Passos Arcanos - Capítulo 213
– Eles ainda não querem nos receber – disse Cassiano da porta da Segunda Casa.
A mão de obra dos guerreiros invocados serviram de muita eficiência, em apenas dois dias, a Segunda e Terceira Casa chegaram ao estado de perfeição. No começo, muita gente estranhou aquelas sombras e figuras de luz andando pra lá e pra cá com sacos de cimento, bandes de pedra e madeira nas costas. Aos poucos, esse medo se perdeu.
Descobriram de quem eram os guerreiros. E focaram em ajeitar os campos e também arar a terra para o plantio. Os Anciãos tomaram controle dos efeitos burocráticos da cidade, como o porto e as lojas que pareciam estar se perdendo por falta das vendas, também existiam terrenos baldios deixados de lado por antigos moradores que migraram para cidades maiores e mais ricas.
Itauba era pequena comparada com qualquer outra, porém, maior do que acampamentos espalhados por todo o norte. O plano inicial envolvia trazer essas pessoas espalhadas para perto e começar a prosperar.
Orion deixou que os mais antigos debatessem, no entanto, ele sempre estava presente nas reuniões junto de seu pai e também de Cassiano. Tinha falta de Tito, que ainda não havia retornado, mesmo depois de tentar encontrar a doutora misteriosa algumas outras vezes.
Não sentia que ele corria perigo, mas pela deformidade que havia em seu núcleo mágico, um tratamento completo seria adequado. Não seria egoísta e deixá-lo sofrer em casa se a doutora pudesse curá-lo.
Naqueles dois dias, a forja se iniciou com fervura. Rasgun e Lumiere trabalharam juntos, mesmo o Mestre Baker admitir que as ferrugens nos seus dedos o impedia de estar em perfeitas condições para o trabalho. O que não previu foi a fome de conhecimento e carisma por Lumiere, que o fisgou como se ele fosse um pai.
E realmente, a jovem tinha seus vinte anos. Rasgun caminhava para seus sessenta, e jamais teve esposa e filhos. A conexão dos dois era um misto do útil ao agradável. E por conta de estarem juntos, mais dez forjas foram pedidas e criadas nesse meio tempo.
Se Rasgun queria produzir, que fizesse. Orion amava a ideia. Só naquele espaço curto de tempo, mais de cem pílulas Simples e cinquenta Compostas foram feitas.
Ordenou que Wallace e seu enorme grupo de Cavaleiros trazidos de Archaboom descansassem naqueles dias onde as construções eram meneadas para que pudessem partir atrás dos acampamentos com os acordos.
E também pediu a Kadu e Milena que andassem pela cidade ouvindo sobre os problemas que sofriam. A cidade de Itauba não tinha um prefeito ou algo parecido, nem um grupo para indicar melhorias.
Ajudando as pessoas e moradores, também teria uma grande recompensa de aceitação por parte dos que estavam por vir. O que sobrava apenas a Tribo Mestiça. Uma dor de cabeça que não sumia por nada.
– Deixe comigo, mestre – respondeu a Cassiano. – Eu vou tentar conversar mais um pouco.
– Só não os deixe desconfortáveis com a situação.
Cassiano o deixou sozinho em frente a Segunda Casa. O portão enorme de madeira bruta havia sido fechado assim que a Tribo Mestiça tomou como sua nova residência, e não foi aberta desde então. Orion não precisava andar ou abrir o portão.
Um pouco de mana foi reunido em baixo dos seus pés e ele levitou, subindo mais e mais. Passou sobrevoando as duas torres iniciais e ficou em cima do pátio aberto, onde corredores de madeira suspensos no ar ligavam um salão ao outro.
Ali embaixo, a grama com neve rondava o espaço ao redor do pavimentado círculo cheio de guerreiros batalhando. Mais ao canto, mulheres assistiam e idosos comiam uma refeição quente. Uma fogueira havia sido instalada também, assando o que Orion previu sendo porco pelo cheiro.
De cima, a Segunda Casa era ainda mais bonita. Com largos escritórios, uma cozinha no segundo andar e pátios de treino espalhados em dois pontos. Os quartos ficavam ao arredor, nas quatro pontas, tomando uma espaço de vinte metros quadrados para cada um.
E mesmo cheio de comodidades, aquele povo de Aragano ainda vivia como se estivesse lá. O pouco de roupas, lenços velhos por cima das cabeças e gargalhando, rindo ou conversando alto.
– Eu nunca teria isso se não fosse por causa daquele dia. – Lembrou-se de Rob pedindo um favor de ir até o Templo de Maio. – Bem que ele podia deixar São Burgo por mim. – E riu. – Vou tentar convencê-lo de novo, depois.
