Passos Arcanos - Capítulo 224
Monique e os Bispos observavam a luta de Orion e Jaimes a distância. Rudolf era o único com seus olhos fechados, sentado e com sua atenção em outro plano. A Arte Divina da Criação era diferente das outras, usada apenas por alguns mais velhos e experientes. As Cobras Marinhas que mordiam e enroscavam em Carsseral era seu fruto e estavam dando certo.
– O Dragão está enfraquecido – disse Darius, mais contente do que quando chegou ali. Ele odiava o frio. – Teremos o sangue Draconiano a qualquer momento. Se preparem para partirem diretamente para o Papa.
– Ele está realmente tendo certa dificuldade contra aquele garoto – comentou Ramos, entorpecido. O velho jamais presenciou um Papa Oculto ou um Cardeal ter tanto problema quanto um inimigo da Ordem. – Entendo como o Círculo de Lumos foi dizimado.
– Enfraquecido, mas não dizimado – reagiu desgostoso Darius. – Tiveram azar de encontrar esse moleque anormal. Um Baker nem deveria usar magia, pelo que Monique nos disse. E agora estamos vendo o motivo disso.
Monique nada disse quanto os comentários. Conhecia bem Orion e suas antigas jogadas. Os braços leves e movimentos alternados, o jogo de pés que deixava seu inimigo perdido e um sorriso debochado que tirava qualquer um do sério.
Antigamente, ele tentava atrair Monique para sua armadilha. Lutar abertamente usando novas aberturas e esperando as brechas. Ele não conseguia vencê-la, as lembranças eram boas. Vezes atrás de vezes, o garoto sem núcleo era derrotado, no entanto, existia algo que Monique admirava muito.
– Não se pode usar o mesmo movimento duas vezes contra ele – sua voz saiu alta.
Darius e Ramos a fitaram.
– Como assim?
– A memória de Orion Baker é diferente das outras. Ele pode gravar e assimilar qualquer coisa que observa uma única vez, por isso pôde conjurar a Caixa de Pandora, uma Arte Divina. – Monique olhou para os Bispos. – Se vamos matá-lo, precisamos usar uma magia que o dizime porque se ele conseguir recuperar a consciência, ficará mais forte. Essa é sua habilidade principal.
Essa informação causou imenso desconforto nos Bispos. Monique sabia dela desde o começo, mas achou que seria melhor não comentar na reunião. Qualquer ação tomada contra Orion deveria ser cautelosa, mas Carsseral era a prioridade.
Estavam ali por ele, não pelo Baker.
– Devíamos ter falado isso para o Papa desde o começo – Darius ficou irado. – Por que não disse nada?
– Foco, Bispo. – Ignorando sua reação explosiva, Monique voltou a fitar a luta. – É só uma questão de tempo para que ele seja morto. – Assim espero. – Quando tivermos Carsseral, o Baker não vai ser nada. Atualmente, ele apenas pode usar magia por causa do núcleo compartilhado. – Ou tem mais alguma coisa que ele esconde?
Eles, então, viram que Orion foi informado de Carsseral e Jaimes Harrigan usou aquele espaço curto de tempo para puxar os relâmpagos e criar um golpe direto. E Orion agarrou os dedos dele como se não fossem nada.
– Esse rapaz é um monstro. – A boca de Ramos se abriu. – O golpe do Papa Oculto foi parado.
– E não vai poder ser usado novamente. – A situação ficava mais complicado a medida que o tempo passava. – Temos que nos apressar. Ele sabe do Dragão. – Monique virou-se para Rudolf e foi até lá, sentando e tocando sua perna. – Mestre, use minha mana.
– Não é necessário. – As costas de Rudolf ficaram ensopadas de suor e sua testa avermelhada. – As escamas foram cortadas, ele já foi envenenado. Precisamos apenas esperar para que surta efeito.
Monique suspirou. Ainda é lento demais.
– Merda – ouviu de Darius. – Que magia é aquela? Ele acertou o papa e o jogou quase uma centenas de metros para dentro de um portal. Monique, ele está olhando pra cá.
Ramos foi quem se mexeu primeiro. O Bispo esticou diversas linhas afiadas no ar e bonecos de pedra se moldaram, como marionetes. Num avanço rápido, ele mirou em Orion. Isso não vai funcionar, ele não está mirando na gente.
No meio do caminho, as linhas e as marionetes se dissolveram do controle de Ramos. Estático no lugar, ele não soube o que aconteceu. Monique engoliu em seco. Se ele tiver uma Magia Única, vai ser difícil.
