Passos Arcanos - Capítulo 208
– O que viram deve ser um segredo – Orion disse aos demais Baker. – Ninguém pode saber de Tito.
Menearam a cabeça em aceitação. Prontos para se apresentarem ao Baile de Vidro, os Baker se misturaram nas vestimentas arcaicas que possuíam de décadas atrás. Seu pai, por exemplo, usava um turbante amarrado na cintura, e um gibão avermelhado com mangas longas, coberto por um casaco escuro sem mangas.
Os Anciãos eram mais cultos, usando vestimentas enegrecidas das antigas reuniões, comuns entre as famílias nobres. Wallace teve que trocar de casaco já que o seu havia sido surrado, e instalou o machado atrás das costas, de costume.
Dest e Rinngo abriram passagem para Orion até o corredor, e lá, naquele pequeno espaço estreito, os homens e mulheres que haviam estado na miséria por longos vinte anos. Ansiosos, cheios de expectativa, preenchidos por um orgulho momentâneo – no qual havia se perdido fazia anos.
Esperavam por sua fala, alias, ser o Jovem Mestre da família Baker era uma posição bem elevada.
– Anciões – chamo sem se virar. – Por vinte anos, meu irmão trouxe um distúrbio que causou esse alvoroço inteiro. Nós lutamos bastante depois disso, não foi? – Viu muitos concordarem. – Passamos fome, passamos frio, dificuldades com as outras famílias, e nos jogamos em xingamentos entre nós mesmos. Ninguém cuidou de nós, até os Germaco receberem um pedido e nos doarem seus suprimentos. Os Vidian queriam a nossa destruição e os Robert sempre procuraram nos excluir dos conselhos regionais das Ilhas Seguras.
– Eles nos desprezavam – ouviu do Ancião Rinngo. – Todos eles.
– O passado serve para nos lembrar para onde devemos seguir e nunca mais retornar. Itauba será a nossa nova casa, refinada por magias, confiada aos Burgos do continente, e patrocinada por Oracle Bunis junto de dois diretores de Academias Mágicas.
Os rostos escuros da dor se iluminaram em um brilho rosado. Até mesmo Oliver ficou chocado.
– O que fazemos hoje não é ir contra a história, estamos fazendo nossa história. – Orion fez uma pausa e olhou ao redor. – Todos nós sofremos, uns mais do que os outros, mas temos que ser família daqui pra frente. Somos apoiados por dois Imperadores, temos a fama de sermos teimosos e sem honra, e por isso, temos a oportunidade de irmos até os confins do inferno para recuperarmos o que é nosso.
Houveram aclamações e rugidos.
– Fizemos o que fizemos para sobreviver – continuou Orion, com mais raiva na voz. – Fizemos para nunca mais passarmos pelas desgraças que os outros nos enviaram. Os Vidian nos culparam por um erro que leva a família de todos, e mesmo assim, quem está prosperando? Eles. Olhem uns para os outros, nós somos parte da desgraçada história dos Magos, e vamos atrás daquilo que foi nosso.
– Sim!
– O sangue da Maio e Tania Basker correm pela nossa veia. – Orion mostrou o braço. – Eles que sacrificaram suas vidas para que o título ‘Cães Imortais’ nascesse. E o que fazem os Cães Imortais?
– Destroem seus inimigos.
– Nós agarramos a oportunidade – berrou Orion.
– E fazemos os inimigos nos temerem. – Até Oliver ergueu sua voz com os outros. – Porque somos os Baker.
– E por que somos os Baker?
– Porque ninguém pode nos vencer, nem mesmo a morte. Nem mesmo a morte. Nem mesmo a morte.
Por longos dez segundos, a boca de todos proclamaram aquelas mesmas palavras. ‘Nem mesmo a morte’. Ouvir deles, daqueles corações quebrados e remodelados a miséria, foi o ato mais puro. E Nayomi, observando, ficou incrédula.
