Passos Arcanos - Capítulo 219
– Tudo feito. – Wallace disse assim que entrou. – Todos alocados e estão começando a trabalhar nas caças. Liberamos o mapa que recebemos do Imperador Nero e fizemos uma imensa ronda em cinquenta quilômetros.
Na nova sala de Orion, quadrada em três paredes e oval na quarta, onde um vitral foi posto atrás, dois armários foram preenchidos com seus livros e mais dois com livros de sua escolha. Esses que frequentemente fazia leituras mesmo com anotações próprias.
Um lustre bem básico no teto com propriedades de prender esferas de luz, único em toda a Primeira Casa. E uma pintura no teto, de três dragões lutando entre si.
Lia as últimas cartas enviadas de VilaVelha, riscou com a pena as três.
– Eles estão satisfeitos?
– Eles quem?
– As pessoas que começaram a morar aqui. – Orion ergueu a cabeça. – Só trazer essas pessoas não é suficiente. A aprovação de uma família vem por vários motivos, Wallace. A social é a mais poderosa. A população que vive com a gente deve ser tratada da melhor forma possível.
Wallace pareceu não ter esse entendimento, mas concordou fervorosamente.
– Mestre Keila tem servido a ouvir os pedidos e também estão acatando as ordens dadas com facilidade. Eles moravam em lugares onde passavam fome e frio, Mestre Baker.
– Pode me chamar só de Orion quando estivermos sozinhos, sabe disso.
O Grande Cavaleiro relaxou um pouco os ombros.
– Desde que assumiu esse posto, todo mundo olha pra todo mundo esperando um erro. – Foi até a cadeira e a puxou, sentando. – A pressão deve ser esmagadora.
Uma expressão azeda.
– Não é como se o mundo fosse acabar. Contanto que eu continue alimentando o desejo deles por melhora, vão estar sempre velejando no mesmo vento que eu. O que houve em Caldeiras não vai acontecer aqui, isso eu te prometo.
– E o que a gente faz quando as coisas estabilizarem? Eles vão procurar por defeitos, sempre procuram. Até mesmo meu pai é assim.
– Nós fazemos o que sempre fazemos, mudamos os parâmetros e damos sequência em outra prioridade. – Orion pegou uma carta e ergueu. – VilaVelha enviou mais de dez cartas nos últimos dois dias para que nós nos juntássemos na reunião entre famílias. O motivo disso? Temos mais dinheiro que duzias delas juntas.
Wallace viu os riscos nos papeis.
– E está negando cada uma.
– Com um propósito simples de alimentar que os Baker não precisam de nada além deles mesmo. Nascemos assim, Wallace, e os Anciãos tem esse desejo. No entanto – ergueu outra carta –, Lumiere tem o desejo de ser vista. O Norte é pequeno para alguém como ela, por isso, os Testes de Alquimia foram enviados para gente.
– E você recusou.
– Recusei? – Orion deu uma risada. – Lumiere não é uma Baker. Ela pode ir aonde quiser. O problema é como chegar até lá.
Uma jogada que Orion não tinha nada além de si mesmo para apostar. Para ir a VilaVelha, Lumiere teria que ir sozinha. Como faria isso? Teria que dar um jeito por si só.
– Quer que ela se junte a nós?
– Eu ofereci um acordo único, que nenhum outro teria. E ela está analisando. – A ponta da pena passou por cima de uma quarta carta. – Vejo nela a possibilidade de ser uma Grão-Alquimista e deixei isso claro.
– Ela só poderia ter esse título aqui?
– Dois anos seria ideal, depois disso, um novo contrato para chegar a Alquimista Sênior. – Orion deu de ombros. – Ela pode fazer a escolha dela. E falando nisso, as costureiras estão fazendo novas roupas, já se mediu?
– Nem sabia que elas estavam fazendo isso.
Orion apontou a pena pra ele.
– Como meu Primeiro Comandante, preciso que fique atento ao que está acontecendo na cidade e entre as pessoas. Vou pedir um dos rapazes para ficar responsável para te informar tudo.
Wallace agradeceu com simplicidade.
– E o que são essas outras cartas?
– Ah, essas? – Orion as empurrou para frente. – Dê uma olhada.
Ele as pegou. As cartas forma lacradas com um símbolo de livro, enviados da Ordem dos Magos. No entanto, o conteúdo era diferente do que esperava. Empresas pedindo apoio financeiro, empréstimos de algumas famílias menores e acordos comerciais com lojas em expansão no continente.
– Negou tudo? Parecem ser bons negócios.
– Só parecem mesmo. A única que estou interessado em conversar é com a família Trindade, que está sendo suprimida pelos Castelos de Espadas, na cidade de Mollen. Quero conversar com eles nessa semana para entender como estão os embates políticos e dividas que tem.
