Passos Arcanos - Capítulo 218
O Conselho Fechado dos Baker se reuniu pela primeira vez depois de uma semana. Orion esperava apenas por Heivor Lobo, já que Mestre Pice já se sentava a sua direita. Todos em cima de almofadas, odiava ter que sentar em mesas, como costumeiro.
No chão, relaxava lendo seu livro enegrecido. Muitos Baker reconheceram aquele livro sendo um dos antigos tesouros, mas nem mesmo Mestre Rinngo questionou como Orion fazia para passar as páginas tão casualmente, voltando e assentindo.
Uma língua poderia ser considerada morta por alguns motivos. O primeiro porque ninguém mais no continente lembrava dela. A segunda era porque sua dificuldade em aprender suspendia qualquer raça ou posição, carregada como morta socialmente. E a terceira, mais devastadora, era porque pertenceu a um grupo ou tipo de pessoas que causaram muita destruição na história.
E o Idioma Morto, dos Nefrons, uma antiga família de Magos, morreu unicamente pela junção de Magos da Ordem e de Sacerdotes do Clero. A única que conseguiu o feito de ser inimigo dos dois lados apenas por se tornar forte demais.
E os Nefrons, sabendo que seriam destruídos no futuro, passaram seus conhecimentos em uma língua única para os Baker, seus parceiros de luta e também de acordos. Muitos casamentos aconteceram no passado, alguns até mesmo sendo metade das duas.
Era impossível saber quem carregava o gene, mas Orion não se importava com isso. A leitura das habilidade dos Nefrons era surpreendente para a época. Eles sabiam conjurar as Runas Justas dos Anões, o Bio Arcanismo dos Elfos. A Natureza Arcana nos selvagens e conheciam o Arcanismo Comum dos Homens dos Números.
Esse feito era singular na história. Uma família portar esse tipo de conhecimento era injusto já que desequilibrava os valores do continente Hunos. E por medo, os Anões e Elfos pediram a criação das Leis Preventivas Raciais.
A mesma lei que ele estava prestes a forjar.
– Entre – disse no meio do silêncio.
A porta se abriu. Heivor adentrou sozinho, com uma vestimenta vermelha leve. Assim como Mestre Pice, não usava mais do que o necessário naquela reunião.
– Podemos dar início a nossa reunião. – Fechou o livro, pondo a direita da almofada. – Mestres, relatório completo. Começando por Abake.
– Mestre Baker, o porto teve cerca de cinco melhorias na última semana, além do estaleiro que está sendo montada para a reconstrução de navios grandes e pequenos. Temos cerca de quinhentos operadores servindo a manutenção, expediente de sete horas, como pediu, e ganhando o dobro do que recebiam, cerca de 1 moeda de ouro.
– Situação de pesca.
– Trinta barcos pequenos, capazes de puxar praticamente mil peixes de porte pequeno. E temos duas fragatas em construção, do molde que o senhor mesmo disponibilizou. Os Corsários quiserem fazer eles mesmo a verificação e também análise de como vai ser feito.
Abake era sem dúvida um Mestre em tipos de construção. Mais impressionado era Mestre Pice e Heivor com o tom formal e também o silêncio que existia na sala. O costume das reuniões da Tribo Mestiça era falatório e gritaria, além das bebidas que rolavam entre as conversas.
O ambiente ali era quase de opressão.
– Mestre Krifen, qual o nosso estoque para contratações?
O velho cansado abriu os olhos e coçou a têmpora.
– Cerca de duas mil moedas de ouro, Mestre Baker.
– Ótimo. Mestre Abake, contrate mais quinhentos temporários para terminar o projeto, e dê sequência nos navios. Não queremos nenhum problema quando estivermos no oceano.
Abake acenou com a cabeça.
– Como quiser, senhor.
– Mestra Keila, situação geral da cidade.
A mulher abriu um livro e foleou até onde queria.
– Mestre Baker, temos vinte lojas de alimentos. Cinco restaurantes. Três artesões que trabalham sozinhos. Duas costureiras. Dez casas de penhor e uma cabana de caça, com três pessoas. – Ela olhou para Orion. – Para a quantidade de pessoas que vivem, é pequena. Mas, para controle geral, é o ideal, senhor.
