Passos Arcanos - Capítulo 209
Ao ouvir sobre a chegada de um estranho, Heivor ordenou que ele entrasse. De fato, as mesas e cadeiras foram todas ocupadas por sua família, e mesmo assim, haviam aqueles que ainda se mantinham de pé, comendo e se divertindo.
As vozes eufóricas e ações brincalhonas morreram assim que o homem adentrou o segundo andar. Seu primeiro passou ergueu uma imensa pressão no ar – armas foram puxadas e tatuagens clarearam, prontas para um combate.
O próprio Heivor ergueu a sobrancelha. Tanta energia, tanta mana, uma aura cheia de adrenalina e poder reunidos em um único lugar, uma chance clara de enfrentar um inimigo diferente.
– Você deve ser Heivor – Orion disse encarando-o. – Estou errado?
– E você, estranho, vindo enfrentar minha família inteira, deve ser dos chamados Magos ou Sacerdotes, que ouvi durante minha viagem. – Ao cuspir no prato já terminado, empurrou a cadeira para trás e ficou de pé. – O que há de temer um único homem, não é mesmo?
– Estou aqui por intermédio do Imperador Nero, já que essas terras pertencem a ele faz mais de duas centenas de anos. – Orion observou o lugar. Nada destruído, cadeiras intactas e pratos apenas acabados. – Uma viagem vindo de Aragano deve ter sido difícil.
O velho e a mulher que sentavam junto de Heivor ficaram tensos. Como imaginei, eles vieram do continente obscuro.
Heivor mexeu o braço para o lado, estalando os ombros e depois o pescoço.
– Quando cheguei, imaginei que demoraria cerca de dois dias para alguém vir nos achar. Que bom que eu me exercitei antes, seria um pouco irritante acabar com você tão rápido.
As pernas dele se separaram e seus braços ganharam uma barreira avermelhada. O sorriso no seu rosto foi recheado de animação. Atacou num soco potente, o ar torceu no movimento.
– Eu não estou aqui pra lutar.
A palma direita se ergueu. Uma pressão descomunal envolveu todo o segundo piso do restaurante. Heivor travou no meio do caminho, mas via a runa que envolvia a pele do Mago.
– Essa é uma magia temporal que restringe um espaço em apenas trinta segundos. Ainda não tive como reformular, infelizmente estou sem tempo. Então, vou ser claro. Depois que ela terminar, seu soco será guiado para algum dos seus colegas e alguém irá se ferir.
Mesmo se puxando, Heivor não se mexia. Buscou sua família, paralisados no mesmo lugar, com expressões difíceis. Ele simplesmente congelou todos no mesmo lugar. Que força é essa?
– Responda mentalmente – a voz veio em sua cabeça, no mesmo tom a sua frente. – Iremos conversar ou quer lutar?
– Lute como um homem, punho a punho – esbraveou mentalmente. – Me mostre sua dignidade.
– Pessoas fortes tendem a ser assim mesmo, não é? – Orion recordava-se de Wallace e Homero. – Não aprendem com palavras. Como quiser, Heivor.
Um estalo e o espaço se alterou novamente. Algo havia mudado, Heivor sabia. E o tempo acelerou.
– Chefe, vamos cortar esse maldito agora.
– Ele ousou enfrentar a Tribo Mestiça. Arranque um braço dele.
– Eu quero a perna.
Heivor respirou fundo e gritou:
– Calem-se, idiotas. Eu vou lutar contra ele.
Orion deu de costas e voltou a porta.
– Espero por você lá embaixo.
I
Nero foi avisado sobre um navio na costa e um povo estranho adentrando uma das suas cidades. Rapidamente chamou por Martin Crons e o avisou sobre o ocorrido.
– Estarei partindo imediatamente, senhor – respondeu a Lança Externa. – Farei com que se rendam.
Maverick assistiu os dois conversando e depois procurou por Nayomi no meio do salão. Ela conversava com sua mãe e Cassiano Baker, no entanto, Orion não estava por lá.
– Ele já está, Nero – avisou aos dois. – O Jornal deve ter avisado.
– E ele não disse nada? – havia relutância no Imperador do Norte. – Martin, não se atrase. Se Orion estiver lá, faça o necessário para que ele não se machuque.
Martin deu uma risada.
– O Imperador é engraçado. Orion se machucar?
Realmente, Maverick também achou graça. O líder dos Baker era talentoso e mais poderoso do que qualquer outro da sua idade, barrando até mesmo os gênios de Hunos. Desconhecido da derrota, jamais ouviu sobre a perda por parte dele.
Anneton se aproximou pela lateral, segurando uma taça de vinho. Ao lado, a Elfa Heda.
– Eu ouvi sobre uma pequena aparição na costa – disse Anneton. – Seria um desperdício ir a cavalo, eu posso doar um Pergaminho de Passe até lá, se quiserem.
– É muita generosidade sua, senhor – respondeu Nero. – Mas, pergaminhos como esse pertencem apenas a Ordem. Não podemos usufruir da sua boa vontade.
– Ah, quanta bobeira. Aqui, tome.
O pergaminho foi lançado brevemente para as mãos de Martin e se acendeu. Maverick observava secretamente Anneton, ele queria mais do que ajudar, queria estar a par completamente dessa situação.
– E como ninguém foi enviado até lá, seria interessante para que dois membros do Doze pudesse estar presente para averiguar a situação. – O sorriso de Heda foi brandido como uma espada. – Não acham, Imperadores?
– Ninguém? – Martin contrapôs. – Orion está lá. Não precisamos de ajuda.
Os dois foram pegos de surpresa.
