeça levemente. – Meu pai sempre me contava a história do Povo Dourado e sua batalha contra a opressão dos Anões e dos Demônios do Oceano Central.
Heda sabia ainda mais das histórias, mais do que Nero um dia poderia pensar.
– Eu senti, mesmo que por alguns segundos, um fluxo constante de Mana que atinge os mesmos patamares que os Elfos estudam por anos para alcançar. – Observou sua expressão de dúvida honesta. – O senhor ou Maverick convidaram algum outro Elfo ou estão trabalhado com algum aqui no Palácio de Vidro?
A ideia pareceu horrenda para Nero, sua faceta mudou na hora para uma dura.
– Senhora, as leis são simples e objetivas. Nenhum dos Impérios pode ter contratos com outras raças além de humanos por conta da particularidade de reações do Conselho dos Doze, do Comitê de Justiça e de Talber Masquerati.
– Conheço essas leis, mas… eu senti – reforçou. – Sabe me dizer se existe qualquer ligação dos seus nobres com qualquer Elfo hoje?
– Impossível, senhora. – Nero não parecia mentir. E se tentasse, Heda saberia. Ler as micro expressões era uma das suas boas habilidades sociais. Nenhum Humano, Elfo ou Anão mentiria em sua frente. – Nós sempre temos revisões e sentinelas escondidos que fazem a ronda direta entre as famílias que hospedamos. Eles sabem o risco que enfrentarão se ficarem. Mas, se quiser, eu mesmo farei uma varredura hoje.
Ela não respondeu de imediato. A valsa estava iniciando e os casais se misturaram no meio para dançar agarrado uns aos outros. Anneton a observava de longe, esperando por seu retorno. E alguns dos convidados, urubus esperando uma chance, confinavam seus olhares sobre os dois.
Ficar mais tempo faria algum boato se espalhar.
– Posso eu mesmo fazer essa varredura, Imperador?
– A senhora? Tem certeza?
– Absoluta. Qualquer um que use BioArcanismo sem um aluno ou fundador de Hemelyn deve ser julgado. – Ao abaixar sua cabeça, se afastou e dirigiu para onde sentia o fluxo de mana.
Não deu ideia para os que se aproximaram para conversar, apressando-se.
I
A mana que se acobertava as feridas internas de Tito foram remodeladas com uma Magia Passiva e acelerando o amontoado de células. Orion usava o conhecimento anatômico, ligando os músculos e também amenizando as queimaduras e assaduras.
O que fizeram com Tito foi desumano. A guerra era assim. Ainda não tinha visto de perto, mas tudo se resumia a mortes e sangue. Outros, diferente de Tito, não teriam uma segunda chance, mortos depois de serem torturados pelos Sacerdotes.
Uma morte dolorosa e sem esperança.
Entre seus pensamentos e magia, seu Campo Absoluto, espalhado em uma área grande ondulou. Orion ergueu a cabeça na mesma hora, esticando seu braço direito na direção da porta. Nayomi e Wallace foram pegos de surpresa.
O quarto inteiro estalou e no momento seguinte houve silêncio.
– Ela chegou perto. – Orion se levantou da cadeira e respirou fundo. – Foi quase.
– O que aconteceu? – Wallace foi até a janela e olhou para o lado de fora. A neve caía mais forte, no entanto, eles não estavam mais no Palácio de Vidro. – Pra onde viemos?
– Uma floresta mais ao norte – respondeu Orion. – Heda do Conselho dos Doze sentiu a interferência da mana com o BioArcanismo. Achei que por ser fraco e ter uma barreira, seria seguro.
Nayomi abriu a porta e um vento frio soprou para dentro. No entanto, uma mulher encarava, perto de uma das árvores com um capuz pesado sobre o rosto e uma vestimenta compacta. Orion a reconheceu de imediato.
– Senhora. – Ele saiu recebendo a neve na cara. – Bom ver que está bem.
A mulher fitou os outros dois e depois para dentro do quarto.
– Materializar uma área desse tamanho é difícil, e sinto cheiro de mana élfica. O que aconteceu com aquele jovem?
Orion abaixou a cabeça rapidamente.
