Passos Arcanos - Capítulo 210
– Mestre Heivor – Mestre Pice o chamou –, tome cuidado. Ele é diferente dos antigos adversários que tomou em nossa casa.
– Não importa quem seja, eu vou demostrar minha força e ele irá cair, como todos os outros.
Pice suspirou, balançando a cabeça.
– Subestimar o inimigo, uma lição que deveria ter desaprendido faz anos.
Heivor soltou um rugido ao mesmo tempo que avançou. Seus braços se tornaram brilhantes e suas tatuagens azuladas giraram sobre a pele. Assim que ele entender minha força, saberá com que está lidando.
O soco lateral, estrondoso ao ponto de criar estalidos no gelo abaixo de seus pés. Orion não iria desviar. Heivor urrou ao socar. O choque gerou uma imensa explosão de gelo e neve na direção oposta, com um barulho ecoando pela costa congelada.
– Meu pai criou um homem capaz de conquistar o mundo.
– O meu criou alguém que questiona o mundo.
Heivor afastou-se, mas foi lento. Seu pulso foi agarrado e ele puxado para perto. O mesmo soco, no mesmo ângulo, na mesma proporção e força, acertando seu outro braço, que defendeu bem, mas não o suficiente para segurá-lo no lugar.
Arremessado pela pressão para longe, deslizou no gelo e viu a fumaça de antes ser dissipada por um balançar mãos.
– Esse é o seu máximo, Conquistador do Mundo? Vou te mostrar o poder de um Baker.
Orion deu um passo e sumiu. Pice reagiu imediatamente.
– Mestre, se defenda.
Os dois braços de Heivor foram unidos em frente ao peito um instante antes de Orion surgir adiante com o punho erguido.
A mana unida no pulso e liberada imediatamente. A mana acertou o braço primeiro, e o punho depois. O soco gerou um atrito no ar e lançou Heivor novamente para trás. Dessa vez, com fumaça cinzenta escapulindo de sua pele.
– E pensar que seria efetivo usar dessa forma. – Orion esticava e comprimia os dedos. – Primeiro a mana e depois o punho, pra abrir a defesa do inimigo e ganhar vantagem sequencial. Você tem habilidade, mas não se deu por inteiro. Estava me testando.
– Você tem a ‘Mente Subjugadora’ para saber isso? – As marcas e fumaça sumiram assim que a mana rondou os braços, o curando rapidamente. – Como conseguiu imitar meu soco?
– Posso fazer bem mais do que isso. – Os pés de Orion se separaram, e um dos braços cruzou em frente do peito. – Me mostre sua verdadeira natureza, Heivor Lobo.
Os dois se encontraram e disputaram socos. Os punhos acertavam peito, rosto, ombro, queixo e ambos não ousavam recuar. Heivor rugia a cada movimento, e o silêncio de Orion era tão furioso quanto.
Por longos trinta segundos, o ciclo de socos se mostrou surreal para os espectadores. Mestre Pice achava ridículo o fato dos dois estarem de frente, sem desviar, recebendo aquela chuvarada um do outro.
Mas, era assim que se definia dois monstros disputando território. Criaturas sem raciocínio lutariam até a morte para mostrarem o quanto são fervorosas, assim como os humanos estariam dispostos a demostrar seu valor em uma luta.
E Orion ficou abismado pela resistência do seu adversário. Não estava fazendo pouco caso de Heivor, realmente aplicava um série forte de ataques que poderiam deixar até mesmo Wallace balanceado depois de um tempo.
Trinta segundos inteiros sem desviar e rugindo de volta, Orion ficou impressionado.
– Está chegando no seu limite, Baker? – O sorriso macabro de Heivor revelou seus dedos cheios de mana obscura. – Me mostre quem é você de verdade pelos punhos.
Orion não desviou. Um imenso baque e vento dispersou por trás dele, quebrando a costa e até mesmo balançando o navio atracado. Um soco que poderia quebrar uma barreira mágica facilmente.
E da garganta, um punhado de sangue escapuliu. Orion arregalou os olhos e fechou a mão, descendo em resposta.
A testa de Heivor foi marcada quando atingida, o arremessando pra baixo, arrastado pelo gelo. A barriga, Orion sentiu remexida. Seu núcleo havia sido atingido também, mesmo sendo um movimento corporal.
Ele conseguiu reunir aquela quantidade em um pequeno instante. Que força bruta é essa?
Tremendo, Heivor teve dificuldades de se levantar. A sua cabeça, considerada uma das partes mais duras, usada pra martelar seus inimigos quando os braços não funcionavam, doía por aquele mísero soco.
Esse maldito conseguiu me machucar. Tocou a própria testa, um corte sangrento, na diagonal, lambia sua pele até a sobrancelha. E me fez sangrar. O último a fazer isso foi…
– Mestre Heivor – Pice o chamou com urgência. – Por favor, controle-se.
Orion arfou com raiva.
– O último que fez sangrar teve uma morte lenta – disse Orion. – E agora estou irritado de verdade, Lobo.
Uma risada bruta de Heivor assim que ficou de pé.