Aquele poder não era apenas vocal. A mana enraizada em seus núcleos, impedidos de serem usadas para fins mágicos, se libertaram em aura, infeccionando os corredores e atravessando o salão. Nero, Maverick, Anneton e Heda sentiram também a presença descomunal de mais de uma centena de pessoas gritando, não com a voz, mas com suas manas.
O poder dos Baker enfim mostrava-se a tona.
– É como ver um sonho repetido – disse Anneton no meio de todos. – Uma família prestes a se reerguer sem um pingo de medo do que vão enfrentar.
– Se fossem uma família normal, eu concordaria – respondeu Nero.
– E eles não são? – Heda questionou observando o Imperador.
Maverick quem respondeu.
– Não. Nenhum deles é comum.
Houve um tumulto na porta e um dos mensageiros passou correndo, parando e anunciando:
– A família Baker, comandada por Orion Baker e os Anciãos Dest e Rinngo Baker, estão aqui.
A porta se abriu e tom avermelhado, como flores sanguinárias perfuraram o salão brilhante e esbranquiçado. Uma centenas de auras determinadas e confiantes, provindas de um discurso cheio de vontade e garra.
Rostos amargurados, de dias atrás, refinados para uma confiança inabalável. E realmente não eram comuns, carregados de uma energia fortificada, a raiva e o ódio também fervilhavam em seus olhos.
Heda passou a encarar Orion e recebeu um de volta, cheio de mistério. A sensação dela, a mesma que sentiu quando entrou no quarto, a atingiu novamente. Não é possível, questionou a si. Ele é um rapaz ainda.
– O Arche-Mago – Anneton comentou. – Vinte anos e tem toda essa carga e coragem. Se não fosse o líder da casa, poderia até mesmo ter um futuro brilhante. O Masquerati realmente deve odiar os Baker para terem jogado eles nesse estado.
– O discípulo do Professor – disse Economia afastado. – É Orion Baker, Anneton.
O homem se virou inesperadamente.
– Está falando sério?
– Acha que eu brincaria com algo assim? Orion participou da batalha contra Azrael, como um Cavaleiro e nos presentou com uma das Magias de Grau Seis que nos permaneceram vencer muito das batalhas seguintes.
– Ele é alguém necessário nesse continente – Oracle Bunis resmungou ao lado. – Alguém interessante de se aproximar.
Anneton não esboçou reações altas, mas sua mente marcou Orion naquele instante. Conhecia os feitos de Maverick e Nero, além das batalhas que ocorreram contra o Clero no Desfiladeiro e em Archaboom, mas não esperava que fosse o mesmo rapaz.
Claro, existiam muitos nomes iguais em famílias nobres. Nos Baker, apenas um Orion Baker.
Era o mesmo quem tinha mantido as cartas na mesa por todo aquele tempo e jogado com Hunos aplicando movimentações ousadas.
Ele esteve em diversos lugares em um espaço curto de tempo. Como ele conseguiu?
Seus olhos brilharam com uma runa dimensional. Aproximou-se da mente de Orion. Mesmo que por um único segundo, poderia ler suas memórias e entender suas magias, além de rever sua história.
Esse era o poder que recebeu quando nasceu. ‘O Olhar do Céu’, capaz de acessar qualquer mente humana afim de descobrir seus segredos. Uma carta fatal se utilizada no seu inimigo, ele leria a falha e fraqueza e somente ai faria sua jogada.
Sua mente se conectou com Orion Baker, e prestes a entrar nas memórias, recebeu um olhar de volta. Dentro de sua cabeça, uma voz mortal ecoou:
– É melhor recuar, senhor Anneton.
‘O Olhar do Céu’ foi devolvido num pequeno rebote que fez Anneton segurar-se. Ele havia sido expelido, ainda encarado por Orion Baker. Aquele garoto tinha mais do que talento, era bem mais do que isso.