Avistou Heivor Lobo Javali disputando socos e chutes com um dos seus. E resolveu descer lentamente. Assim que Mestre Pice e Micella o observaram, mais rápido do que todos os outros, Orion teve certeza que seus sentidos eram aguçados.
Pice ergueu-se primeiro e seguiu em sua direção. Orion tocou o chão, e assim que o fez, metade dos guerreiros sentiu sua presença. Heivor travou no mesmo lugar e virou apenas a cabeça.
– Senhor Baker – Mestre Pice fez uma mensura leve. – Peço perdão por não termos atendido seu mestre. Estamos em um estado de treinamento continuo.
– Não tem problemas nisso. – Orion continuou fitando aquele povo usando o mínimo de vestimenta, as vezes até mesmo trapos. – Por que vocês andam como se fossem minimalistas, Mestre Pice? Tem algum sentido em sentir frio?
– Frio? – O velho Mestre não pareceu se ofender com a pergunta. – É um costume que temos. É parte da nossa história, somos feitos do que podemos caçar e coletar.
– Sem aceitar um presente meu?
Mestre Pice negou rapidamente.
– Não, senhor Dragão.
Desde que a aura de Carsseral repercutiu naquele dia na costa, Mestre Pice partiu para lhe chamar assim. Um título nada agradável se fosse posto que as Bestas Endeusadas eram parte de lendas mundanas e celestiais de grande influência.
E também era pelo fato de que o Dragão estava no topo dos céus, e o Lobo e o Javali apenas dançavam pela terra, disputando territórios. E Orion não tinha muito conhecimento, por incrível que fosse, desses dois últimos.
– Sem essa formalidade toda.
Pelo pavimento, Heivor se aproximou. Suas duas mãos se uniram em frente ao peito, e ele fez uma curta reverência.
– Saúdo o jovem mestre Baker.
– E eu saúdo o Lobo e o Javali – Orion replicou o movimento. – Vim saber como estavam ou se precisavam de alguma coisa. Esses dias foram bem agitados, fiquei sem vir visitá-los.
– Não. Estamos bem.
Pelo orgulho de um líder, Heivor também era sério demais até mesmo conversando. Atrás deles, aqueles olhares fulminantes. Era necessário uma ordem e Orion poderia ser atacado mesmo que isso resultasse no massacre de um povo inteiro.
Esse tipo de lealdade não era forjada apenas pelo nome, era pelo instinto, pela confiança. Os Baker deveriam estar nesse nível há 20 anos, quando batalhavam arduamente pela sobrevivência. Agora, apenas uns punhados se jogariam no meio de uma espada pelo outro.
Ainda existia muito do orgulho desnecessário, diferente desse que observava.
– Tenho muitas dúvidas de como vieram de Aragano, se eu não for interromper o treino de vocês.
Pice apontou para um dos bancos de pedra.
– Nós podemos conversar mais. Mestre Heivor, se junte a nós.
– Não. – Orion o impediu de se mover. – Volte a treinar com seus homens. Sei que é importante recuperar a força.
Ele agradeceu em silêncio e partiu de volta para o pátio. Orion e Pice sentaram lado a lado, afastados dos outros.
– O que o senhor gostaria de saber, Mestre Baker?
– Apenas o necessário. Como uma embarcação antiga, datada de cinquenta anos, passou pelas tormentas e também pelo Oceano Negro até chegar aqui. Quero saber se existem outros do seu povo por lá e se tenho que me atentar a algum inimigo em potencial que os seguiu.
– Inimigos, você diz. – Pice desfocou na conversa. Seus olhos pareceram se tornar cinzas, como se vislumbrasse uma recordação importante. – O mais fácil seria questionar quem não é nosso inimigo.
– Eu não sou.
Pice esperou um pouco e deu uma risada abafada.
– Mestre Baker, a Tribo Mestiça vem de uma linhagem de batalhas sangrentas contra todos os tipos de pessoas. Muitas disseram a mesma coisa para nós, e na primeira oportunidade enfiaram uma lâmina em nossas costas.
– Traições são comuns em Aragano agora?
– Mais do que costume, é uma tradição que o povo desse continente levou. A história contada por vocês é bela, cheias de mistérios e tesouros escondidos, mas para quem morava lá, quem sempre esteve vendo um avanço de Magos e Cavaleiros, existe uma doença que permaneceu em seus corações. O ódio e o rancor, símbolos de uma opressão gratuita. – A raiva em sua voz era evidente. – Uma colonização baseada na dor.
– E como fugiram dela?
