Passos Arcanos - Capítulo 221
Mestre Cassiano retornou do meio da campana, trotando lentamente com seu cavalo cinzento. Usava seu antigo traje de batalha, renomado com todas as insignias que recebeu quando era mais novo, além do título de Mestre de Espada, único naquele espaço de mil soldados.
– Orion, o líder do Castelo de Espadas pede uma reunião urgente.
– Mestre Cassiano, Mestre Wallace e Heivor Lobo, comigo.
Num trote lento, os quatro fizeram o trajeto sobre seus cavalos. Orion escolheu o Guerreiro da Neve, dado pessoalmente por Nero. Um animal bruto, seguindo as leis da batalha, revestido com uma armadura leve de prata e um pequeno pano por baixo, em tom vermelho sangrento.
Todos os Baker, tirando os mercenários e as invocações de Trevas e Luz, vestiam o vermelho da família. A cor padrão da batalha, do sangue, da morte. Orion fez questão que sua família portasse esse conjunto, o antigo e renomado, em homenagem aos grandes que morreram em batalha.
E não só eles reconheciam sua força, o Castelo de Espadas também. Encontraram com Hallis Espada, o homem vivia na casa dos 40 anos, com uma face cansada e cheia de torpor, indiferente.
Um homem sem vida alguma lutando para obter mais.
Nenhum dos Baker pronunciou uma palavra assim que pararam. Hallis quem os chamou, Orion não daria respeito a ele. E foi percebido isso.
– O Senhor do Castelo de Espada saúda os Baker. Devo estar falando com Orion Baker. – Seu olhar passou pelos quatro. – Mas, não reconheço o rosto do homem que atrapalha um conflito interno.
– Mestre Baker é um título dado ao homem que rege a vida e morte da família, Lorde Hallis. – Cassiano fez uma menção honrosa com a cabeça. – É uma honra poder te reencontrar depois de longos anos.
– Cassiano Baker, a Lança Ceifadora. – Hallis imitou o movimento de cabeça. Seu cavalo mexeu-se um pouco, mas ele o aquietou. – O senhor se tornou o líder da casa? Depois de tantos, fez com que juízo entrasse na cabeça dos seus familiares?
– Orion Baker é o líder da família. – Seu braço escorregou para a esquerda. – Esse é o Mestre Baker, Lorde Hallis.
Orion sentiu-se analisado da cabeça aos pés e esperou que o homem terminasse. Não importava como se portasse dali pra frente, seria colocado como inferior de qualquer maneira, estava nos olhos de Hallis o tempo todo.
Ele não aprovava um jovem liderando uma família grande ou, pior do que isso, desonrada.
– O senhor é quem esteve a frente dos acordos e alianças esse tempo todo? Incrível um jovem da sua idade ter esse tipo de característica. – Suas palavras não coincidiam com sua face meio enojada. – Deve ter um mestre muito forte em suas costas para auxiliá-lo.
– Mestre Cassiano, Mestre Wallace e Mestre Heivor Lobo são meus mestres atuais, mas tenho outros dez que fazem o suficiente para que eu não precise estar em casa nesse momento. – Orion ergueu um pouco o olhar e fitou os soldados do Castelo de Espada. – Tenho tempo de sobra para lidar com alguns soldados e suas brigas infantis, Lorde Hallis.
Wallace e Heivor exibiram surpresa com o tom presunçoso de Orion. Eles vão se acostumar com o tempo.
– Acha que brigas entre famílias é infantil? Pode ser porque vocês começaram a se reerguer agora da desonra que receberam?
Ofender um Lorde era fácil, até porque eram todos farinha do mesmo saco.
– Os Baker não possuem inimigos a altura. Lembra dos Grinid, dos Teroy e dos Lemac? – Orion voltou a olhar para Hallis. – A história diz sobre eles. Derrotados e humilhados, mas a pergunta que faço é a mesma que sempre me questiono nos momentos mais solitários, Lorde Hallis. Qual o preço a se pagar para viver?
– Difícil dizer, Mestre Baker. Algumas famílias precisam de muito pra sobreviver, por isso respeitamos acordos e alianças, e pedimos sempre um retorno para quando são quebradas. – Hallis apontou levemente para onde os Trindade esperavam. – Por isso viemos cobrar a dívida.
– Um casamento arruinado. Esse é um motivo tão grande para causar alvoroço e destruir uma história repleta de glórias, sangue e suor?
O vento frio soprou novamente e apenas o cavalo de Hallis se moveu. Orion esperou sua resposta em silêncio e recebeu de um suspiro pesado.
– Um casamento fortificaria a aliança das duas famílias? – Orion sabia que não. – Ou seria porque os Trindade tem o terreno mais prospero para procriação de animais? O casamento tinha como base esse preceito de dividir um pouco da terra com o Castelo de Espadas, e eles cortaram esse acordo porque a filha mais velha de Sindromeu Trindade se recusava a ficar com seu filho mais velho, que também tem passagem pela Justiça Mágica como um usuário de uma droga pesada chamada de ‘Réter’.
A face de Hallis se contraiu no mesmo instante. O Jornal Continental fazia um serviço muito esforçado quando Orion pedia, seu maior patrocinador e também seu criador deveria ter as melhores cartas, mesmo que servisse a Ordem dos Magos por baixo dos planos.
– O senhor conhece bastante dos nossos acordos, Mestre Baker. – Ele segurou a rédea e inclinou seu cavalo a direita. – O Castelo de Espada pede retribuição e os Trindade se recusam a nos doar o que nos foi prometido.
– E o que vocês iriam dar a eles pela troca?
