Passos Arcanos - Capítulo 211
Anneton atravessou a sala e socou a mesa de pedra com tanta força que um rachado se espalhou. Sua raiva, derivada de um dia anterior, ainda criava tensão e divertimento em vários membros dos Doze que esperavam por alguma outra ação.
– Essa mesa foi cara – comentou Groi, um Anão de meia-idade. Cheio de barba negra, coçava o queixo, espalhando-a em duas. – Seria bom se a gente não precisasse consertar objeto toda vez que você se encontrasse com alguém que te desafie.
– Ele não me desafiou, aquele Baker desafiou a Ordem inteira.
– Não estava lá pra ver. – Groi esticou as costas. – Ele te enfrentou e você perdeu uma luta de moral e influência. Acontece quando nós subestimamos nosso oponente. Uma trágica lição que levará como aprendizado, aposto .
Anneton lhe lançou um olhar aterrador.
– Isso é uma piada pra você?
– Está me vendo rir, rapaz? – Ainda calmo, o Anão suspirou. – Um Humano te fez perder, é só isso. Nada além disso. Um Império no Extremo Norte que não controla nada da economia de Hunos, e uma família que se esconde atrás de Imperadores, o que eu teria a temer?
– O pacto com Carsseral e uma tribo que, supostamente, vem de Aragano são peças importantes que deveríamos ter posse – disse Heda. – Assim como os Baker nos fizeram recuar, também tomaram partido de tê-los como afiliados.
– E o que isso tem a ver com os Anões? – Grimos, o Anão mais velho, cheio de pelos brancos na cabeça e uma barba serrada, questionou. O único de sua raça sem uma arma, por não conseguir mais erguê-la. – Veja, senhora, os Baker são uma família que luta por um objetivo que não tem foco na Ordem. Eu presenciei quando eles receberam o título de nobreza e vi quando tiraram, até mesmo quando Omar Baker se tornou um dos mais procurados por ter roubado um tesouro sagrado. É normal que eles tenham raiva de nós.
– E por que acha isso? – Calen, um Elfo alto e de cabelos negros, perguntou com interesse.
– A notícia de vinte anos atrás foi que o Conselho dos Doze, o Conselho Negro e os afiliados da Justiça Mágica sentenciaram os Baker. Eles acham que foram nós, mas não é o caso. A raiva desse rapaz contra nós é como uma gota no oceano.
– E quem foi quem os sentenciou?
– Ora, deveria ler mais os livros dos Humanos, Calen. – Grimos sorriu. – Quem mais a não ser o Masquerati. Ele odiava os Baker desde pequeno, algo que passou de geração por geração, até que ele obteve o poder suficiente para mandá-los para a vala. E fez de uma maneira que punisse somente eles, quando na verdade, toda a Caldeira de Ilhotas estava envolvida.
Um rosto triste de Grimos.
– Uma pena, eles tiveram azar – concluiu para si.
Anneton não se contentou com a história.
– Os Baker se afiliaram a muitos nomes importantes. E agora possuem uma força um pouco maior do que o esperado, além de terem Carsseral. Aquele Dragão Prateado realmente o ajudou.
– E que prova tem disso? – Groi debochou sem se importar. – Viu o dragão em sua forma física?
– Não, eu…
– Então é só uma materialização. Ele pode ter convocado uma forma interna cuja aparência simboliza aos draconianos, mas a história daquelas criaturas é ainda mais fantasiosa. Morreram faz quase mil anos e sua terra se foi, assim como todas as Bestas Endeusadas.
Aquilo não passava de uma conversa sem ponta. Os Anões não iriam ceder ao seu desejo de esmagar os Baker, e apenas Heda parecia se importar com seus sentimentos. E faltando outros membros Humanos, em situações adversas, sua influência ali era nula.
A situação era difícil, mais do que imaginava. Se houvesse cerca de seis votos a seu favor…
– A reunião pode continuar com outros assuntos mais pertinentes agora ou vai precisar quebrar outra parte da mesa, Anneton? – Groi era cruel nas palavras.
– Continuem.
– Ótimo. Grimos e eu estamos montando um sistema de navegação para as embarcações que ligaram os Três Reino de Juntorril, e o atual investidor é um Humano chamado Oracle Bunis. Conheci na semana passada, e ele tem estado muito convencido de que conseguirá ter uma magia passiva que poderá guiar os navios por debaixo da água por determinado tempo.
Os Elfos expressaram certa surpresa. Já sentado, Anneton esfriou a cabeça para ouvir aquela boa notícia.
– Com essa magia, poderemos começar a explorar mais afundo os resquícios que se perderam no fundo do mar e até mesmo navegar sem sermos atacados por aqueles piratas que se escondem nas ilhas e Fossas Marianas.
– E como será esse sistema? – perguntou Calen. – Montado apenas para Anões usarem ou baseado em mana?
O conhecimento de que os Anões e os Elfos não se davam por problemas envolvendo o uso da mana era atemporal. Nem mesmo Anneton, tendo reunidos essas figuras de alto calibre, teve exito em pará-los.
E nem ele mesmo conseguia suprimir suas emoções por completo, tendo em vista a reação que teve ao ser derrotado por Orion Baker em supressão.
– Um que até mesmo uma criança Elfa poderá usar – Groi rebateu sorrindo. – Acho que dá pra entender que será bem simples.
Grimos não gostou nada do comentário.
– Perdão, senhor – contrapôs Groi.
– Pensamos em algo que possa ajudar a todos, senhor Calen – continuou Grimos. – Ele apenas disse que a pessoa que irá forjar essa runa mágica é alguém de difícil acesso, mas ele mesmo está indo atrás de seu discípulo. Se eu soubesse que o nome do rapaz fosse dito antes de começarmos, eu não precisaria de tanto fôlego.
