Passos Arcanos - Capítulo 215
Manteve-se quieto, mas Wallace percebeu sua postura se modelando no mesmo instante. Estando anos atrás de derrotá-lo, o Cavaleiro havia gravado tantas das vezes que seus movimentos se tornavam diferentes.
Dessa vez, algo havia deixado Orion arrepiado de verdade.
– Mestre Baker – o chamou no meio da algazarra que se envolvia os outros. Apenas Cassiano e Oliver o ouviram. – Algo de errado?
– Eu… só lembrei que tenho que resolver algo imediatamente.
Se levantou devagar e respirou fundo. Fechou os olhos e deu um passo se distanciando imediatamente de todas as pessoas, de Itauba, dos civis, para onde a presença, que havia desaparecido por anos, retornara.
Estava novamente onde o navio da Tribo Mestiça havia atracado. E parado, com uma das mãos no casco congelado, o homem que trouxe a devastação para a família Baker.
– Foi bem mais rápido do que eu. – Omar arrancou um pequeno pedaço de gelo e esfarelou entre os dedos. – Bom, é comum já que o Jornal Continental foi montado e gerenciado por você, irmão.
– Você não está aqui pessoalmente, não é?
Omar parou de mexer os dedos e virou-se.
– Fico impressionado. Está vendo através da minha magia temporal, como um verdadeiro Baker, não é? Sim, não posso estar aqui pessoalmente por causa de muitas condições que eu estaria infligindo.
Era mesmo Omar. Aquele rosto quadrado, os olhos separados e centrados, e cabelos negros, mais longos do que da última vez que o vira, quando era mais novo. Sempre mentira para o seu pai dizendo que não se lembrava dele porque era dolorido, Oliver sempre se culpava demais pela traição do filho mais velho.
O que mais doía em Orion era que essa culpa também recaiu por anos sobre ele mesmo.
Omar não estava ali, não como queria, mas era sua presença temporal.
– Depois de vinte anos e voltou para fazer contato comigo? – Balançou a cabeça. – Existe algo que você quer. O que é?
– Isso é mais do que comum, irmão. – Omar tocou o gelo novamente. Um fino rachado se espalhou e toda a crosta desmanchou como areia, libertando sua ponta da costa. – Queremos muitas coisas, por isso batalhamos por elas. Estou aqui justamente para avisar das batalhas que irão se suceder, você, no entanto, não deveria se juntar a nenhuma, como tem feito em Travessia de Ignolio. Foi um bom plano, mas confiar em Oracle Bunis em não vender navios para os Elfos? Ingênuo.
– Ingênuo é achar que deixei isso escapar das minhas mãos.
Omar o fitou e depois sorriu.
– Claro, você deixou uma runa de autodestruição implantado caso algum tipo de magia élfica fosse sentida e usada dentro do navio. Essa é uma notícia importante que eles não divulgaram depois que aconteceu, não é?
Orion não respondeu. Oracle Bunis não seria idiota de ir contra a condição mais clara deixada no acordo. Qualquer um saberia que haveria consequências, queria ler a feição de Omar para descobrir se era verdade, mas longe demais. Usar mana o alertaria.
– Eu sempre digo a verdade a você, meu irmãozinho. – Sua mente pareceu ter sido lida. – Oracle Bunis, no entanto, não está mais em posse dos Meta Navios. Um pequeno alvoroço ocorreu e a Justiça Mágica fez questão de investigar suas vendas e compras, o que levou uma grande revelação, um dos associados dele tinha acordos e vínculos com o Clero. O nome dele é Riosh Lucanit, um político muito importante para a Ordem dos Magos, que influenciou diversas leis a mandado dos mais ricos e também dos nobres. E fez isso em cima dos mais pobres, coitados deles.
– Está trabalhando para salvar as pessoas? Não é a sua cara.