– Consegue – anunciou Rudolf atrás. – Tenho meio litro de sangue do Dragão de Prata. Podemos voltar.
– Agora é tarde. – Uma runa cresceu nas mãos de Orion Baker e ele colidiu contra o solo. – Esse é o movimento dele.
– ‘Gi: Inversão Continental’.
Os Bispos ficaram chocados.
– Essa é uma magia de Grau Sete – disse Rudolf. – Como ele consegue?
O chão começou a tremer. Um tremor que repercutiu não somente naquela costa, mas que balançava também as terras mais distantes. Tanto no mar quanto em terra. As Terras Fluviais receberam a vibração constante.
E estava sendo produzida por aquele homem. Monique o observava, com admiração e temor. Os olhos, a aura, a presença dele. O antigo e jovem Orion Baker sumiu, mesmo depois de salvá-la da Caldeira de Ilhotas, Monique queria acreditar nas suas lembranças.
Ela foi ferida da última vez, humilhada, e mesmo assim, uma parte de seu coração acreditava na possibilidade, aquela pequena e ínfima possibilidade, de ter o sorriso puro de quando eram crianças.
Aqueles olhos não eram de um garoto, eram um de um homem destemido, determinado. Alguém que iria contra qualquer um que interferisse em seus interesses. O antigo Orion Baker se foi.
– Ele nunca existiu – a voz ressoou em sua mente fortemente.
Preciso deixar aquilo pra trás.
Monique respirou fundo e ergueu a mão, imitando o mesmo movimento de Orion, e uma runa apareceu em sua palma.
– ‘Gi: Inversão Continental’.
Num baque surdo, sua palma criou um novo tremor que balançou metade das terras nortenhas. Os dois encaravam-se de distâncias longas, o fulgor emergindo em seus corações. Cada um deles envolvido nas suas próprias ramificações ideológicas.
Antes amigos, agora inimigos.
– Isso não é suficiente – Orion berrou. A costa inteira simplesmente se inverteu. Uma imensa quantidade de água salgada mudou de posição, sendo jogada para o céu, e no meio dela, Carsseral e as vinte Cobra Marinhas gigantes.
Monique e os Bispos foram pegos de surpresa. A jogada de Orion não era atrapalhá-los, foi trazer o Dragão Prateado de volta a superfície.
E sem parar, Orion esticou o braço para sua esquerda. Um imenso portal cinzento apareceu, e de dentro cavalos trotavam furiosamente para fora. Os Baker apareceram em suas montarias, com placas de ferro protegendo os corpos e espadas e lanças em mãos.
Monique também não esperava por isso.
– Protejam Carsseral – ouviu Orion gritar aos demais. – Destruam as Cobras e tire ele de lá.
– BAAAKER. – Outro grito furioso veio de cima. Monique avistou a volta do Papa Oculto completamente diferente de antes. – Eu vou ter sua cabeça.
I
Orion deixou que os Anciãos avançassem e se virou contra Jaimes Harrigan, novamente. Havia enviado ele para longe usando a Palma do Inverno, e ganhou tempo para tirar Carsseral debaixo da água.
Precisaria de ajuda para ganhar aquela batalha, e se usasse seu Batalhão Negro, seria arriscado por causa das magias. Colocaria muitos da sua família em perigo. A desvantagem ainda era dos Baker, por não poderem usar magia.
Isso lhe deixava furioso.
– ‘Arte Divina: Toque dos 13 Deuses’.
Um imenso surto de energia se libertou de Jaimes. Orion abriu a boca e foi acertado sem ao menos ver o que aconteceu. Suas costas afundadas no gelo, seu braço direito preso e o esquerdo puxado pra cima.
Jaimes pousou violentamente em cima dele, afundando ainda mais.
– Eu tive que usar o poder dos deuses. – Os cabelos de Jaimes mudaram de cor, ficaram avermelhados, labaredas lambiam suas sobrancelhas, e chamas de todas as cores flutuavam de seu peito e ombro. – A Arte Sagrada contra um rapazinho. Mas, vai ser suficiente, afinal você é o Homem que Conjura as Estrelas.
Estava preso. Os dois braços. Ele não ia conseguir desviar de maneira usual. O punho cheio de mana subiu e o céu trovejou em resposta. Um golpe direto e seria sua morte. Um sorriso, estranho sorriso, crescido.
– Morra, Baker!
– Símbolo de Intangibilidade, aplicar.
