Passos Arcanos - Capítulo 226
– Jamais.
O Sol Negro bombardeia as veias. A sucção aumenta em duas vezes, o poder concentrado de seu corpo emerge numa vontade incessante cheia de adrenalina. Mesmo sendo acertado no peito e no rosto por Jaimes, seus olhos não perdem a soberania.
O Papa, ainda o acertando, fica incrédulo. Aquele rapaz não desistia por nada, nem mesmo a beira da morte. Ele aceitava esse destino por si só. Eles são todos assim?
Orion, então, se move e usa os dois braços no rosto de Jaimes Harrigan. Pego de surpreso, os dedos do Baker afundam sobre sua pele. A Arte Divina que atuava sobre seu peito parou de transbordar mana, sendo puxada.
Jaimes acertou mais dois socos. Tentava se libertar, gritava com dor. A quantidade que era transportada de um recipiente para o outro lhe deixava fraco. Seus cabelos em chamas pulsaram ao normal, falhando em se manter.
– O Cão Imortal nunca morre – ouviu dentro de sua mente. – Ele nunca se entrega.
Mãos negras surgiram do solo e agarraram Jaimes. Orion passou por dentro dele e começou a embaralhar os passos para a magia de Monique. Suas pernas não queriam funcionar completamente, os danos em sua cintura, a soma de todos os ferimentos, isso pesava em seus passos.
Monique o encarou de cima, indiferente, apontando seu dedo para outra direção.
– Mesmo que queira, só você não pode vencer todas as batalhas – disse ela. – Assim como sua falha é proteger todas as pessoas da família, também é não ter apoio delas.
Uma chuvarada de disparos vermelhos clareou o céu. As nuvens foram dissipadas pela infinidade de pontos vermelhos, e descendo em alta velocidade.
– Você não pode vencer – continuou Monique, indiferente. – Todas as suas cartas foram usadas, não sobrou nada que possa surpreender o Clero. Eu vejo através de você.
Atrás de si, Orion percebeu que Jaimes estava prestes a se libertar mais uma vez. O Papa Oculto tinha sido seu inimigo mais poderoso até o momento, e aquela breve sucção lhe rendeu um pouco mais de mana bruta.
Os Anciãos ainda eram bombardeados com as centelhas de raio e mais uma chuva iria cair em cima dele.
– Orion – ouviu distante. Encarou Wallace e Heivor correndo com dezenas de pessoas atrás. – Deixe Carsseral pra gente. Foque nesses dois.
– Não vai adiantar – a resposta de Monique foi junto do abaixar de sua mão. – Fugir agora de mim é impossível.
As últimas mãos negras se dissolveram pelas chamas de Jaimes e ele girou furioso. Seu rugido fez Orion focar mais uma vez. Haviam apenas dois pontos que necessitavam de correção, uma verdadeira aula de poder e conhecimento.
Uma aula que dependia de figuras diferentes em momentos diferentes, reunidos em um só homem.
Num passo, Jaimes chegou até ele e seus dedos se tornaram garras. A mana exalada lhe deixava quase cem vezes mais forte, cada ataque seu poderia derrubar mais de vinte Mamutes Mutantes. Brandiu em frente.
– Sua cabeça é minha, Baker – o grito soou bem em sua frente. – Os dois são meus.
Uma mão se ergueu e os dedos dos dois se entrelaçaram. A pressão arrastou Orion pelo chão, ainda de pé. Mas, enfincando seu calcanhar no chão, conseguiu travar o deslize antes de chegar nos prédios de pedra.
Jaimes tentou o outro braço, mas Orion o segurou também, com uma careta de dor.
– Está no seu máximo – disse o Papa Oculto, divertido. – Se sinta orgulhoso, depois de tantos anos, você se mostrou o mais forte entre todos que já enfrentei. Até meu irmão aprovaria que sua morte fosse banhada aos Treze Deuses, mas não posso arriscar. Seu caixão é aqui.