– O senhor Baker está presente?
– Claro que está, ele sabe de tudo. – Martin agradeceu pelo pergaminho o erguendo e saiu andando. – Trarei os invasores com vida.
Anneton ergueu a mão e o pergaminho retornou a sua mão velozmente.
Essa ação tirou um olhar raivoso de Nero. E os dedos de Martin foram se fechando lentamente enquanto faíscas geraram em seu pulso.
– Um ato desrespeitoso – alegou Maverick, sério. – O que quer de verdade, senhor Anneton? Apenas ajudar ou simplesmente ir até lá em benefício próprio?
– Um pouco dos dois, é claro. O Conselho dos Doze rege o continente com leis bem específicas sobre invasões. Se esses estrangeiros fizeram qualquer barbaridade, a única forma de justiça é tirá-los do plano mortal.
– E apreender seus pertencer – concluiu Heda, ainda sorridente. – É como a Justiça Mágica atua.
Duas cobras, Maverick sabia desde o início que sua chegada ao Palácio de Vidro teria problemas. Orion já estava lá, e seria ainda mais complexo se uma luta ou discussão estivessem envolvidos.
Anneton já queria conhecer os limites dos Baker, mas depois do pronunciamento e das diversas figuras o apoiando, a chance de pegá-lo sozinho lá era maior.
– Iremos juntos, Martin Crons – disse Anneton. – E como os Imperadores precisam manter o baile a todo vapor, temo que não irão se juntar a nós.
– Você tem culhão, senhor Anneton.
A voz veio das costas, onde Cassiano e Wallace Baker pararam.
– Dizer o que dois Imperadores devem ou não fazer, além de ter sido descortês dentro da casa de um deles. É estranho nomear as leis mágicas quando acabou de infligir cerca de cinco delas ao mesmo tempo. E Wallace, o que acontece se alguém inflige a lei?
– Deve ser ressaciado.
– O líder dos Baker não está presente – Heda disse abertamente. – Mesmo com seu título, Cassiano, não pode dar ordens a um membro dos Doze.
– Ordem? – O velho deu uma risada. – Pode ter entendido errado, senhora Heda. Não sou só um Mestre, sou a antiga Espada Imortal, guiada para ceifar os que entram no caminho do meu senhor. Agora mesmo, atrás de mim, todos os que observam seus atos conhecem um pouco dos Doze.
Anneton focou por trás de Cassiano. Os olhares, brilhantes e sedentos, dos que apoiavam abertamente a família Baker, espreitando suas próximas palavras e atos. Piores do que cobras, eram famintos para atrapalhá-los.
Um bote seco despejaria veneno em sua corrente, e seria fatal.
– Entendo. Devo um pedido de desculpas para os Imperadores. – Anneton guiou-se em um cortejo exagerado, quase debochando dos dois. – Temo que não posso guiá-los para a costa, mas irei pessoalmente.
– Não se esqueça de onde está, Anneton – avisou mais uma vez Cassiano. – A Ordem não manda no continente, nem nas famílias que a regem. Seu título lhe garante uma cadeira, não a vida.
Aquela pressão esmagadora, muitos anos atrás, quando ainda era um mero Mago no campo de batalha, retornou a Anneton com pressão. A centena de Baker esperando atrás de Cassiano – era como dizer: Um erro, queremos um erro seu.
– Quanta frieza. – Havia se escondido atrás de um sorriso fino. – Nunca faria nada ao seu mais novo líder.
II
Eles haviam sido mandados novamente para perto do navio atracado. Heivor não acreditou mesmo estando com toda a sua gente do lado de fora do restaurante – um único estalar de dedos e voltaram todos para o ponto de chegada.
A noite estrelada só perdia para o brilho das tochas do restaurante. O lugar inteiro foi enviado, sem um arranhão.
– Uma magia desse nível e tão novo – Mestre Pice estava maravilhado. Abaixo do seu olho cortado, a estranha sensação de letargia cedeu a um calor acolhedor. – Ele realmente é alguém a se considerar, mestre Heivor.
– Levarei suas palavras comigo, mestre. – Heivor foi dois metros adiante, tendo atrás de si todo o seu povo. – Disse que seu nome é Orion Baker. Sou Heivor Lobo, e entrego meu nome a uma disputa de forças, um desafio de duas partes, como dito em meu povo.
– Aceito seu desafio, e o que irá propor?
– Para minha vitória, uma parte de seu terreno. Para minha derrota, o recuo de minha vingança por ter feito o que fez.
Orion não respondeu de imediato. Respirou fundo e olhou ao redor.
– Essas terras são inférteis, Heivor Lobo. Árvores não crescem em neve e gelo, precisam de calor. Em Itauba, minha família busca recomeçar, assim como a sua. No entanto, sua chegada atrai muito mais do que somente a mim, irá trazer pessoas que irão aprisionar seus filhos e irmãos, e farão isso com palavras bonitas, não com ações.
– E eu deveria temer um povo que usa palavras ao invés dos punhos?
– Eu apenas quero o melhor para um povo que deve ter perdido muito nas tempestades do Oceano Negro. O estado que estão, suas roupas e sua fome, alimentando as crianças com o mínimo para sobreviverem todos.
Heivor engoliu em seco.
– Viemos para ter uma nova vida, não para sermos escravos.
– A Tribo Mestiça pode ter um lugar calmo aqui ao norte, mas também pode ser erradicada se fizer a escolha errada. – Orion puxou a manta avermelhada de cima do seu ombro e revelou o traje negro da batalha, com a capa por cima do ombro direito. – E mostrarei que os Baker tem capacidade de ser os dois lados da moeda.