Passos Arcanos - Capítulo 222
Ler os livros sagrados trouxe certa iluminação para Orion. Os Nefrons causariam um alvoroço se pudessem utilizar todos os segredos que guardaram em suas páginas, mas Orion tinha certeza que se os Baker pudessem obter metade daquela glória toda, seriam ainda superiores.
O recebimento semanal chegou e outra reunião havia sido marcada. Krifen disponibilizou o quadro geral dos recebimentos, mais de dez milhões de moedas de ouro pelos Meta Navios, e outros três milhões pelas pilulas.
A muralha começou a ser montada; uma fundição adequada foi planejada pelos arquitetos do Imperador Nero e o muramento se tornou recorrente pelos dias que se passaram. O dinheiro enviado ao Castelo de Espadas se tornou uma informação aberta pelo Jornal Continental e atraiu olhares do Círculo Nobre de VilaVelha.
Os Trindade receberam uma carta de visitação dos Baker e atravessaram um portal desenhada e orquestrada em papiro. Orion recebeu Sindromeu, Daves e Raven, a filha que recusou o casamento com o Castelo de Espadas.
Por um longo dia, trataram de conversar sobre politica, economia e planos futuros. Orion abriu o jogo sobre o futuro dos Baker e o apoio que possuíam pelas costas, além de ajudarem os Trindade a se sobreporem a ruína que se enfiaram com acordos genéricos com outras famílias.
– O Círculo Nobre foi pago – disse aos três. – O custo externo da família Trindade é zero. Foquem em se aprimorar, e caso precisem de alguém para ler seu contrato, temos cinco Mestres para isso, Lorde Sindromeu.
O homem nunca tinha sido tão bem recebido e ajudado. Uma dívida de quase meio milhão de ouro sendo paga de forma leviana. Orion tinha feito um corte gigante em suas preocupações, e só pediu o apoio aos Baker, não precisando ser publicamente.
O plano de Orion não precisava ser partilhado no ato, mas uma família pequena como Trindade, tendo uma história boa e recomendações de Mestres e Anciãos, era necessária para vender os minérios da Montanha Azul e os ingredientes da Torre Eterna, no qual Wallace e Heivor iriam nos próximos dias.
E no meio daquela imensa conversa, uma nova e importante informação chegou. A Justiça Mágica aprovou a Lei Preventiva Racial que inibia qualquer Sumona ou Receita de serem entregues, caso fosse achado em território Humano.
– Terei que partir por agora – disse aos três assim que terminou de ler. – Peço perdão, mas é uma questão urgente.
– Claro, Mestre Baker. Vamos esperar seu retorno.
Sindromeu soube depois de alguns minutos sobre essa nova lei e também quem entregou, sendo o próprio Orion Baker. Uma jogada que lhe dava capacidade de assumir qualquer item mágico ou registro história valioso para si.
E admirou sua inteligência.
– Ele está criando seu próprio império jogando com a carta da Ordem dos Magos. – Deu uma risada, bem aliviada. – Sorte a nossa termos sido escolhidos, meus filhos. Os fracos são apenas fracos por não terem uma base, e a nossa casa irá ascender a partir de hoje. Temos que nos portar melhor a partir de agora.
– Sim, senhor meu pai.
Do outro lado, Orion havia entrado em sua sala rapidamente para travar no lugar. De costas, mexendo em algumas cartas, um parente seu, muito tempo deixado para ser curado. Ao virar o rosto, a cicatriz deixada pela tortura e um novo olhar, mais frio e cinzento.
– Saúdo o Mestre Baker.
Tito se curvou com as duas mãos unidas em frente ao peito.
Orion apressou seu passo. Se aproximou e o abraçou fortemente. Aquele maldito estava bem, em perfeito estado.
– Quase dois meses sem notícia sua – disse com pesar. – Aquela mulher não me deu nada sobre sua saúde. Merda, por que não mandou nenhuma carta, idiota? Ficamos preocupados demais.
Os braços de Tito se juntaram as suas costas, apertando-o.