– No gelo?
Jaimes sentiu uma diferença naquela fala. Os dois disputavam forças, mas o Papa não conseguia avançar mais. Suas pernas produziam tensão, mas o gelo deslizava abaixo de si. Procurou ajeitar a postura, ainda não funcionando.
E Orion mantinha-se sereno.
– Minha família não precisa de ajuda – disse Orion Baker. – Nós já fomos enterrados muitos anos atrás, nas Caldeiras. Hoje, independente de quem seja, nossos inimigos morrem.
Ele puxou Jaimes para perto, desvinculou-se do aperto e as duas palmas golpearam acima do peito.
– ‘Somat: Palma do Inverno’.
Jaimes adentrou um portal e começou a cair. Mais uma vez, se viu acima das nuvens, mas não recobrou-se da posição. Um clarão invadiu a lateral de sua visão e girou no próprio eixo. As flechas de Monique desciam em sua direção.
E sentiu um aperto no peito. Ele me aplicou um Símbolo, igual antes. Qual?
De repente, a infinidade de magias que sobrevoa quase toda a Costa Congelada alternaram seu voo. Começaram a descer para onde ele estava.
Orion respirou fundo do chão.
– Símbolo de Incrustação, aplicar.
‘Capacidade de dar ao objeto uma marca pessoal, independente de qual seja.’ Os Mestres Anões usavam o símbolo para marcar suas armas e runas, assim nenhum outro teria acesso a mexê-las, o que funcionava muito bem se algum incherido quisesse alterar, como Orion.
Viu Monique apontar sua mão velozmente para o Papa afim de contrariar o símbolo. Ela é a única que poderia me derrotar nisso, mas hoje não.
O Sol Negro banhou-se pela pele, do pulso ao pescoço, mirado para ela.
A mana ao seu redor, foi onde Orion mirou, deformou-se numa bolha de vácuo. A mana expeliu-se e recuou para Monique, depois a segunda e terceira. Ela olhou para as próprias mãos, sem entender, e depois para baixo, em sua direção.
– Por que continua tão teimoso? – berrou furiosamente.
– É minha sina.
Wallace e Heivor pularam para cima das Cobras. O machado cortou duas cobras juntas. Com a mão nua, Heivor abriu no meio uma delas e continuou avançando com gritos. A Tribo Mestiça se uniu pela lateral, cortando mais duas em grupos.
Ainda dormente, a paralisia era corporal. Carsseral ainda observava a luta se desenrolar completamente para que ele fosse resgatado, e rangia os dentes ao ver que Orion não parava de lutar de jeito algum.
Mesmo depois de ser ferido e ter um dos braços quase inutilizado, o jovem não parava. A fúria em seu coração era diferente dos humanos ao redor. O Dragão Prateado lutou contra muitos em sua vida passada, sempre lendo seus objetivos finais.
Poder, influência, status moral. Um Dragão representava a morte certa, e matar um lhe daria a garantia de ser um rei para o resto da vida. Morrer com a fama de que ultrapassou as camadas mais duras das escamas, de sobreviver do sopro mortal ou ter achado uma maneira de enfrentá-los no céu.
Assim era antigamente, por isso Humanos eram tão ardilosos. Seus corações queriam a boa vida. E Carsseral lia os pensamentos de Orion por estarem conectados pelo núcleo.
Não vou deixar que o levem. Se eu perder aqui, nunca mais consigo olhar na cara dele. Mesmo que eu morra, mesmo que eu morra.
Não era ganância, não era um desejo.
– Ele vai ficar.
Jaimes Harrigan foi explodido com centenas de milhares de flechas vermelhas no céu, criando um estrondo e clarão que brilhou completamente a costa. Monique era afetada por uma bolha de vácuo de mana, onde não conseguia aplicar nada e nem ajudar o Papa Oculto.
Os Bispos ficaram travados no lugar porque estavam sendo suprimidos desde o começo pela família Baker. Quando as centelhas de raios pararam, Cassiano apontou sua espada em direção a Carsseral.