– Quantas pessoas especializadas temos dos acampamentos, Mestre Rinngo?
Pego de surpresa, o Ancião engasgou antes de continuar.
– Mais de dez, senhor.
– Só isso? – Não dava nem para alocar em grande quantidade. – E quantos caçadores?
– Cerca de cem.
Olhou de volta para Mestre Keila.
– Aloque os caçadores. Leve Kadu e peça para ele escolher um a dedo para que seja nosso guia. Depois, pegue Milena e comece a espalhar essas pessoas na cidade para aprender uma profissão a escolha delas. Deixe que fiquem a vontade, e enquanto não possuem onde dormir, a Terceira Casa vai ser deles.
Ninguém foi contra. Mais uma vez, Mestre Pice teve que admirar aquela conclusão. Nenhum tipo de decisão era feita fora da curva, com cada um do conselho ciente do que poderia acontecer ou não.
– Mestre Krifen, sua vez.
– Mestre, a demanda de custo dessa semana foi de três milhões de moedas de ouro na cidade de Itauba. Cerca de mil moedas de ouro na criação das fornalhas da Quarta Casa, e para materiais e custos de suprimentos, quinze mil. Rob, a Criança Comerciante, fez negócios conosco e trocou comida por elixires, como ordenado.
– Tudo dentro do padrão. E as vendas?
– Essas duas semanas, a Meta Navio vendeu mais dois barcos por vinte milhões cada. E recebemos seis milhões pelo acordo. Além das pilulas e remédios, que foram designadas para a ala hospitalar, o restante doado nos rendeu quatro milhões de moedas.
Os Anciãos e Mestres ficaram ovacionados. Essa não era uma quantia pequena, nem chegava perto. Em duas semanas, fizeram mais de seis milhões e meio.
– E o item que nós enviados para VilaVelha, Mestre Krifen?
O homem encarou Orion e depois sorriu vagamente.
– O Mestre Baker pediu que eu fizesse um preço justo, e como ordenado, nós vendemos o Sumona. Amigavelmente, ganhamos trinta milhões de moedas de ouro.
Mestre Pice e Heivor engoliram em seco.
– Trinta milhões somados com os dezoito que recebemos da última vez. – Orion não se importava com o valor em si, mas como seria gasto esse dinheiro e como poderiam dar sequência nas construções e montagens da sua cidade. – A Ordem enviou algum tipo de carta, Ancião Dest?
O valor mexeu com os velhos homens. Dava para perceber a ganância, como se aquilo fosse resolver todos os problemas dali pra frente. Seria um desperdício entregar tanto na mão de homens com olhos no umbigo.
Dest remexeu-se na almofada, ainda inquieto.
– Sim, senhor. Esse dinheiro todo tem algum destino provisório, Mestre Baker?
– Todo dinheiro tem um destino, isso é óbvio. Daremos sequência a próxima criação, e também contratar ferreiros e artesãos que possam trabalhar na vestimenta do Baker. – Havia uma lista em sua mente. – Um armeiro, uma guarnição e o posto de torres, que devem ser organizados em seis meses. Esse é o tempo que temos.
– E a muralha, senhor? – Mestre Cassiano questionou a sua direita. – Existe a necessidade de murar a cidade inteira?
– Precisamente. No futuro, teremos outros imóveis, mas precisamos reforçar a nossa atual casa ao máximo. Os Sacerdotes, os Magos e Feiticeiros sabem da nossa localização. – E Omar também. – Os Mestres da cidade ficarão responsáveis.
Mestra Keila e Mestre Abake assentiram em silêncio.
– O que nos leva para o tópico referente a família. Nós ainda somos desonrados, porém, possuímos cerca de 600 pessoas na nossa família. Somos grandes e boa parte ainda está ficando nas Caldeiras de Ilhotas, eu estou optando para trazer o restante para cá. Precisaremos de todos porque entraremos nos registros da Ordem.
Foi Krifen quem resmungou sozinho, porém, o barulho foi o suficiente para atrair atenção.
– Mestre Baker, ao atingirmos a receita de cinquenta milhões, teremos cerca de um mês para receber uma carta de convocação por parte da Ordem dos Magos. – Seu olhar vago e afiado ia contra suas palavras lentas. – Por favor, reconsidere e não vá nessa reunião.