Seu dedo virou-se para sua cintura. Sentiu-se leve, sem massa comum. E o golpe de Jaimes desceu como uma marreta. Ele atravessou seu corpo e golpeou o gelo, explodindo as rochas e criando um furo que ligava as águas do Oceano Congelado.
A face do Papa cheia de choque. Seu braço atravessou o corpo de Orion Baker sem atingi-lo.
– Como você…?
– ‘Fike: Impulso do Soberano’.
Um chute no estômago. Jaimes voltou aos céus girando.
Orion se moveu no espaço como um fantasma e chegou mais rápido que o Papa. Seu corpo se materializou, e seu punho já estava preparado. A quantidade de Mana que fluía daquele homem, mesmo que dada pelos deuses, ultrapassava qualquer linha de lógica.
Transbordava como água, energizada como fogo, bruta como a terra e leve como o ar. Orion não podia deixar de ficar impressionado, era um poder diferente do que estava acostumado a vivenciar. O Arcanismo Comum não chegava perto dessa neutralidade, havia uma outra área, uma que esteve treinando naquele ano com Carsseral.
Está na hora.
– ‘Dobra Elementar’ – gritou.
Jaimes se virou. Sentiu imenso nervosismo ao observar a mana do rapaz sendo modelada e surgindo ao redor dele em um impulso. No instante seguinte, chamas vermelhas apareceram livremente e se uniram ao membro direito.
Teve que espelhar sua própria mana e um brasão de água se formou diante seus dois braços.
O soco de Orion o lançou de volta para o solo, mas não o afetou em quase nada. Conseguiu permanecer de pé, e olhando para seu escudo, feito as pressas, viu a quantidade de trincados e rachados espalhados pela superfície.
– Ele conhece a Natureza Arcana – disse para si. Buscou o seu inimigo no céu para vê-lo descendo em alta velocidade. – Isso não vai a lugar nenhum assim. Eu só preciso de um dos dois.
Sua mana não aguentaria um combate contra o Homem que Conjurava as Estrelas por mais de uma hora. As histórias contavam sobre aquele que podia absorver a energia do universo e dar a si próprio sem nenhum tipo de consequência tardia.
O inimigo evitado e o aliado procurado – uma figura imposta no mundo para quebrar as leis. Jaimes Harrigan não poderia ir adiante sem usar toda a sua força, o que estava fora de cogitação. O Papa Branco não aprovaria, metade daquelas terras seriam destruídas.
Sem um lugar para viver, qual o motivo para a guerra?
– Farei como me pediu, irmão. – Jaimes acendeu ainda mais as chamas ao redor de si, fluindo para uma cor esbranquiçada. – Mas, vou matar esse broto para que não seja uma pedra para você. É o que eu acredito.
As chamas brancas se misturaram com negras pétalas brotando do solo. Jaimes liberou um imenso rugido que balançou o ar até os Bispos. Orion desceu sem se importar e esticou o braço para trás, abrindo a mão.
– Guie-me na luz.
As nuvens brilharam e um relâmpago emergiu até ele. Com a pele nua, segurou o imenso raio azulado e aumentou sua velocidade ao solo. Jaimes o recebeu com um soco cruzado cheio de trevas, e rotacionou ao redor dele. Encarou o outro lado do campo e viu Carsseral ainda preso.
Girou mais uma vez se esquivando e usou o relâmpago, lançando-o.
Jaimes previu e se pôs para o lado.
– Péssima mira.
Cambalhotas para trás, Orion pisou fortemente no chão e blocos de pedras se elevaram. Conjurando o ar ao redor de si, disparou mais de dez em frente. Com saltos e giros, o Papa Oculto saiu daquela enxurrada e gargalhou.
– Isso é tudo o que você tem?
Outra vez, Orion puxou todo o ar que tinha nos pulmões e estufou o peito máximo que pôde, converteu a mana em elemento e disparou um esfera de fogo quase de quase cinquenta metros. E apontou o dedo direito para ela.
– ‘Somat: Guia do Destino’.
A esfera se comprimiu e desapareceu no meio do caminho. Num passo, o Cão Imoral surgiu em frente de Carsseral. Seu dedo foi mirado para cima.
Jaimes e os Bispos ficaram alarmados. Ele simplesmente atravessou a costa congelada em um segundo, ficando diante de Carsseral.
– Libere.
Somente naquele instante, Jaimes Harrigan entendeu o que seu adversário produzia. Não estava mirando as magias nele, e sim nas Cobras Marinhas controladas para suprimir o Dragão Prateado.