– Enfrentando os inimigos e os que se chamavam aliados. Mestre Baker, nosso povo somava mais de duzentos, cheios de vida. Não tínhamos com o que se preocupar até que o intitulado Javali e o Lobo apareceram nas montanhas. Tivemos que lutar e perdemos muito. Meu Mestre Heivor perdeu o pai de uma maneira horrenda e carrega essa dor dentro de seu peito, querendo não mais se entregar a mesma sensação. Queremos apenas um lugar sem guerras, mas até aqui existe conflitos abertos e internos.
– É o que mais se tem, Mestre.
– Por isso sabemos que ficar aqui, atrás de suas muralhas e escudos, é desnecessário e nos enfraquece. Não usamos suas roupas para lembrarmos de onde viemos, não usamos suas gírias porque temos as nossas ramificações. E não podemos lutar contra seus inimigos porque temos os nossos próprios.
– Sinceramente, Mestre Pice, dentro dessas muralhas não existiria segurança mesmo se fossemos os únicos no continente. Um líder só pode ser líder porque foi escolhido para isso. Agradar todo mundo é um ato impossível, sempre vai ter um ou outro que pensará ser capaz de liderar melhor do que você.
O velho homem concordou. Mesmo sem um dos olhos, ele era focado e escutava com atenção plena.
– O medo do seu povo é o mesmo que da minha família, a destruição eminente. Qualquer ação feita agora sem pensar pode levar a um abismo. Pisamos em cacos, sofrendo em silêncio e remoendo quem está nos atacando pela frente, ao mesmo tempo que abrimos caminho para os devem ser carregados em nossas costas. E no primeiro erro, são os nossos os mais perigosos.
Os Anciãos sempre foram um problema e ainda eram. A família Baker não era unida, e existia múrmuros dentro dos quartos, questionamentos e insatisfação. Amado? Orion não queria ter um pingo de solidariedade daqueles velhos.
Eram as armas e o poder quem regiam. E por ser o único capaz de utilizar magia ativa, claramente tomou seu lugar com apoio do Mestre Cassiano. Uma espada mirada na garganta de tantos era perigosa até que entendessem o número dos alvos.
Orion poderia ser esmagado se fosse reprimido pela família por conta de leis e dotes. Por isso, decidiu espalhar as diretrizes e trabalhos para os mais antigos, mantendo alguém de confiança por perto deles.
Se queriam bolar planos para diminuí-lo, teriam de ser mais rápidos e eficientes do que seus olhos e ouvidos espalhados.
– Eu conheci a história dos Baker nos poucos dias que estive por aqui – comentou Pice. – São teimosos, mais do que a maioria.
– Tentamos. – Orion deu uma risada. – É como nós chamavam. Os Cães Imortais. Não porque somos imortais, mas porque não paramos de morder a carne até que consigamos elas.
– Uma interpretação diferente do que muitos dizem.
Outras pessoas comentaram sobre?
– E o que eles falaram?
– Que vocês são mais teimosos, mais ardilosos e também mais irritantes do que qualquer outro. E são chamados assim porque não importa o que seja, não param até conseguir o que querem, não importa o preço.
– Praticamente o mesmo eu disse, Mestre Pice – brincou com o velho. – Somos assim por natureza, desde Maio Basker e sua filha, a antecessora de nossa família.
Pice meneou a cabeça e fitou Heivor.
– O Lobo e o Javali foram mortos por Heivor, mas ele mesmo não se acha digno de comandar essas pessoas por achar ser fraco. E você o demonstrou algo diferente, um tipo de aura que só nasce naqueles que são descendentes diretos das Bestas.
Orion tocou o ombro de Pice e uma imensa quantidade de mana infundiu ao velho velozmente. Nesse pequeno espaço curto de tempo, o único quem se virou, sentindo a diferença de mana, foi Heivor e com uma expressão explosiva.
– O que está fazendo, Mestre Baker? – Pice perguntou ansioso. – Por que fez isso?
– Seu Mestre Heivor é uma besta enjaulada com sentidos aguçados. – Orion acenou levemente para os homens que treinavam como se nada tivesse acontecido. – Precisa apenas se libertar da mentalidade de inimigos e amigos.
– E o que seria essa… mentalidade?
– Num mundo preto e branco, existe isso de todos são inimigos e todos são amigos. Funciona também quando se é ingênuo. Agora, você está vendo as bandeiras vermelhas, a grama verde e as cores diversas nas pessoas ao redor. Assim é o mundo que vivo.
Mestre Pice não disse nada.
– Só duas coisas podem unir as pessoas, Mestre Pice. – Orion mostrou um sorriso honesto. – O interesse e o medo.