– Eu disse – Economia falou ao se retirar. – O Mestre dos Burgos apoia os Baker.
– O Meta Navio apoia os Baker – Oracle anunciou também.
– O Reino Nevasca apoia os Baker.
– O Reino das Ilhas Vulcânicas apoia os Baker.
Martin Crons não perdeu a oportunidade e se juntou a caminhada.
– O próximo Rei Relâmpago apoia os Baker.
As famílias Nobres, vindas do continente e que moravam no Palácio de Vidro – Lila, Dalila, Garfield, HeinHert, Godoi e Sasuolo – cada uma ficou abismada com o tanto de suporte recebido.
Há um ano atrás, eles conheciam os Baker por histórias antigas da guerra, e o fato de serem uma das poucas famílias desonradas que ainda sobreviviam. Agora, uma parte diferente do continente os apoiava abertamente e sem medir esforços.
– A Academia Ancião apoia os Baker – disse Johan Frederick Ansun.
– A Academia Casxon apoia os Baker – Merlin Diana também mostrou sua aprovação.
Gargantus e Cersei nada disseram. Seus Selectores conheciam Orion do Teatro Gladiador, viram sua performance sobre Rock Albone e ter saído vivo daquela batalha sangrenta. Ter desvinculado-se de Magnus e achado um caminho para perto do Imperador Nero.
Dois Imperadores, duas Academias Mágicas, duas companhias e três cidades livres – Anneton agora tinha certeza que os Baker eram uma força secundária, e nada fraca.
I
Em uma costa ao norte, a ponta do navio quebrava o gelo compactado e se inclinava aos ventos frios e uivantes. As velas enegrecidas abaixaram e vozes entoaram em ordens bem simples, tornando a descer uma prancha.
De passo a passo, Heivor chegou ao chão. Sem camisa, com tatuagens azuis brilhantes em todo o torso e braço, estalou o pescoço e deu uma profunda respirada. Atrás dele, uma mulher segurando um bebê e um velho com um olho deformado, perfurado e inchado.
– Senhor, montaremos acampamento aqui? – perguntou Helia, noiva do considerado ‘Desbravador de Terras’. – A viagem demorou bem mais do que pensávamos.
– Não, eu sinto o cheiro de gente não muito distante. E navios também. – O seu navio havia sido destruído por causa das criaturas do Oceano Negro. Precisava repará-lo ou comprar um novo. – Mestre Pice, diga aos homens para pegar os suprimentos e marchar. Iremos tomar aquela cidade para nós.
– Sim, senhor.
O velho se virou para o navio e ergueu a mão. A tatuagem de sua pele girou velozmente e um efeito sonoro amplificou no ar.
– O Senhor Heivor ordena que marchemos.
Um rugido se tornou a resposta do navio.
– Pronto, meu senhor.
– Ótimo. Eu vou na frente, como novo líder, tenho que verificar as terras que iremos morar agora.
II
Um jovem garoto passou correndo velozmente pelas cadeiras e mesas, como se brincasse de pega-pega. No entanto, era uma corrida solitária. Ele passou velozmente entre as famílias nobres, sorrindo, e depois seguiu para os Baker.
Assim que se aproximou da mesa onde Orion conversava com Merlin Diana sobre futuros projetos que auxiliassem os alunos, uma carta fora deixada no canto. Orion percebeu a evasão do pequeno rapaz por entre as pessoas e desaparecer completamente.
Aquele era um mensageiro corriqueiro do Jornal Continental.
– Perdão, senhora. Eu posso tomar um tempo de alguns poucos minutos?
Educada, jovem e muito determinada, Merlin sequer se importava com os títulos e também falácias dos outros diretores sobre Orion. Desde que se mostrou aberta a melhorias na Academia e ter Orion como um aliado, entendeu o real motivo dos demais não o aprovarem.
Sem se submeter, feria o orgulho dos mais velhos Arche-Magos.
