Passos Arcanos - Capítulo 220
Mineração era um dos trabalhos mais complicados em questão de tempo e território. Dependendo de onde seria feito a mineração, haveria pedidos e mais pedidos. Isso tudo causava um transtorno gigante se feito por cima das autoridades.
Nesse caso, o que deveria ser feito quando se havia uma oportunidade? Compre. Acordos assinados só poderiam ser criados se ambas as partes tivessem certeza de onde estavam se metendo. E depois de saber que VilaVelha teve uma queda de 15% em rendimento monetário, com uma perda de quase 3 milhões de moedas, sua chance se mostrou certa.
A Montanha Azul, que ficava ao norte, era a única parte do território Nortenho que não pertencia ao Imperador Nero. E também a parte mais lucrativa.
– Quanto foi? – Orion questionou olhando para sua vidraça. Lá fora, via a cidade inteira e suas mecanizações. Tomar conta da sua família não era ruim, mas era uma vida bem monótona. Ter que lidar com tantas discussões, reuniões e ainda ter tempo para suas próprias questões.
Uma vida bem ríspida que daria fruto as futuras gerações.
– Fizemos uma oferta de quinze milhões, como pediu, Mestre Baker. – Dest se tornara mais educado com o tempo. Um velho desbocado do passado que passou a ter pensamentos bem otimistas para sua família.
Aquela compra foi muito questionada por ter sido em cima da hora. Gastar dinheiro com uma montanha congelada que nada traria além de problemas. Porém, existia mais naquele lugar que os olhos poderiam ver.
O Castelo de Espeto e a Ruína Congelada, dois fortes centrados, já montados, esperando apenas uma chance de serem trazidos de volta. Na visão da Ordem, aquele lugar já morreu, sombrio e deixado com seus fantasmas mortos.
O Clero havia dado um jeito de aniquilar o Castelo de Espeto, uma civilização que morava lá por décadas, até achar seu fim numa doença calorenta.
– E conseguimos?
– A Ordem é composta pela Justiça Mágica, o Conselho dos Doze, o Círculo Nobre das famílias antigas e os Anciãos de Penedo, que vivem em questões burocráticas. Tirando o Rei Masquerati, todos possuíam um pedido a fazer.
Orion balançou a cabeça.
– E fez o que pedi?
– Como ordenado, senhor. – Dest sorria. Havia confiança naquele Orion que fugia todas as covardias anteriores de todos os Baker. – O dinheiro é para compra, se queriam nossa ajuda para qualquer coisa, retirem a Lei Desonrosa.
– Era o que eu esperava ouvir. – Orion esticou os dois braços para atrás das costas. – E eles negaram, como sempre.
– Houve muita resistência, mas a Justiça Mágica nada falou. Darken é o mais alto dos Justiceiros, e pediu para passar uma mensagem ao senhor. Ele espera que possa conversar mais sobre as questões jurídicas da Lei Preventiva.
Como se eu fosse um cachorro da Ordem.
– Ele pode vir se quiser. Mas, a compra foi feita?
– Eles aceitaram os quinze milhões, e decidiram nos presentear com uma Runa de Grau Sete. – Dest tirou de dentro de sua vestimenta vermelha e a deixou em cima da mesa, recuando dois passos. – É uma boa oportunidade para irmos até a família Trindade, senhor?
– Sim. Leve esse papiro e dê a eles como um presente nosso, além de um pouco mais de trezentos mil moedas de ouro. Vai acontecer uma luta injusta em Mollen nos próximos dias. O Castelo de Espadas vai querer dominar a antiga Trindade e expandir seu território, e nós não vamos deixar isso acontecer.
A expressão de Dest se acendeu.
– Iremos a batalha, senhor?
– Apenas em tom teórico. O Jornal Continental irá deixar todos sabendo de nossa posição e auxílio. Preciso que acelerem toda forja de itens mágicos. Mande alguém comprar os melhores cavalos do Império Nevasca e traga para serem monitorados. – Orion virou-se para o Ancião. – O Castelo das Espadas não vai ter chance.