– Irei levar seu conselho comigo. Não irei.
Os demais, excluindo Heivor e Pice, deixaram um ar de alivio escapar.
– Posso perguntar o motivo de não irem? – Mestre Pice fez questão de erguer a voz. – O ideal seria demonstrar apoio a causa de um grupo superior a sua família, Mestre Baker. O que a Ordem não pode oferecer em troca de certa ajuda? Eles ainda detém grande apoio, não é?
– Sim, eles possuem – respondeu Cassiano primeiro. – Muitos das famílias que apoiam a Ordem são renomadas no continente porque possuem um estilo de luta, possuem Tesouros Mágicos ou algum tipo de história que traga certa influência as suas quatro paredes. Nós não temos isso para dar em troca. O dinheiro que recebemos foi um trabalho coletivo, não dado por eles. E por causa disso, estamos entrando com uma limiar na Lei Familiar, onde negamos o assento em VilaVelha por distanciamento aos grupos variados.
Mestre Pice compreendeu facilmente. Ele era rápido, tinha um conhecimento bem aprofundado e também uma fácil capacidade de dialogar sem ofender os demais. Heivor, por outro lado, era completamente o oposto.
– Mestre Pice, o senhor possuí conhecimento marítimo, não é? – perguntou Orion. – Poderia ensinar alguns Baker a como navegar em águas estranhas? Sinto que será muito útil se puder nos ajudar já que iremos começar um negócio bem importante.
– Eu… posso pensar nisso, Mestre Baker. – Ele procurou seu líder. Era inevitável que Heivor decidiria o que seu povo faria ou não. Orion apenas queria deixá-los mais confortável. – Temos muitos bons homens que estiveram com a gente.
– E Heivor Lobo e Javali.
Os dois trocaram olhares nada amistosos. Uma luta, é o que ele quer.
– O que foi? – retrucou no básico tom rude. – Não vou voltar para o oceano, nem que me prendam no mastro.
Alguns deram risadas, Orion concordou com ele.
– Tenho um cargo importante que poderia interessar a você. – Orion apontou para sua esquerda. – Como pode ver, esse é Wallace Baker, Grande Cavaleiro. Estudou e treinou comigo por anos. Hoje, ele é o Comandante dos Cavaleiros Vermelhos. Preciso de alguém que seja o Segundo Comandante, que fará caminho para as Torres Eternas.
Esse nome não foi bem recebido por alguns. Dest e Rinngo abaixaram a cabeça e outros respiraram fundo. Mestre Pice percebeu a atmosfera pesada.
– O que seria esse lugar, Mestre Baker?
– Um dos poucos lugares no mundo onde a Ordem dos Magos e o Clero não podem se matar. E também, é tão perigoso que cem homens entram todos os dias, e apenas dez voltam vivos. As criaturas são ardilosas, e existe um bioma completamente novo, no meio da escuridão. Está interessado?
– Não posso responder sem conversar com meu povo.
– Uma decisão sensata. Estarei esperando até o final da semana. – Orion retornou a encarar as pessoas em sua frente. – Por último, nossa cidade recebeu um novo nome. E levará em homenagem ao Primeiro Fundador, aquele que nos deu uma casa quando não tínhamos nada.
– Keifor Baker – Dest falou rapidamente. – Isso… é uma honraria grande demais, Mestre Baker.
Keifor era um antepassado de Dest. E quando Caldeiras foi forjada para os Baker, ele mesmo deu a ideia de que fosse dado esse o nome. Orion conhecia a história, e também o fato das outras famílias, que viriam depois, negarem esse pedido.
Um homem que lutou para criar um lar seguro e próspero no meio da guerra, para homens e mulheres perdidos. Não era apenas um nome, mas um símbolo que Orion entregava.
– A partir de hoje, tomaremos início na expansão da família Baker e suas subordinadas. Os únicos que estarão em pé de igualdade, e que receberão os valores adequados a nossa prioridade será a Tribo Mestiça.
– Sim, senhor.
Apenas Mestre Pice e Heivor ficaram calados. Sem ao menos perceberem, já faziam parte dos Baker. E seria uma interessante caminhada.