Passos Arcanos - Capítulo 217
– Tem certeza que aquele Sumona falsificado vai dar trabalho a eles? – Cassiano questionou Orion. Os dois caminhavam pela estrava pavimentada entre a Primeira Casa e o portão que dava para a cidade de Itauba. – Eles vão fazer todo o tipo de análise.
– E não vão achar nada, Mestre. Confie em mim. Os datadores de mana que usei foram um presente dos livros antigos dos Baker. – Orion sorria com sua confiança inabalável. – Eu estudei os livros nesses últimos dias. Tem muito conteúdo que nossos antepassados guardaram como se fossem inestimáveis.
– As Lendas do Idioma Morto. – Cassiano sabia bem do que se tratava os livros. – Meu pai foi um Ancião também. Ele dizia que se pudessemos traduzir, seríamos capazes de alcançar um nível diferente de poder.
– O Ancião Cassiel estava correto, Mestre. Aqueles livros possuem conhecimentos que a Ordem ou o Clero dariam a vida. Foi por isso que forjei aquele pequeno Sumona para testar a veracidade.
Eles alcançaram o portão e saíram. Dois guardas contratados ficavam lado a lado, de olho ao redor, mas não existia nada de perigoso ali para alertá-los. Orion cumprimentou os dois antes de partir adiante.
Itauba havia iniciado um estado de reconstrução alarmante. Casas novas para os moradores não sofrerem mais com os frios, runas passivas de aquecimento para que pudessem dormir em paz, uma colheita bruta semanal disponível para os lojistas e também para o consumo geral.
As pessoas sabiam quem eram os Baker agora. Uma família que chegou não para usurpar mais do que já não possuíam, era para dar dizimar a miséria. Era possível ver os Cavaleiros de Sombras e Luz, feitos de magia por Orion, andando para lá e para cá, carregando tijolos, sacos de areia ou água.
E melhor ainda, construções subterrâneas, como a pedido, já foram adiantadas em quase pela metade. Orion disponibilizou mais duzentos Cavaleiros seus para quebrarem as paredes e refazerem os canais, além de criar um pequeno círculo de água que vinha das montanhas, alimentando os poços ao redor de Itauba.
Encontraram com Mestra Keila numa curva para as lojas de grãos. Ela usava o sobretudo avermelhado feito por um dos artesãos da cidade, e os recebeu com um aceno de cabeça.
– Mestre Baker, as lojas foram reconstruídas, como pedido. E a ala hospitalar vai ficar pronta no próximo final de semana.
Orion observou como as paredes foram reconstruídas com seu sistema de magia passiva. O tempo não seria um problema dali pra frente, e nem as tempestades que Nero havia dito que acontecia algumas vezes no ano.
Ainda não tinha pego nenhuma delas, mas como as Montanhas Azuis ficavam mais a norte, era capaz de avalanches também ocorrerem.
– Alguma notícia de Mestre Abake?
– Não, senhor. Ele disse teve de convencer muitos pescadores para reconstruir o porto, e tinha reunião marcada por vários dias com os antigos Corsários da Ordem que vivem por aqui.
Era uma boa opção convencer os mais experientes de seguir seu rumo. Uma mente antiga seria ideal para disponibilizar mais conhecimento aos novatos no ramo.
– Quando encontrar com ele, entregue isso, por favor.
Passou um papiro enrolado e lacrado com o símbolo do ‘Cão Imortal’.
– Diga que será uma boa forma de convencê-los a reconstrução. E diga que pagaremos o dobro do que estão oferecendo. No próximo mês, nossa renda terá um acréscimo de algumas milhares de moedas. Não sejamos mesquinhos com nossos inquilinos.
Mestre Keila soltou um sorriso e concordou.
– Peço perdão em comentar, Mestre Baker – disse ela. – Se há um ano, alguém me dissesse que estaríamos vivendo bem e tendo tanto dinheiro, eu nem pensaria na possibilidade. Fico contente que os Anciãos entregaram o cargo de chefe ao senhor.
– E eu fico feliz em poder servir de maneira que agrade aos mais antigos. Caso qualquer ação minha tenha algum fundo sem sentido, espero que seja a primeira a falar, Mestra.
– Serei a primeira e não a única. Todos os Mestres seguem o líder da família, mas questionamos tudo, dentro e fora do conselho fechado.
Mestre Cassiano também concordou. Ele também fazia parte desse pequeno grupo de Mestres. Orion era o único que recebia o título ‘Mestre’ sem ser realmente um. Era somente dado aos que possuíam um conhecimento muito aprofundado sobre questões políticas, sociais ou econômicas.
Normalmente, as pessoas estudaram em outras cidades e partes diferentes do continente tendo uma imensa carga de experiência. Não se podia auto proclamar um Mestre, era dado por um conjunto de pessoas que pertencia a Ordem dos Magos.
Mais a frente, Orion encontrou um restaurante. O mesmo que ele e Nayomi haviam partilhado uma refeição. Sentou-se no banco do lado de fora, com Cassiano a sua frente. Pediram frango grelhado, duas porções de batata cozida e arroz ao ponto.
– Ainda estou meio perdido em como você conseguiu forjar um Sumona – comentou Cassiano depois de receber seus pratos. – As Runas Justas sempre ficaram fora dos livros. O acordo que os Anões possuem com os Elfos e Humanos é que sempre que um deles aparecer, somos obrigados a devolver.