I
O único som que fluía de cima da ameia era o vento uivando, não um uivo sensato, era depreciativo. Vindo do norte, frio e cheio de mistérios, no entanto, carregado de uma presença indiscutível. Qualquer homem saberia quando a brisa vinha do norte ou do sul, era sempre por causa da sua temperatura.
E esse mesmo vento balançava as vestes de Sidromeu Trindade. O velho líder da casa Trindade possuía em cada lado cem arqueiros preparados, de arcos e linho puxados, com suas flechas prontas. Abaixo, a cavalaria montada, seus homens prestes a dar início a um conflito aberto incessante.
Sindromeu conhecia bem o que a guerra poderia trazer, mais do que seus sucessores, era o tempo de se preparar mais ainda para o futuro. No entanto, o Castelo de Espadas, do jeito que era, simplesmente se recusava a aceitar a perda.
Uma mulher não poderia mandar em seu coração. E Sindromeu não deixaria sua filha infeliz num casamento forjado apenas para manter a paz entre duas famílias. Apenas se aceitassem seu pedido de desculpas, mas tiveram que interferir no comércio, nas caçadas, nas colheitas, até mesmo suprimir seus contatos externos.
Outras famílias, como os Buns e os Crivos, não quiseram apoiá-lo por medo de serem os próximos. A cidade de Mollen poderia ser tomada nos próximos dias sem nenhum tipo de ação dada pela Ordem dos Magos, nem do Conselho dos Doze, nem do Círculo Nobre.
Ninguém queria se intrometer numa rixa tão pequena.
– É assim que eles nos veem – disse Sindromeu para si. No entanto, seus arqueiros ouviram. – Eles querem apenas manter a soberania marchando atrás de seus próprios interesses. E independente de como vamos reagir, eles já estão preparados para nós.
O Castelo de Espadas se mobilizou em quase quinhentos soldados de cavalaria e lanceiros. Não poderia haver Magos num conflito de tomada, e mesmo se houvesse, não teria como pará-los. As melhores armaduras, os melhores homens, o Castelo de Espadas forjava guerreiros que serviriam a Ordem dos Magos todos os anos, sendo que recebiam muito mais dinheiro.
Era uma batalha unilateral.
– Senhor – o jovem Daves parou atrás dele –, estamos prontos para o necessário.
– O necessário não vai ser suficiente. Conseguiram contatar os Crons?
– Não. Eles se fecharam a qualquer comunicação desde que o filho mais velho entrou em reclusão para alcançar o Quinto Grau de Arche-Mago. – Daves fechou a mão e segurou sua raiva num tremular de olhos. – Ninguém se importou com nossas palavras, senhor.
– Ficar triste ou irritado não vai mudar nada. O que importa é como se portar diante o infortuno. Poderemos ser esmagados, mas fizemos o certo. O certo é honrado, e não somos como os cachorros dos Castelo de Espadas que procuram qualquer problema para atacar os outros. – Ele mostrou um sorriso para seus arqueiros e para seu filho, Daves. – O honrado pode custar sua vida, mas a história é eterna, meu rapaz.
O rapaz o surpreendeu. Caindo de joelho e ficando de cabeça baixa.
– Foi uma honra, pai. Servir ao senhor e a todos os nossos amigos e aliados.
– É só uma pequena passagem, garoto. – Olhou para os arqueiros que esperavam, cada um deles com um sentimento diferente no olhar, mas nenhum tipo de covardia. – Eu agradeço aos senhores por ter confiado suas vidas a mim todo esse tempo.
– O senhor é incrível, Mestre Sindromeu.
– Somos gratos ao senhor por tudo.
– Forjamos nossa família aqui e morrermos por eles.
Um atrás do outro, os elogios e agradecimentos. Os ombros de Sindromeu foram pressionados com tantos homens cheios de felicidade. Ninguém queria morrer ali, mas era necessário.
O necessário custa caro.
Indo até a borda, olhou mais uma vez para o espaço reservado para aquela batalha. Seria quinhentos na linha de frente contra os seus duzentos. Até mesmo a desvantagem era esmagadora. Mas, era necessário.