– Você não faz ideia com o que eu trabalho, Orion – disse Omar se divertindo. – Não faz ideia de como esse mundo é cheio de artimanhas sendo mexidas por debaixo dos panos. Seu Jornal Continental não chega nas camadas mais fundas, nem nas mais altas. O que você tem feito é apenas ter de volta a honra que foi perdida da nossa família, não é?
Orion se irritou ao ouvir aquilo.
– A honra que vocês arrancou ao roubar aquele tesouro sagrado, Omar.
– Roubei? Nunca cogitei nessas palavras, na verdade. Os Vidian nunca fizeram nada nas trincheiras, nosso pai jamais teve os méritos que mereceu. Os Baker só foram aplaudidos quando conquistaram duas das mais importantes áreas que hoje tem o dedo da Ordem. E os Vidian, Germacos e Robert recebiam dinheiro, fama e prestígio? – Ele endureceu o queixo. – O que foi feito é uma reparação histórica. Em todos os lugares de Hunos, em Juntorril, em Hemilyn, coisas parecidas ocorrem todos os dias.
– E roubar o Livro das Trevas fez alguma diferença?
– Da mesma forma como Azrael France não morreu e está de volta ao Clero.
Mentira, a Ordem não o deixaria vivo. Nem mesmo seria desleixada para que o Clero tomasse partido de pegá-lo de volta.
– Ele é importante para mim – disse Omar simplesmente. – Azrael é o único interprete vivo do Tesouro Sagrados das Trevas por causa de KuraSuna. Tenho que te pedir desculpas, ele tentou te matar algumas vezes, não foi?
– Não chegou nem perto disso.
A risada de Omar ecoou pouco pela costa gelada. A neve começou a cair mais forte e direcionada para as costas de Orion pelo vento forte.
– Meu irmãozinho recebeu uma dádiva. Fiquei impressionado quando soube das suas Magias Únicas e a capacidade de copiar cada uma delas. É como um livro ambulante. ‘Visão Mental’, ‘Cópia Geral’ e recentemente você esteve em contato com Anneton. Espero que ele tenha tentado usar a magia dele em você.
Orion tocou os olhos. Não se sentia cansado assim fazia anos. Omar era um peso tão grande em seus ombros, e agora estava ficando pior.
– Ele usou – confirmou Omar. – E por último, a Magia Única de ‘Sução Ilimitada’.
Orion parou de mexer nos olhos. Ele não sabe do Sol Negro?
– A capacidade de converter mana bruta em corporal e utilizar a seu favor, isso te transforma em uma arma poderosa. Muitos iriam querer sua cabeça por causa disso, a própria Ordem faria de tudo para te amarrar, como Masquerati fez uma vez.
– Diga logo o que quer, Omar.
Mais tempo ali o faria se desgastar por completo. Esse cansaço estranho, seu corpo não parecia estar se acostumado, como normalmente faz depois da primeira vez sentida. Era uma habilidade de Omar ou seus próprios devaneios?
– Eu quero o que todos querem. Poder e influência, mas do jeito que as coisas estão sendo direcionadas, duvido que cheguemos a concluir isso antes do continente ser carregado por sangue e espadas. Minhas armas são apontadas para alvos específicos, Sor Leroi e sua gangue de impostores na Ordem. Anneton e o Conselho dos Doze. Os Bispos e os Campeões da Luz. Metade das Torres Mágicas que atuam sobre o controle opressivo do Masquerati. O Castelão e Barão Denis Xabe e sua rede de informação nas Ilhas Vulcânicas. Como fazer isso, irmão?
– Por que eu saberia?
– Porque você é filho do meu pai e meu irmão mais novo. Nossa mãe teria um orgulho imenso de como tomou conta das pessoas a sua volta, mas eu sempre achei isso uma fraqueza. Os Baker não deveriam ter sido restruturados, pelo contrário, se tivesse virado essa sua habilidade para algo maior do que um banco de velhos querendo poder as custas de qualquer coisa, estaria mais perto da verdade.
Essas palavras, Orion não queria decifrar por completo. Sua mente estava ficando embaçada. Piscou fortemente os olhos, a neve caíam com mais força. Começou a sentir frio, de repente.