– Eu matei meu próprio pai depois que ele me fez um corte desse. – Passou o dedo no sangue e lambeu. – E você vai ser o próximo, Baker.
Mestre Pice ficou inquieto. O inimigo de seu líder não era um qualquer.
– O ‘Páreo do Lobo’ inflige danos internos em sequência, mas esse Orion teve uma facilidade de segurar. Além de conseguir usar a estranha magia espacial, também tem uma resistência que bate de frente.
– O Mestre irá usar as ‘Presas do Javali’? – perguntou Micella ao seu lado.
– Se usar, teremos que nos reagrupar. É um poder que ainda não foi dominado. Da última vez, perdemos mais de dez pessoas.
Pice tinha medo. Mais do que de Heivor, era de como seu poder descomunal, tão sólido, o guiaria para destroçar seu inimigo. Orion não mostrou ser qualquer um, porém, a diferença de forças só aumentaria.
O líder, marcado pelo Lobo e pelo Javali, não poderia perder para ninguém que não fosse marcado.
– Está pronto pra segunda rodada, Baker? – gritou Heivor, cheio de adrenalina. Quase não podia se segurar. – Está pronto pra morrer?
– Venha, jovem lobo.
O salto de Heivor o levou a cinco metros para o alto, caindo com ambos braços puxados para trás. Ao socar, o céu noturno tremeu em violência. O choque foi o resultado da palma de Orion, o bloqueando com perfeição.
E antes do Lobo poder se equilibrar no chão, Orion o puxou para o lado, rotacionando e lançando para longe. E foi em sua direção. Aplicou dois socos em peito e com uma marreta, o bombardeou contra o solo.
Reagindo a dor, Heivor agarrou o pescoço de Orion e o puxou pra perto, acertando suas testas e o empurrando de volta. Vendo os olhos perdidos do Baker, tensionou as duas pernas no peito e o chutou.
Viram os dois giraram no ar trocando socos e insultos, criando estalidos no ar. Mestre Pice já preparava o terreno caso alguma coisa saísse do controle.
– Esse homem que se chama Baker é mais forte do qualquer inimigo que o Mestre Heivor já enfrentou – disse Micella. – Por quê?
– Nossos estudos diziam que Hunos teria pelo menos metade da nossa força. – Os antigos estudioso que viveram para entender a mana em Aragano fizeram seus deveres, tentando traduzir como o outro continente estaria. – Quero acreditar que ele é um caso a parte.
Houve um clarão em suas costas. Pice virou-se para o alto, observando um relâmpago azulado cortar o céu em linha reta na direção dos dois.
– É outro deles – disse alertando. – Todos, se preparem. Não sabemos quantos estão vindo.
Orion, num movimento horizontal, abriu os dois braços de Heivor e o explodiu numa pressão esmagadora para trás. Assim que se separaram, uma outra pessoa colidiu ao seu lado, inusitadamente.
Martin Crons ficou alguns metros, observando.
– O que está fazendo?
– Lutando. – Orion torceu o pulso algumas vezes. – É meio óbvio.
– E por que está fazendo isso de maneira tão bruta?
– Algumas pessoas só entendem com socos. – Orion deu dois passos e Heivor surgiu com um chute cruzado. Ele se defendeu e empurrou contra o chão. – O que aconteceu pra ter vindo aqui?
Outro chute, esse Orion previu e aparou. Puxando Heivor pra cima, o chutou nas costas, o lançando pra longe.
– Anneton e Heda estão aqui. Chegaram primeiro que eu.
– Os dois?
Orion arfou e parou o braço, bloqueando os quase dez murros seguidos do adversário.
– Lobo. – Ele agarrou os dois pulsos, o impedindo de continuar. – Temos que parar por agora.
– Não. Não. Não.
Ainda agarrado, Heivor saltou e usou as pernas para chutar o peito de Orion. Eles se distanciaram, com Orion arfando em dor.
– Pare – gritou mais forte. – Agora.
– Continue lutando. Estou quase chegando no meu ápice, serei invencível ao domar o Javali.
Mais um punho, e Orion bloqueou, liberando sua mana completamente. A pressão abrangeu a costa por inteiro, e a energia avermelhada que fluía da pele do Lobo simplesmente ondulou, reagindo. Os olhos do homem retornaram ao azul, e o ar preso na garganta foi liberado.
O pico de adrenalina acumulado sumiu. A pressão e aura de Orion, não.
– Senhor Baker – uma voz amigável soou bem longe, perto do navio –, que ótimo que chegou primeiro. Esses estranhos visitantes devem ser levados para julgamento em VilaVelha.
Anneton e Heda se mostraram depois daquele tempo inteiro. Suas presenças eram nulas, quase inexistentes. Estavam me observando até agora?
– Eu cheguei primeiro, como disse. E eles não são estranhos, são parte da Tribo Mestiça, que vem do Lobo e do Javali, guiados pelas Bestas Endeusadas. São conhecidos meus.
– Conhecidos? – Heda achou graça. – Pelo que vi, vocês estavam brigando para ver quem iria se subjugar ao outro.
Já liberto do poder do Javali, a face séria de Heivor retornou.
– E quem seriam vocês?