Pela honra da casa Trindade, pela honra de poder viver na história. Pela vida que percorreram.
Ele ergueu a mão e abriu a boca. Outra voz soou em sua frente:
– Relatório de campo. A família Baker está enviando cerca de mil soldados para o campo de batalha. Informando a todos – um portal enorme, de quase cinquenta metros abriu-se diante os Cavaleiros de Trindade –, a família Baker está presente no campo de batalha.
O coração de Sindromeu simplesmente derreteu ao ouvir aquelas palavras. Mil soldados não era pouca coisa para se mobilizar, mas como? Os Baker deveriam vir do Norte? Como atravessaram mais de dez mil quilômetros até ali?
Eles já sabia do ocorrido?
– De que lado eles estão, senhor? – Daves se juntou a ele na ameia. – Nossa, são tantos.
Cem, duzentos, trezentos soldados. Uma leva de Cavaleiros montados, Lanceiros, Arqueiros e Magos. Havia, no entanto, Mestres de Espadas, Grande Cavaleiros, mercenários conhecidos e um punhado de figuras diferentes, enegrecidas, cheirando a mana bruta.
Invocações? Eles invocaram essa quantidade de soldados para bater no Castelo de Espadas?
– Pai, de que lado eles estão? – Daves perguntou novamente, euforico. – O que os Baker estão fazendo aqui?
Sindromeu mostrou um sorriso cheio de alivio.
– Ajudando aqueles que precisam. É o que estão fazendo.
II
– O que aqueles malditos estão fazendo, meu senhor? – Dracon berrava apontando sua espada. – Por que eles vieram para cá justo hoje?
Lorde Hallis Espada, como era conhecido, suspirou pesadamente. Ele não esperava a aparição de uma família como os Baker nesse momento. Quando o relatório chegou, ficou mais evidente suas posições.
– Eles vão nos suprimir de qualquer maneira – disse aos demais Lordes ao seu redor. Haviam três, Kael, Janne e Limso, todos Espadas. E seus três Comandantes, esperando a ordem para avançar. – Teremos que conversar com eles.
– Podemos reunir mais tropas, meu senhor – Kael falou rapidamente. – Os Baker não podem nos superar em número ou influência.
Hallis encarou o homem com fúria.
– Eu falei outra língua, Lorde Kael?
Kael recuou um passo velozmente.
– Perdão, meu senhor. Não quis ofender ou contrariar suas ordens.
– Que seja. – Aquilo não levaria a nada. – A presença dos Baker é mais do que motivo para conversamos. Eles cresceram mais do que qualquer outra família, até mesmo a nossa, nos últimos meses. Temos que ter um bom motivo para lutarmos. Lorde Janne, pegue meu cavalo, eu irei até lá.
Janne buscou o cavalo, de crina escurecida, alto e forte. E ajudou Hallis a montar. De cima do animal, sentiu o cansaço em seus ombros. Sabia que seria uma conversa nada amistosa, mas faria o possível para entrar nos termos certos.
– O que tem em mente, senhor? – Jane perguntou segurando as rédeas do cavalo.
– Estava me lembrando do que meu pai dizia quando encontrasse com os Baker em campo de batalha.
Os outros engoliram em seco. As histórias da conquista de VilaVelha e Archaboom, e as recentes no Campanário, do Desfiladeiro, de Archaboom e a destruição que ocorreu por lá. Tudo por um único homem, e o atual líder da casa.
– Fuja para o mais longe possível, foi a instrução que recebi. – Hallis suspirou ao ver aquele número de soldados protegendo um único castelo a beira da destruição. – Ou morra tentando entrar para a história. E meu pai morreu, não para um Baker. Mas de uma doença que atingiu seu rim, que irônico.
Hallis tomou a rédea e bateu fracamente, galopando adiante.
– Caso algo aconteça comigo, senhores. Não avancem ou o Castelo de Espadas será destruído. – Espero que eles não tenham vindo com essa intenção. – Lorde Limso, tome conta da casa em minha ausência. E não faça besteiras.
O velho homem com uma cicatriz na testa curvou-se.
– Como quiser, meu senhor.