– Por que?
Omar não entendeu.
– Por que o quê?
– Achou mesmo que teria capacidade de me vencer numa batalha mental depois de anos foragido. – Deu uma risada amarga. – Acha que uma magia de ilusão de Grau tão pequeno faria algum tipo de reação em alguém que viveu lendo e imaginando todas essas magias por quase dezoito anos?
Omar não respondeu. Porém, seus lábios cruzaram-se para baixo.
– Omar, eu não ligo se você sabe mais do que eu. Se sabe o que vai acontecer, se sabe dos fatos e da história, se faz o que faz pelo poder e influência. Eu sempre te tratei como uma sombra porque queria ser melhor, mas meu pai sempre deixou claro que sua habilidade mágica superava a de qualquer Ancião quando ainda tinha seus dez anos. Se você tivesse virado suas mãos para trazer mais paz, trazer mais glória, seria diferente também. – Os dedos de Orion se separaram e estalaram em seguida. Uma expansão de mana veloz cobriu a área, desdobrando os círculos mágicos espalhados no ar, dez metros deles. – Você deveria ter mais cartas na manga do que só vir tentar me fazer dormir. E como sei que seu corpo físico pode estar em qualquer lugar, porque está usando ‘Posição Espaço-Tempo’, uma magia ativa rara de Grau Oito, não vou te fazer atacar. Mas, quero que saiba que sigo as regras que nosso pai sempre pediu para eu recitar quando era mais novo.
Sem se assustar com as runas expostas ou a pressão de mana, Omar cruzou as mãos para trás das costas. Uma versão quase mais velha de Orion, os dois encarando-se.
– Palavras velhas de um homem velho, irmão.
– ‘Nunca entre em uma briga’, essa era primeira regra. A segunda era ‘se mexerem com a família, esqueça a primeira regra’. Isso também implica a você, os Baker não te devem nada, nem mesmo uma palavra. – A mana de Orion se libertou mais forte, golpeando as runas e adentrando suas matrizes. – Mire seu grupinho de pessoas para meu pai, e vou atrás da sua cabeça, custe o que custar.
Os lábios de Omar alargaram-se, e ele começou a rir.
– Que palavras bonitas, irmão. Seu senso de proteção me deixa de coração alegre. Faz anos que não vejo alguém dizer isso. – A risada terminou num instante. – Te aviso também, entre no meu caminho, seja participando de qualquer ação da Ordem ou dos seus grupos e mirarei minha espada em você.
– A história se repete, como sempre. – As runas se dissiparam no ar e o ambiente retornou a leveza. – Da próxima vez, venha pessoalmente e tiraremos essa dúvida.
– Da próxima, a guerra vai estar pior do que você pode imaginar. E uma coisa, não tente salvar Santa Helena, aquela cidade já morreu.
O espaço ao redor de Omar começou a se contorcer em diversas partes. Aos poucos, seu corpo foi puxado junto, torcendo o tecido espacial e o levando embora.
Orion ficou parado no mesmo lugar. Depois de longos anos, Omar finalmente havia aparecido. Por alguma razão, algo de diferente nele lhe chamava atenção. Sua mana ou presença, a sensação de proximidade e assimilação das suas palavras se tornava quase nula em sua mente.
Ele não se lembrava da primeira palavra de Omar quando chegou, mas lembrava perfeitamente da minha palavra que o Ancião Dest falou há dezesseis anos, quando o encontrou pela primeira vez.
Sua memória falhou por causa daquela magia? E os símbolos, os padrões da runa, também não se lembrava.
– Omar pode anular minha memória.
Sua habilidade mais sólida, que lhe trouxe até aquele momento, se tornou praticamente nula.
Só isso já era motivo para se assustar. No futuro, não poderia contar em aprender as magias ou artes de combate de Omar o observando. Sua bagagem deveria ser perfeita. Derrotá-lo nunca entrou em seu plano original.
– Mas parece que vai ser inevitável.