– Somos membros do Conselho dos Doze, a quem tomam conta do continente Hunos. Sou Anneton Feriano, e estou aqui para levá-los para um lugar seguro, senhor Heivor.
– Lugar seguro? Como pode achar que irei com alguém que sequer trocou golpes comigo? Volte para sua vala.
Ele deu as costas. Heda reagiu velozmente erguendo uma runa esverdeada. Orion também a fez.
– Pense duas vezes antes de usar essa magia, senhora Heda.
– Digo o mesmo, Orion. – Nenhum dos dois abaixou a runa mágica. – Apontar uma magia ativa para um membro dos Doze pode fazer com que tudo o que planejou até agora vá por água abaixo.
Os raios de Martin Crons também se espalharam ao redor do corpo, pronto.
– O que estão fazendo? – Anneton balançou a cabeça. – Não precisamos de brigas. As leis são claras, eles vão conosco.
– Não, eles não vão.
Anneton e Orion brigaram com olhares.
– Está sentenciando sua família mais uma vez, Orion?
Ao ouvir isso, Heivor parou.
– Acha que enfrentar o Clero, a Ordem, e metade do mundo vai ser benéfico pra alguém que acabou de forjar seu próprio nome? Pense bem. Uma família que pode perder seu jovem líder depois de tanto sacrifício para tirá-los do fundo do poço.
– O que conhece da história dos Baker são apenas as partes fáceis, Anneton. E não seja orgulhoso, você não tem poder para fazer nada contra minha família.
Heda olhou para Anneton, mas ele não respondeu a altura. Ele realmente não tem?
– Como esperado, você conhece bem mais de leis do que metade daqueles que se chamam políticos.
– Mais do que você, isso é certo – concluiu Orion. – Um membro dos Doze só pode ter direito de sentenciar com metade dos votos, tanto um povo estrangeiro quanto uma família nobre. Os estrangeiros precisam estar desvinculados de qualquer organização política ou social, nem mesmo uma família, porém, a Tribo Mestiça tem ligação com as Bestas Endeusas, e como sou um membro honorário do Pavilhão dos Céus, herdeiro da vontade do Dragão Prateado, Carsseral, possuo um vínculo de raça com eles.
Heivor, Pice e os membros que ouviram ficaram de boca aberta. Nem Anneton acreditou no que ouviu.
– Carsseral não te faria discípulo, ainda mais um membro de uma cidade perdida na história, que nunca existiu.
– Jamais diga isso. – A aura avermelhada escureceu completamente o que as tochas e os raios de Martin pouco iluminavam. O rosto de Orion se perdeu no breu. – Nunca mais diga essas palavras novamente ou ele vai querer sua carcaça.
Um rugido ecoou de Orion. A aura avermelhada tomou a forma do focinho draconiano. O poder emanado das criaturas sagradas que viviam nos céus. Anneton ficou inquieto, não era somente o jovem encarnado naquele corpo, mais do somente um humano, era o Dragão Prateado.
O símbolo draconiano brilhando em seu pescoço, de asas duplas e um rosto quadriculado – Anneton conhecia as histórias, e jamais imaginou que Orion Baker realmente teria a benção dos Draconianos.
Isso mudava toda a concepção por parte dos Baker.
Heda se pôs a enfrentar aquela aura perturbadora que mexia o ambiente. Mesmo afobada, conseguiu dizer:
– Está mirando sua raiva aos Doze, jovem Baker. Não somos seus inimigos.
– E nem são deles – a voz ainda rouca soava. – A Tribo Mestiça é aliada da minha família, Elfa de Hemilyn. Toquem nele e serão marcados pela minha fúria.
Outra onda de poder invadiu. Heda recuou ao lado de Anneton, também abalada.
Quem assistia, Heivor e seu povo, ficaram enfeitiçados. O poder dos dragões, jurados como grandes aliados pelos céus, revestia-se num humano poderoso. E não somente ele, mas ao lado, aquele que portava os Raios Azuis, era nada afetada pela pressão.
Metre Pice conhecia as regras das Bestas Endeusadas.
– Somente um igual, em poder e aura, rivaliza com as criaturas sagradas.
E Martin Crons libertava-se naquele instante como um semelhante.
– Eles vão comigo – indagou Orion aos dois.
Um portal se abriu a direita, distante, para dentro de um pátio azulado cheio de tochas acessas. Heivor e Pice encararam-no, parados.
– Como um anfitrião, trarei o banquete ao seu povo.
A aura de Orion diminuiu e seu poder regressou para dentro do núcleo mágico. Era cansativo, menos do que o normal, assumir um pouco do poder de Carsseral, mas foi o suficiente. Ter a confiança da Tribo Mestiça era a chave para uma boa parceria.
Tê-los ao seu lado seria como obter uma lança pronta para batalhar. Fracos do que jeito que estavam, seriam mortos em dois tempos. Apenas Heivor era forte, o resto nem chegava aos seus pés.
Precisava tirá-los dali o quanto antes.
– Anneton – Orion ainda mantinha a seriedade. – Os Baker não se esquecem de nada. Nem ofensas, nem ajuda. E eu também não.