– Armas e armadura, o quanto precisassem. Um acordo sincero e legítimo.
– Para uma família que não luta na guerra? – Orion balançou a cabeça, decepcionado. – Pra mim, parecem querer passar a perna nos Trindade. De longe, metade do terreno deles vale mais do que qualquer arma, mais do que todas as suas armaduras juntas nos últimos dez anos. E diz ser sincero? O que mais vai querer falar? Que seu filho é poderoso para protegê-los no futuro?
Cassiano nada disse. Espreitava com sutileza como Orion conduzia aquela cartada, e mais ainda, como se portava diante de um Lorde nobre. Qualquer ação errada poderia levá-los a um beco sem saída, e não era o que precisavam no momento.
– Meu filho não está no catálogo de xingamentos.
– Tire ele do catálogo de amostras, então.
Frio e insaciável, Wallace não deixou de notar a postura de seu líder.
– O que acha de voltar com seus homens, Lorde Hallis? – sugeriu Orion. – Está perdendo um tempo precioso aqui já que existem outros inimigos que estão de olho em você. Os Crons são um exemplo primário disso.
Mais uma vez, Hallis e sua feição retraída.
– O que sabe disso, Baker?
– Olhe seu tom de voz, Lorde Hallis. O último que usou esse tom foi morto lentamente pelas minhas mãos. – Deixando a aura exalar, Wallace e Heivor seguiram seu chefe. A atmosfera ficou tensa, e qualquer um vendo percebeu. – Somos piores do que os Crons, acredite em mim. E apoiamos a família Trindade. Quer mesmo uma prova do que é ter minha família como inimiga?
– A Justiça Mágica seria acionada imediatamente.
– E eles seriam derrotados, como já aconteceu no passado. – Orion não cedeu. – Olhe pra mim, Lorde Hallis, não cometa o mesmo erro das outras famílias. O que está vendo atrás de mim é uma parcela do que somos capazes e eu poupei esforços para que entendesse meus bons termos em Hunos. Pise novamente nessas terras com a intenção de tomar Trindade e eu pisarei na sua com uma intenção de não deixar nada sobrando.
Hallis segurou um pouco da pressão e respirou fundo. A rédea foi puxada para trás e o cavalo se virou, ainda agitado.
– Levarei suas palavras adiante, Mestre Baker.
– De nada, Lorde Hallis. E como forma de compensar pelo casamento, estarei doando cem mil moedas de ouro ao Castelo de Espadas. – Viu Hallis parar e virar o animal. – E mais cem mil moedas para que esqueça desse casamento falho.
– Aceito sua contribuição, Mestre Baker.
– De novo, de nada.
Assistiu o homem partir e inclinou seu corcel branco de volta. Cassiano e os outros o seguiram, trotando lentamente.
– Ele é mais amigável do que imaginei – Wallace disse. – Mais do que deveria.
– As técnicas do Castelão para domar uma família sempre foram imprescindíveis – Cassiano respondeu. – Nós usamos os interesses ocultos deles para nossa causa e ainda ditamos as regras, Orion deixou claro o que aconteceria e mais ainda, o que não aconteceria.
Heivor Lobo não tinha dito uma palavra até aquele momento.
– Terminar uma batalha sem ao menos lutar sempre foi a tática mais alta que meus mestres me passavam. Nunca tinha visto acontecer até hoje, Baker.
Orion relevou o comentário.
– Eles tinham mais a perder do que ganhar. Não teriam como atrair mais aliados e também ficariam a mercê do que podemos fazer. Eles sabem quem nos apoiam porque foi espalhado depois do Baile de Vidro. Nos enfrentar sabendo que podemos superar seus números seria idiotice, Lorde Hallis entendeu isso antes mesmo de nos enfrentar. E por isso recuou com facilidade. – De onde estavam era capaz de avistar Sindromeu Trindade por cima da ameia. – Forjamos um acordo com a família que perdeu e ganhamos um aliado com a que ganhou. Essa é a tática teórica do Castelão Maníaco.
Heivor concordou em silêncio, portando-se como um verdadeiro Comandante. Wallace parecia ter ensinado algumas maneiras de se portar, e tendo visto como Heivor lutava, também o treinou em algumas poucas artes de batalha.
Precisava dos dois afiados para qualquer conflito mesmo que proteção fosse desnecessária para si.
Um Baker deveria estar em todos os pontos ao mesmo tempo que não deveria estar em nenhum.
– Irei pedir que os homens voltem – disse aos três. – Mestre Cassiano, comigo, por favor. Wallace e Heivor, preparem a partida.
– Sim, senhor.
Os dois Comandantes saíram de perto. O batalhão de mil soldados se abriu num corredor, lado a lado, saudando Orion e Cassiano. Passando no meio daquela quantidade de pessoas, focava apenas adiante, de queixo erguido e postura inabalável.
– Seu pai ficaria cheio de orgulho de ter ver cavalgando assim, jovem mestre.
Orion deu uma risada, afrouxando a postura.
– Ele ia zombar de mim.
– Isso também – Cassiano riu.
Ao chegarem nos Cavaleiros montados da família Trindade, puxaram as rédeas e esperaram. O portão atrás do forte que se dominava sua casa se abriu lentamente, e um novo corredor se abriu. Orion não avançou, apenas Cassiano.
– Levarei seu cumprimento ao senhor de Trindade – disse o Mestre de Espadas. – E direi que possuí outro assunto urgente a tratar.
– Qualquer problema me contate, mestre.
– Espadas não podem me matar, Orion. – Cassiano deu as costas. – Nem mesmo a mais afiada delas.