– Ela não deixou. Disse que alguém poderia interceptar as cartas. Mas, estou bem, olhe. – Se afastaram, Tito abriu os braços e afastou as pernas. – Praticamente inteiro. Os Sacerdotes não iriam me matar nem se eu fosse duas vezes mais fraco. Ainda sou um Baker, um dos Cães Imortais.
– Tem que ser imortal mesmo pra voltar vivo daquele lugar. – Orion limpou os olhos com as costas da mão. – Está com fome? Precisa de um banho ou roupas novas?
– Vou me arrumando aos poucos. Procurei por Wallace também, mas não o encontrei. Mestre Cassiano disse que ele partiu com um tal de Heivor Lobo e Javali. – Fez uma cara confusa. – Não conheço esse, mas dizem ser parte da nossa família agora.
– Um membro temporário que está apenas se ajeitando sob a nossa asa. Se eu soubesse que você ia voltar hoje, teria pedido para esperarem uns dias. – Orion deu a volta na mesa, puxando uma carta já lacrada e jogando para a esquerda, onde um pequeno portal cinzento se abriu e fechou com o envio. – Eles iriam querer um suporte adequado.
– Eu teria ido, mas a doutora pediu pra dizer que ela ainda tem um pedido a fazer.
– E qual seria?
– Ela quer a cabeça de uma pessoa chamada Van Glory Saer.
Orion abaixou as duas mãos a mesa. Ela conhece bem o continente pelo visto.
Não era incomum também. Pelo processo de cura, além de viver sozinha, deveria ter sido uma mulher incrível mais jovem. Se esconder no norte tinha seus motivos. E Van Glory Saer era um dos poucos curadeiros renomados da Ordem dos Magos que se dizia ter dominado todas as junções anatômicas.
Ele era poderoso no ramo da Medicina Arcana, vários livros já tinham sido publicados em seu nome e Orion leu alguns. Matá-lo seria arriscado, ainda mais para alguém que tentava restruturar a família.
– O que ela disse sobre essa pessoa? – perguntou a Tito.
– Apenas que ele deveria ter sua cabeça numa estaca, então ela terá sido paga. Uma vida por outra, ela sempre repetia isso depois de voltar das caminhadas noturnas.
– Por acaso descobriu o nome dela?
– Não. – Havia certo desaponto. – Ela nem mesmo falava comigo direito. Apenas dizia frases prontas, como se fosse algum tipo de mantra.
Orion respirou fundo.
– Uma vida por outra.
O fraco brilho do sol finalmente escapou das nuvens, adentrando a vidraça da sala, clareando a mesa e aquecendo suas costas. Orion pensou nas possibilidades e do risco, mas sua mente seguiu por outro caminho, contatando Jito Kpo.
– Tem seu alvo – disse Orion. – Van Glory Saer. Leve o tempo necessário.
– Uma semana será necessário, senhor.
Orion ergueu a cabeça e encarou Tito.
– Considere feito. A senhora ouvirá sobre a morte de Van Glory Saer ainda essa semana.
As sobrancelhas de Tito se cruzaram e assentiu com dificuldade.
– Desde quando você tem tanta certeza das coisas assim?
– Meu papel como líder da casa é ser assim. E com a sua volta, tenho como resolver mais alguns outros problemas. Como está seus disparos? Vou precisar deles.
– Eu ainda sou o mesmo. Me diga o que quer caído, e trago de volta com ou sem vida.
Orion deu uma risada.
– Gosto disso. Conhece o Castelo de Espeto?
I
O Oceano Congelado tinha suas criaturas marinhas recuadas bem ao fundo. Nunca iriam enfrentar uma besta mais forte, mais poderosa e mais ousada do que elas. A vista de cima, na encolha da escuridão, admiradas pelo imenso Dragão que nadava fervorosamente de um lado para o outro.
Os dias de Carsseral se limitavam a nadar e voar, independente para onde. As vezes, ficava semanas debaixo da água, indo para onde as tempestades assolavam o oceano. Para os tufões e redemoinhos, se divertindo ao ver criaturas menores tentando fugir.
Ele gargalhava em rugidos, misturando seu divertimento com os trovões e relâmpagos. Saltitando para o meio do oceano, onde até mesmo as antigas e maiores criaturas das fossas recuavam sobre sua presença.