Orion tomou a levantar e ir para perto de uma das janelas com a carta. Abriu, lendo seu conteúdo escrito por mãos pequenas.
“Um navio chega a costa nortenha. Recheados de homens com marcas nos corpos. Não temem o frio, não temem o inverno. Avançam para Trassin, a cidade vizinha a Itauba. Fortes e rápidos”.
Marcas nos corpos, Feiticeiros? Não, a mensagem seria mais objetiva. Sem uma descrição detalhada, deveriam ser viajantes vindo do Oceano Negro, de Aragano, talvez.
A mesma cidade que Orion participou da Segunda Fase, na Academia de Magnus.
Um povo repleto de miséria depois da sua destruição completa. Deixados para morrer pela Ordem dos Magos.
O dia estava prestes a acabar e a noite estrelada deveria aparecer a qualquer momento.
Orion buscou Anneton no meio da multidão. Conversava com várias figuras nobres, as taças de vinho rondavam nas mãos e pareciam bem centrados. Ele não recebeu a mensagem ou estaria indo diretamente para lá.
– Algo de errado, senhor Baker?
Heda apareceu na esquerda, perto da parede.
– Não, senhora. Apenas resolvendo problemas familiares. – Fez uma menção com a cabeça. – Tenho que ir. Espero poder conversar mais da próxima vez que nos virmos.
– Claramente.
Heda o deixou partir para depois acionar a passiva em seu pulso, criando uma ligação mental com Anneton no mesmo instante.
– Algo aconteceu – disse para ele. – Orion partiu para algum lugar.
– Não o perca de vista, querida.
Heda assentiu.
– Nem mesmo se ele quisesse desapare…
Entretanto, assim que Orion adentrou a porta, sua mana simplesmente se extinguiu. Heda avançou para a porta e atravessou, dando uma olhada nos corredores. A mana, a presença e a aura de Orion Baker haviam desaparecido sem deixar rastros, sobrando apenas um garçom vindo em sua direção.
– Você – apontou para o homem. – Um rapaz acabou de passar por aqui, você viu para onde ele foi?
– Rapaz? Não, ninguém entrou aqui, senhora.
Heda não entendia. Orion desapareceu.
II
Um dos restaurantes da costa foi completamente esvaziado. Os clientes correram quando um banco de homens entraram e sentarem-se. Riam e gargalhando alto, pedindo comida a todo custo e bebidas.
Sem usar roupas na parte de cima, traziam cavalos, vacas e bagagens que tomaram a rua quase inteira. A quantidade somava mais de uma centena, porém, apenas os homens entraram no ambiente. As mulheres e os idosos ficaram fora, procurando um lugar para descansar.
No entanto, ninguém os aceitava.
Orion parou na rua de pedra. Era quase noite e as tochas iluminavam dois pontos do restaurante que ainda era um palco para risadas e gritos. Na porta, dois brutamontes de braços cruzados faziam a ronda.
Eram mesmo marcas diferentes. Enquanto os Feiticeiros utilizavam animais, entidades e simbologia para trazer a mana aos seus corpos, esses homens possuíam círculos mágicos e matrizes arcaicas em suas peles.
Esse tipo de inscrição corporal era de tempos remotos, longe até mesmo do pico da Era Primordial. Orion somente conhecia sua história contada por observadores que viveram em outro continente, como Antraz Rimoru.
– Se afaste – ordenou o grandalhão da direita. – A partir de hoje, esse lugar pertence ao senhor Heivor, o Lobo Branco e o Javali Negro.
Dois títulos que eram de suma importância. O Lobo representava o poder e o Javali, a força. Esse Heivor conquistou seu povo com batalhas, não com linhagem.
– Diga ao seu senhor que Orion Baker, o Líder da Família Baker, o Último Cão Imortal, a Lança Externa e a Espada Destra está aqui para vê-lo.