– Sim, essa é a Lei Preventiva Racial. – Orion mastigou um pedaço do frango e soltou um suspiro suculento. – Está muito boa. Queis caprichou muito nessa.
– Orion, como vamos ganhar alguma influência com esses Sumonas? Se vários apareceram ao mesmo tempo, eles irão descobrir que somos nós que estamos forjando. – Espetando uma batata, Cassiano apontou-a em frente. – Isso pode acabar prejudicando a todos nós.
A preocupação de Cassiano, Orion já lidava há anos com seu pai.
– Uma Lei Preventiva Racial tem duas camadas, Mestre. A primeira é que ela representa a vontade de seu povo em relação a criação ou registro histórico. O ‘Anel e a Pulseira Solar’ são um exemplo claro disso. Teríamos que devolver aos Anões de Juntorril sem receber nada em troca.
– É o que estou dizendo.
– A segunda camada interfere nisso. Se o Sumona tiver cerca de mil anos, quem o encontrar tem direito de ditar um preço a raça por trabalho, esforço e a procura. Um item que some mil anos é completamente difícil de achar, não acha?
Orion sorriu e deu outra mordida no frango. Cassiano continuou o fitando, meio avoado.
– Desde que te conheci, sempre achei que seria um rapaz especial. E fico contente de não estar contra você, Mestre Baker.
Os dois deram risadas e continuaram a conversar.
Depois de almoçarem e estarem desfrutando de um pequeno suco de frutas naturais vindo das Terras Fluviais, ouviram o tintilar de metal contra metal. Wallace e alguns outros Cavaleiros adentraram o pátio do restaurante. Eles vestiam o vermelho por baixo das placas de ferro, com uma capa no ombro esquerdo, impedindo de verem suas armas.
Wallace era o único com o machado nas costas, a vista de todos.
– Mestre Baker, relatando a procura dos bandidos. Achamos cerca de seis acampamentos com bandidos espalhados num raio de dez quilômetros. Cerca de vinte Sacerdotes escondidos e dois Feiticeiros.
– Se livrem deles.
Wallace olhou para trás e três Cavaleiros partiram. Orion deu espaço para Wallace se sentar ao seu lado, e o restante dos homens se espalharam para almoçar.
– Algo de diferente? – Orion questionou a Wallace. – Alguma movimentação nos outros acampamentos ou algum tipo de desvio de atenção pra cima da gente?
– Dos seis acampamentos, só um deles que negou envolvimento. Não porque quer, mas porque existe um tipo de acordo com outra cidade. – Wallace tirou um mapa desenhado a mão e esticou sobre a mesa de madeira. – A capital tem influência neles por causa da família nobre Gendrys.
Dando uma boa olhada no mapa, os acampamentos eram desorganizados sobre as terras. Alguns viviam em uma parte mais elevadas, outros quase em cavernas. Apenas esse em especial parecia aberto demais.
Erguendo a mão e estalando os dedos duas vezes, uma sombra surgiu da lateral do restaurante. Nem Cassiano nem Wallace o sentiram até aquele momento. De vestimenta escura e um rosto escondido por máscara, sua aparição foi quase que invisível aos outros.
– Entregue uma mensagem ao Ancião Rinngo, diga para marcar uma reunião com o líder da casa Grendys e ditar um acordo para tomar controle do acampamento a leste, perto de Itauba.
– Como desejar, meu senhor.
Ao voltar para a lateral da parede, sua presença e aura sumiram.
– Quem era aquele? – Wallace perguntou rapidamente. Cassiano queria fazer a mesma pergunta. – Parecia uma assombração.
Orion deu uma risada.
– Ele se proclama assim mesmo. Depois que nos instabilizamos, ele veio até mim oferecendo seus serviços. E está sendo bem prestativo com tudo. Uma magia de Ilusão tem efeitos diversos, como podem ver.
– Impressionante, quase não pude sentir sua presença mesmo cinco metros de mim.
Um imenso achado, Orion teve certeza. Jito Kpo, uma estrela da ilusão com fundamentos diferentes e um imenso desejo de aprender. Um acordo foi suficiente para que ele se juntasse a sua causa.
Magias de Ilusão de Grau Cinco e Seis em troca de seu serviço.
– A cidade inteira vai estar sendo reorganizada, Wallace. Vou precisar de você e seus garotos para tomar conta da integração dos outros acampamentos. A Terceira Casa vai servir de abrigo temporário, mas quero que leve Ancião Dest e faça uma lista do tipo de serviços que cada pessoa pode gerar.
– Farei agora mesmo.
– Não, nem comeu ainda. Fique.
Mais cinco minutos e as refeições chegaram. Orion continuou a mencionar a Cassiano oque deveria ser feito e medidas contra os Anões, até Wallace questionar, curioso:
– Por que temos que esperar mais de um mês pra entregar outro Sumona?
– Eles são raros – respondeu Cassiano. – Se um monte surgisse ao mesmo tempo, isso causaria tumulto. O Conselho dos Doze, a Justiça Mágica e o Comitê de Leis iriam cair em cima da gente, além dos Anões que iriam nos acusar de apropriação mágica.
– Por isso, nós vamos criar uma Lei Preventiva Racial – explicou aos dois. – Alias, são pra isso que servem as leis. Pra ajudar as pessoas, não é?