– Libertem o Dragão.
E as Cobras Marinhas eram dominadas por Wallace e Heivor. Esse último, sentia uma estranha sensação de familiaridade, como se soubesse quem era. Carsseral o reconheceria, mas sua mente estava muito nublada para ir tão fundo em suas memórias.
Verdade fosse posta a prova, admitia que mantinha-se acordado apenas para ver mais um pouco daquela batalha. Não porque queria sair vivo, mas porque jamais teve tanto desejo de que um Humano conquistasse a vitória.
– Faltam apenas mais cinco e podemos tirá-lo – gritou Wallace ao pular com seu machado. – Assim que eles morrerem, façam uma contenção e vamos embora.
Um lapso conectou a mente de Carsseral com todos da família Baker.
– Assim que derrotarem a última Cobra, fiquem perto deles. – Era Orion, em um tom cansado e solene. – Vou levá-los para casa.
Oliver foi quem reagiu primeiro.
– Filho, seu estado…
– Estou bem, pai. Salvem Carsseral. Depois disso, tudo se resolve.
Dor, o Dragão Prateado assistia o interior de Orion Baker batalhar contra si mesmo. Seu núcleo emprestado recebia uma carga muito maior do que acostumou-se no último ano, mas o Sol Negro consumia tudo e convertia em mais poder.
Uma estranha coloração esverdeada projetava-se abaixo do núcleo. Aos poucos, as rachaduras e também manchas eram dissolvidas. O Dragão ficou abismado.
Isso é a magia dos Elfos?!
Orion pareceu responder a sua expressão, sorrindo de lado.
– É apenas mais uma carta na manga.
Orion respirou fundo e abaixou uma runa para o gelo, ainda fitando Monique e as explosões contínuas no céu.
Oito Cobras restantes. Sete Cobras. Cinco Cobras.
Monique formou um símbolo em mãos e expandiu na bolha de vácuo. Aos poucos, mana começou a adentrar seu espaço. E em segundos, passou para fora daquela anomalia. E apontou para Jaimes, no céu.
As milhares de flechas vermelhas pararam de segui-lo. Apenas um braço, era como tinha se protegido. E só havia um arranhado nos músculos de aço. Carsseral não admitia a força dos mais fracos, porém, via seres que ultrapassavam sua racionalidade padrão de milhares de anos atrás.
E por incrível que parecesse, apontaram suas determinações e emoções assassinas para uma pessoa.
Orion finalmente ativou a runa que tinha em mãos.
– ‘Somat: Retração Gravitacional’.
Um repuxo. Uma força inteiramente nova emergiu do chão e lançou tanto Carrseral, quanto os Baker, para o alto. E ao mesmo tempo, Monique e Jaimes foram arremessados para baixo.
Havia uma Cobra Marinha ainda enroscada em seu corpo, Carsseral fez imensa força para se libertar dela, mas não conseguia. O veneno estava fundo demais em sua corrente sanguínea.
Mas, um machado atravessou a cabeça de Cobra no ar. Wallace aplicou o movimento, arremessando sua arma de uma outra ponta, quase trinta metros distante.
– Ele está solto – gritou para Orion.
Jaimes e Monique olharam para cima. Orion ergueu sua mana.
– É por isso que somos teimosos. – Acima dos Baker e do Dragão, um imenso portal cinzento. – Porque sempre tem uma chance de vitória.
Ele atravessaram o portal. E Orion caiu pra trás. Fechou os olhos, sentia-se muito cansado, mas foi tocar o gelo frio que algo fofo o revestiu. Forçou a abrir os olhos, um céu azul cobria o imenso terreno, e o calor escaldante aliviava sua pele.
Um pio agudo, de um animal incrível de pelugem branca.
– Ai está você, garota. – Sorriu ao ver a águia pairando lá em cima. – Faz tanto tempo.