E no dia de seu repouso, ao voltar a costa, sentiu-se observado. Poucos lhe tiravam esse desconforto. Mais ainda sendo um bípede.
– Fez uma boa travessia, Carsseral? – a voz chegou a ele, mas não encontrava a fonte. – Está descansado ou tenho que esperar que se recupere para te capturar? Fiquei meses te esperando, mais do que deveria. A paciência recompensa os resistentes.
O branco, o gelo, nada estava fora do normal. E aqueles olhos não saíam de cima de Carsseral. Mesmo na costa, ele poderia pular para dentro do Oceano Congelado e seguir para o fundo. Duvidava que qualquer humano o seguisse tão descuidado.
– Está pensando em como fugir de mim? Não seria a primeira vez, não é? Parece que minha voz mudou desde a última vez que nos vimos. Fico triste por não me reconhecer, eu que sempre admirei a raça dos Draconianos.
Alguém que o reconhecia. Na história, poucos conheciam seu nome e poucos viveram depois de enfrentá-lo. E a habilidade dos que sobreviveram sempre foram um problema.
– Claro, eu fiquei decepcionado ao saber que se aliou a um Baker. Entregou metade do seu núcleo apenas na chance de ver novamente sua casa. Posso contar porque depois de hoje, você vai voltar a ser uma lenda. A Cidade do Céu foi destruída há cerca de cem anos, e por mim.
O coração do Dragão estremeceu.
– Diga-me quem você é, humano.
Em seguida, ouviu uma risada.
Sua visão embaçou completamente e seus músculos travaram. Nem sua garganta funcionava direito. Seu corpo se tornou nulo, e sua mente foi fechada no mínimo. Antes de se silenciar completamente, Carsseral lembrou-se do homem que um dia derrotou inúmeros membros da sua casa sem mexer um músculo.
O Papa Oculto.
No último segundo de sua consciência, ele liberou a onda de mana de seu núcleo. Eu vou morrer agora.
– É uma pena que eu precise do seu sangue, Dragão de Prata – a voz soou em sua mente. – Se não fosse por um bom propósito, eu até te domaria para ser meu. Mas meu irmão precisa de você.
Desgraçado, maldito desgraçado.
Seu coração começou a parar, diminuindo os batimentos. Sentiu o calor do seu corpo ir embora, e a frieza penetrar suas escamas, atacando a pele e os músculos. Petrificado no lugar, seria uma morte rápida.
Assim que o Papa Oculto trabalhava. Responda a sua pergunta, as suas provocações, apenas uma única vez, e todo o seu ser é domado. Uma das Magias Únicas mais perigosas que existia. E Carsseral não lembrou-se dele.
Fui idiota. Que Dragão esqueceria daquele que domou seus irmãos e os fez de tapete? Eu fui humilhado pelo passado.
– E pensar que você teria ajuda.
Ainda não estou morto? Focou em seu interior. O núcleo girando tentava ser consumido por uma onda de escuridão, apenas ali seu fim era inevitável. Entretanto, a havia outro borrão, que barrava seu avanço.
O que é isso?
– Você realmente pediu ajuda de um humano, Carsseral?
Um par de olhos se abriu acima do núcleo mágico. Olhos que Carsseral reconheceu de imediato.
Ele está me observando. Aquele humano.
– É tarde demais – disse o Papa Oculto. A escuridão tomou mais forma ainda, penetrando as camadas defensivas, próximas demais do núcleo. – Carsseral e seu sangue serão meus.
E sua vida será minha, Jaimes Harrigan.
A voz penetrou a camada negra e a expulsou por metros. Um segundo brilho protegeu seu núcleo. Seu coração também acelerou, voltando a sentir sua própria presença.
– Orion Baker – Jaimes Harrigan falou com raiva. – Eu vou matá-lo também.
– Espero que esteja pronto. – Os olhos de Carsseral abriram-se. Ele avistou novamente o terreno congelado se expandindo até o horizonte e a costa com águas cristalinas. E o ponto vermelho, flutuando um pouco acima do solo, com suas duas mãos atrás das costas. – Porque eu estou meses sem me aquecer decentemente.