– Vai comprá-los?
Orion negou com veemência.
– Nunca compro pessoas, isso é escravidão. Estou apenas ajudando uma família pequena que pode ser mais forte com o apoio certo. E o Castelo de Espadas tem uma rixa com a família Crons. Meu amigo Martin tem um pouco de ressentimento contra os parentes, mas também pediu minha ajuda para lidar com seus inimigos.
Wallace leu o restante. A última carta foi a que chamou sua atenção. Pertencia a São Burgo, um pedido de ajuda recorrente.
– Esse aqui – mostrou a Orion. – Por que não vamos ajudar?
Orion olhou a carta e sua animação morreu. Era um pedido de ajuda por Santa Helena.
E uma coisa, não tente salvar Santa Helena, aquela cidade já morreu.
Essa frase ressoou novamente em sua mente. Omar tinha deixado bem claro que ela seria destruída, mas pensar que seria por dividas externas com outras cidades. Isso era confuso até de se pensar, mas não existia vínculos com Santa Helena.
– Foi apenas um pedido de apoio, mas não estamos em condição de aceitar. – Orion abaixou os olhos novamente para a carta que escrevia. – Seria uma perda de tempo ter que doar dinheiro para alguém que está falido apenas para vê-lo afundar com um pouco mais de dignidade.
– Uma pena.
– Não veja dessa forma. É nessas oportunidades que temos possibilidades infinitas. – Sua assinatura foram as últimas palavras que escreveu. Parou e a fechou, lacrando com o símbolo vermelho. – Precisamos de pessoas para essa cidade para a Torre na Montanha Azul, pessoas que trabalham. E posso oferecer isso a eles, um lugar para se morar.
– Viraremos um ponto de abrigo, Orion?
A ideia não parecia agradar Wallace. E nem deveria. Super lotação causaria um desconforto imenso nos que já trabalhavam em Keifor. O novo nome da cidade já tinha se espalhado, chegando até mesmo no Imperador Nero.
Agora era conhecida assim.
– O Norte é grande demais. E Nero precisa de uma cidade que não seja a capital lucrando, o que faremos aqui tem essa função. Precisamos de pessoal para funções básicas já que meus Cavaleiros Negros podem causar muito problema.
O Grande Cavaleiro apenas deixou a carta na mesa e se afastou.
– Sei que pensa muito na nossa família, mas não deixe que tudo isso – apontou ao redor –, mude sua postura quanto ao que realmente procuramos.
– Me lembro perfeitamente pelo que tenho lutado, Wallace. – Não aliviou a postura. – Por isso, tenho que ser implacável com qualquer um que esteja no meu caminho.
I
Atolado de serviço, Anneton caminhava o dia inteiro de sala para sala, ouvindo reclamações e pedidos de moradores, lojistas, empregados e também de Magos e Escolásticos. VilaVelha se enfiou num extenso conflito desde o ataque as duas torres mágicas.
Usaram explosivos na base, cedendo o prédio inteiro e os fazendo tombar. Cerca de trinta pessoas morreram e mais cinquenta ficaram feridas com as explosões. Um ato investigado pela Justiça Mágica, trazendo ainda mais caos.
Os Justiceiros, como apelidados, eram Arche-Magos de Quinto Núcleo, próximos a chegar a Grande Magos, assombravam a vida. Poderosos tanto na magia quanto na influência, tornavam-se intocáveis, independente de onde estavam.
Por conta da pequena sala, Anneton dividia uma mesa com apenas quatro cadeiras. Heda sentava em uma e Groi, o Anão, em outra. A última era ocupada por Darken Sosin, o Comandante dos Justiceiros. Sua capa negra combinava com o restante do traje de batalha por baixo, os cabelos eram puxados para trás, mais grossos, e uma barba de alguns meses crescendo.
O rosto, cheio de pesar, tinha o desprazer de ter olhos negros afiados e uma boca fina, sem o lábio superior.
– Nada no relatório aponta envolvimento de famílias – disse Darken depois de entregar um relatório para cada um. – Investigamos até as pessoas que entraram e saíram do prédio. Todas batem com os procedimentos. Uma coincidência, por assim dizer.
– Duas explosões no mesmo dia e quase no mesmo horário. – Groi ainda não se convencera do contrário. – Uma baita de uma coincidência mesmo.
Darken não se importou com suas palavras.
– Muitas pessoas querem que as coisas tenham sentido próprio para que possam agir baseados na emoção, senhor Groi. Essa aqui é uma delas.
Terminado de ler, Anneton afastou o papel.
– O que será feito, senhor Darken?
– Uma segunda apuração dos fatos, como de costume. Depois, apenas um ressaciamento as famílias que perderam seus entes queridos. A Justiça Mágica não pode doar dinheiro para a reconstrução das Torres Mágicas já que existem tantas outras com problemas, isso causaria um alvoroço imenso.