Os relâmpagos, as rochas e as esferas de fogo ficaram cara a cara com os corpos escurecidos e escamados. A explosão surtou em gritos e gemidos por todos os cantos, mais de seis Cobras foram mortas e desapareceram na hora.
Sua mana foi libertada no ar e Orion esticou o braço para frente. O Sol Negro apareceu, puxando-as lentamente.
– ‘Arte Divina: Prisão Maníaca’.
Orion virou-se para a voz. Monique usava uma estranha magia para paralisar a sua sucção. Depois de tanto tempo, ela ainda podia contrariar seus movimentos e antecipá-los com apenas uma rápida observada.
Nem mesmo o Papa reagiu tão rápido, mas Monique lhe deu tempo. Jaimes voou para cima dele, mais furioso do que antes.
Ele está em um nível acima do meu e Monique pode me parar a qualquer momento. – Orion encarou seus parentes lutando arduamente contra os Bispos. Os Anciãos eram velhos e enferrujados, Mestre Cassiano não daria conta de todos eles apenas com sua espada. Seu pai ainda tinha um problema grave nas pernas.
Inexistente a vantagem numérica e moral.
– Eu não trouxe eles para morrer. – Sua mente trabalhou velozmente enquanto Jaimes se aproximou e sem recuar, se deixou ser agarrado. Os dedos do Papa envolveram seu pescoço e o lançaram contra o solo, e uma crista congelada emergiu selando seus braços e pernas.
– Você não tem mais nada para usar, Baker. – A voz de Jaimes era uma mistura de treze tons diferentes, tristes e raivosos, melancólicos e risonhos. Sua face era uma gosma que se transformava velozmente em outras. Seus olhos carregavam dor e esperança ao mesmo tempo. – Os 13 Deuses estão comigo.
A mana de Orion começou a se dissipar velozmente. O gelo não só paralisava, também sugava a sua. E com Monique criando uma imensa barreira para que ele não se recuperasse, estava destinado a perder ali.
– Se é difícil usar magia contra um Baker, imagina uma família inteira, Jaimes. – A última cartada de Orion para sobreviver, conjurou uma runa imensa que englobou Carsseral, os Baker, os Bispos e metade da costa congelada. – ‘Magia Arcaica: Mundo Espelhado do Mago Theodoro’.
Quebra, fragmentos espelhados. Jaimes olhou ao redor, apreensivo. O chão dobrou para os lados, movendo-se vivamente, refletindo sua imagem dentro da cratera formada por ele. E não somente ali, o espaço inteiro deformado, tanto a terra, quanto o ar e o oceano.
Espelhos distorcendo uma parte da realidade, uma magia incrível e fora da norma. Orion não se importava em mostrar suas verdadeiras cartas, não contra um inimigo formidável. Era agora ou nunca.
– Baker – gritou mais alto do que qualquer rugido que Carsseral ou as Cobras Marinhas pudessem sobrepor. – Como líder da família Baker, eu ordeno que utilizem suas magias. Salvem Carsseral, custe o que custar. Eu me responsabilizo por tudo a partir daqui.
Monique abriu a boca. Darius e Ramos batalhavam contra dezenas de Baker ao mesmo tempo, tendo derrubado muitos pelo caminho. Entretanto, Monique desfez a magia de ruptura de mana, conjurou ‘Laço Gosmento’ e arremessou contra os dois.
Darius defendeu um golpe de Cassiano Baker e desviou de mais dois. O velho era forte e rápido pra alguém da idade dele, Cassino tinha sido um monstro no campo de batalha, vinte anos atrás, e ainda carregava a aura do Ceifeiro.
Mesmo uma espada fica enferrujada. Lutar contra vinte Baker e ser forçado a recuar era digno de bravura. A família que nunca se rendia realmente deveria estar na história como uma das maiores. Para Darius, ainda que fossem fortes, perdiam pelo fator mágico.
Isso até aquele grito.
Viu a expressão de Cassiano mudar da água pro vinho, como se as leis que o impediam por longos anos sendo descartadas como lixo. Os olhos violentos, e a aura englobada por puro ódio e vontade. O brandir seguinte de sua lâmina foi diferente.
A cor avermelhada subiu pelos pulsos, unindo-se a espada e ao pulso. Num corte seco pra baixo, Darius abriu sua boca chocado. Foi naquele pequeno segundo, sua morte havia sido entregue como um presente.
Algo pegajoso o tocou por trás e o puxou. Levado a recuar, assistiu uma dezena de espadas repetindo a ação do Mestre de Espadas.