– Preciso de ajuda, por favor. Ele está bem debilitado, foi torturado pelos Sacerdotes e sua mente não está reagindo.
Aqueles olhos negros eram os mesmos da última vez, mesmo na neve forte que caía, sua desconfiança afogava os demais.
– Mande os outros embora – ordenou. – E depois deixe o rapaz em paz. O núcleo dele foi afetado por uma Magia Divina de Classe Alta, o que está impedindo sua recuperação.
Wallace ficou abismado.
– Ela conseguiu saber dessa distância toda e só olhando?
– Sou uma curandeira faz décadas, garoto. Agora, vá.
Um portal se abriu por Orion para um dos quartos dos Baker. Dentro, eles se assustaram pela repentina abertura. Os Anciãos e os jovens que se preparavam para o Baile se aproximaram.
– Devo um favor a senhora – disse Orion. – O que precisar.
– Vou cobrar isso daqui a um dia. – Os passos leves, ela foi mais pra perto. – Seu colega vai acordar, então traga sua arma, precisarei dela.
Misteriosa. Orion não se importava do que deveria fazer para ter sua ajuda. Só o fato de que seu nível de BioArcanismo não era suficiente para curar Tito lhe deu a suficiência de que precisava estudar ainda mais.
No entanto, esse tipo de conhecimento era escasso em Hunos.
– Estarei aqui.
– E não se preocupe com essa área. Só foi um movimento no espaço, depois de algum tempo ela vai desaparecer sozinha para seu lugar original. Agora, pode ir.
Orion se afastou para perto do portal e viu a senhora entrar lentamente para o quarto.
– Ela é confiável? – perguntou Nayomi séria ao seu lado. – Nunca vi essa senhora antes.
– Ela quem me salvou quando precisei. – Orion viu Tito saindo pelos braços dela, leve como papel. – Não importa quem ela seja, eu pago minhas promessas.
I
Assim que entrou no quarto, houve uma estática e um clarão que cegou Heda por segundos. Ao acostumar-se e os ruídos desaparecerem, o quarto se mostrou vazio. A mana que sentia sumiu completamente sem deixar rastros.
Aquele espaço confinado entre quatro paredes tinha sido oficina de algum usuário de BioArcanismo, mas pelo cheiro que deixaram, não eram Elfos.
Um Humano praticando as artes milenares.
A ideia pareceu surreal. O quão difícil era ter qualquer tipo de conhecimento do BioArcanismo? Para um Humano obter, precisaria de anos servindo ao Rei Elfo e ter grandes habilidades e talento.
E o fato de que essa pessoa sumiu assim que ela se aproximou também confirma que havia um campo sensorial ao redor. Pra alguém conseguir aplicar esse tipo de magia passiva enquanto camuflava a própria presença e usava o BioArcanismo era de fato surpreendente.
Talento, Heda concluiu que essa pessoa tinha. Mas, para estar se ocultando, era porque praticava de maneira ilegal.
– Heda – Anneton a chamou pelas costas –, eu vim assim que senti.
Ela entrou no quarto e olhou para a cama.
– Alguém estava aqui. – Heda lhe encarou. – E usava a arte élfica.
A boca de Anneton se contraiu na hora.
– Quer que eu o encontre?
– Ele sabia que eu estava chegando. E fugiu. – Os lençóis alinhados e o travesseiro limpo. Heda passou a mão por cima deles. – Um Humano aprendeu sozinho a minha arte. Isso é perigoso pra Hunos.
– Eu farei a verificação por meio de passivas. Deixe isso comigo.
– Certo.
Pensativa, deu as costas e foi até a porta.
– Anneton, vir aqui foi realmente interessante, como me prometeu. – Seu sorriso, um mesclado de descrença e surpresa, deixou um dos Doze perplexo. – Acha que pode deixar essa pessoa viva pra mim?
– Eu… posso. Claro.
Heda balançou-se para fora. Nunca tinha escutado alguém reproduzir tamanha complexidade sem as dicas e estudos dos Elfos, da biblioteca e dos papiros de antigas gerações. Estava contente. Reproduzir uma arte racial era absurdamente complexo, e tentadora.