Era compreensível. Favoritismo carregava punições severas. Porém, Anneton conhecia bastante do joguete da Ordem, além do Conselho dos Doze, onde os pedidos eram incessantes e radicais, aprovados por conhecidos ou atrás de favores.
– E gostaria de dizer algumas palavras a vocês três – continuou Darken, no mesmo tom sério. – Na semana passada, recebemos duas cartas envolvendo a Ordem dos Magos e suas restrições raciais. Temos duas Leis Preventivas, como sabem, que proíbem os Humanos de participarem de qualquer grupo Elfo ou Anão fora de Hunos, e mais de dez leis que nos impedem de participar de qualquer julgamento em acordo econômico em Hemilyn ou Juntorril.
– Isso são leis antigas – Heda respondeu. – Feitas há quase duzentos anos. O que tem a ver?
– Alguém entrou com um pedido de remoção dessas leis.
Groi encolheu-se na cadeira. Atento, escondeu a mão atrás da boca.
– E por que faria algo assim?
– Houve uma alegação de que os Humanos durante todo o período da Revolução Maníaca foram prejudicados. Os Justiceiros queriam achar brechas para negar, no entanto, o Magistral Beckham leu a lista com mais de mil eventos datados. E eles estão forçando uma brecha para criar uma Lei Preventiva Racial Humana.
– E já tem algum esboço do que vai ser feito? – perguntou a Elfa, preocupada. – Essas leis protegem a jurisdição de cada raça porque houveram muitos casos de racismo. É muito…
– A questão é como os Humanos foram prejudicados, no caso, a Ordem. – Darken entrelaçou seus dedos e olhou para Anneton. – Esse pedido foi feito por uma família que vocês possuem rixa, pelo que ouvi. Os Baker.
Heda foi quem mais sentiu esse nome. Depois de perderem a Tribo Mestiça e ter um navio comprado por milhões destruído, Orion Baker se tornou um carrasco fantasma. E ali não era diferente.
O rapaz parecia estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
– O pedido dele foi simples assim? – Anneton não deixou a raiva subir a cabeça. – Deve ter algo por trás de tudo isso.
– E tem, ele mesmo mencionou na carta que nos enviou. O líder da família Baker alega que todas as propriedades encontradas em Hunos, independente de quem foi no passado, por quem foi forjado ou escrito, deveria pertencer a quem achou. E isso foi por causa do Sumona de algumas semanas.
– Um Sumona é um registro histórico – Groi falou, sua voz saindo do tom. – É uma peça importante na história dos Anões. É um dever nosso que levemos de volta para Juntorril.
– Senhor Groi – Darken piscou duas vezes, ainda calmo –, quem achou o Sumona? Quem fez esforço pra isso? Foram os Anões? Vocês estavam procurando por ele? Algum grupo de pesquisas financiado foram financiados por alguns dos seus membros? Antes que responda, o que vocês fizeram com o ‘Peitoral de Gondor’, que foi achado em Juntorril, no qual foi relatado ter pertencido a Guerra Primordial entre os Magos e o Clero?
Anneton sentiu um pouco de pena do Anão. Darken veio preparado para jogá-lo contra a parede de qualquer maneira. Essa lei seria uma faca apontada de volta para os Elfos e Anões. Heda lhe lançou um olhar, pedindo para retrucar.
A posição deixada ali era clara: os Humanos iriam parte dos seus direitos de volta.
– Essas perguntas são muito objetivas – Groi teve que pensar um pouco pra continuar. – A história dos Anões são conturbadas por violência também, mas sempre honramos nossos acordos.
– Que nos olhos de quase todos da Justiça Mágica são desvantajosas para nós. Os Baker nos trouxeram uma questão de suma importância que deve ser debatida na próxima semana, e que faremos questão de anunciar publicamente.
Darken ia deixar a reunião. Assim que abriu a porta, parou e se virou.
– Tenho certeza que a confiança que possuem sobre conhecimento é abrangente, senhores. O Conselho dos Doze sempre esteve a frente de boa parte da política que ocorre ao redor do continente, mas não se enganem quanto a ingenuidade das famílias nobres. – Houve um sorriso de canto na faca dele. – Existem pessoas que acabariam com VilaVelha se isso fosse necessário. E os Baker de trinta anos atrás eram uma dessas famílias. Uma dica pessoal, não mexam com quem está quieto.
Anneton segurou-se até aquele momento.
– Temos que temer uma família que está no Norte? Isso é uma piada.
– Piada ou não, vocês deveriam prestar atenção em quem miram suas armas. – Um outro Justiceiro apareceu na porta carregando uma carta. Darken a pegou, vendo o destinatário. – Pode ser que vocês fiquem perdidos no meio de tanta coisa.
E saiu.