– Ele já foi mencionado? – A surpresa de Heda lhe fez encarar Anneton.
– Sim, Orion Baker é quem irá produzir – Grimos não se importou com a expressão mórbida do humano. – Praticamente, ele é o único Escolástico com graduação em Física Ampliada e Conversão Elementar de Elementos Primários e Secundários em Hunos. Nós queríamos o Professor, mas não tivemos êxito em encontrá-lo.
Heda viu Anneton afundar a cara nas duas mãos. Além daquela pressão inteira, Orion Baker ainda era discípulo do Professor. Era justamente por isso que ele não o temia. O nome que poderia criar e converter mentes pensantes ao seu lado em segundos, que ajudava Silena Vidian e os Burgos Livres, agora um tronco que mantinha os Baker erguido.
O que Anneton perdeu não foi somente uma luta, foi a guerra inteira.
– Esse Orion Baker já deve estar no meio de uma transição com Oracle, e devemos ter uma resposta nos dias seguintes – continuou Grimos. – Particularmente, queríamos nós mesmos conversar com ele para entender mais sobre como o projeto vai ser criado, mas depois do problema com Anneton, creio que ele não irá nos atender.
A culpa foi jogada também. Anneton perdeu muita face.
– E o que mais? – Calen havia cruzado o braço. – Algo interessante para nosso lado?
– Os Baker não podem usar magia ativa, mas não tem problema em comandar aparelhos com passivas. Pelo que o Jornal Continental mencionou aos nossos olheiros, eles devem criar forjas de pílulas já que a Travessia de Ignolio foi bloqueada pelo Clero.
Nenhum Elfo estava contente com a notícia de que o único caminho por terra para Hemilyn ter sido bloqueada. E pior ainda, não havia força necessária para ir até lá já que Archaboom e Campanário Verde se esgotavam em lutas diárias.
Mesmo com a tomada das Ruínas de Cro, os Batalhões remanescentes em Campanário se tornaram mais e mais reforçados, tendo que segurar a ponte que ligava as cidades dominadas pelos Sacerdotes.
Era uma luta complexa a que os Humanos travavam. Calen e Heda nada poderiam dizer sobre já que os Elfos não ajudavam nesse tipo de conflito aberto. E nem Groi ou Grimos.
– Por forjas, temos muitas aqui em Hunos – disse Anneton. – As Academias Mágicas podem fabricar mais do que uma família pequena. E temos centenas de outras famílias aristocratas que auxiliam na criação. Não precisamos deles.
– Bom, precisam sim.
Todos olharam para Grimos. O velho Anão coçou a testa com uma face complexa.
– Digamos que os dois Imperadores que o apoiam foram os únicos que realmente compraram todas as pílulas e elixires medicinais durante os últimos seis meses. Monopolizaram praticamente Hunos inteira, e como fizeram isso? Por incrível que pareça, o Jornal Continental revelou que já estavam prontos para essa ação.
Eles tiveram que engolir aquela informação secamente.
– Os dois sabiam o que ia acontecer?
– O Clero sempre teve seus espiões na Ordem, mas é difícil imaginar que Nero ou Maverick infiltraram pessoas dentro dos templos. Ainda mais onde Cardeais ou Bispos moram. – Nem Heda acreditava nisso. – Como eles poderiam saber dessa informação?
– Senhora, muitas ações foram tomadas por aqueles dois em sincronia no último ano. Porém, eles jamais saíram de suas tocas. – Grimos afiou o olhar. – Alguém os avisou, assim como acho que essa pessoa ainda deve estar dois passos a nossa frente.
– O Professor?
Anneton jogou no ar, querendo pescar reações. Se pudesse redirecionar a posição para os Baker, seria ainda melhor.
– Faz sentido – permaneceu na ideia. – O único que jamais deu as caras depois do Forte Drax, e ainda vive isolado apoiando uma família que…
– Sua raiva pelos Baker nubla seu raciocínio, Anneton – Prisma, a Elfa Dourada, disse pela primeira vez. Delicada e extremamente bonita, suas feições massacravam qualquer Humana de padrões altos. E ainda por cima, seu corpo era extremamente volumoso. – O Professor ajuda, por que faria algo tão descarado assim? Nada guia essa informação para eles. Pare de ser sentimental.
E além da beleza, ela era ainda mais velha que Grimos, uns dez anos.
– Concordo. – O copo de água foi tomado por Groi de uma só vez. – Temos apenas que permanecer vigilantes quanto ao Clero. O Jornal Continental faz seu trabalho perfeitamente nos dando o que está acontecendo por todo lugar.
– É o que vem nos fazendo ficar a frente das construtoras e empresas. Podemos perder até mesmo nossa posição no mercado se eles não nos ajudarem.
Anneton viu o fim daquela conversa. A forja de elixires e pílulas deveria ocorrer a partir daquele dia, e em uma escala que pudesse alcançar o número de feridos e doentes. Se não fossem capaz, as empresas AntiCorp e MultiData ganhariam espaço.
Ele teve que contatar os Arche-Magos mais promissores de cada Academia, e uma em especial, conhecida como Lumiere, que estudava em Magnus. Ela tinha ganhado um concurso no último semestre sendo a única capaz de produzir um ‘Diminutivo de Queimaduras e Cortes’ em uma porcentagem de 90% de pureza.
No entanto, descobriu que ela já estava trabalhando para outra pessoa.
O nome fez seu rosto queimar em ódio. Era Orion Baker.