Passos Arcanos - Capítulo 227
– Estão todos bem?
Haviam retornado diretamente para o pátio interno da Primeira Casa, espaçoso o suficiente para cobrir o corpo do Dragão Prateado.
Cassiano procurou os Anciãos, os mais jovens e a Tribo Mestiça. Felizmente, não houveram perdas. Apenas machucados mais graves e feridas por causa da mana. Alguns caíram extremamente cansados e outros tinham sorriso no rosto.
Terem usado mana depois de tanto tempo para ganhar terreno e lutarem deu vida aos mais antigos. Cassiano teve que ser rápido quanto a esse sentimento.
– Ouçam, ninguém pode dizer o que aconteceu dentro do Mundo Espelhado. Aquela magia cessou a visão de todos do lado de fora, o Mestre Baker fez o que deveria ter sido feito, mas ainda somos desonrados.
– Não nos esquecemos disso com facilidade, Mestre Cassiano – o Ancião Dest disse, sério. – Se um de nós for pego usando magia, todos pagam. Aqui e agora, ninguém jamais falará disso a respeito.
– Sim.
A concordância partiu e se encerrou veloz. O risco da morte era clara caso espalhassem as notícias. Esse não era o mais terrível dos males, Cassiano, Oliver e Wallace procuraram rapidamente ao redor, mas não encontravam de jeito algum.
– Ele não tem como ter ficado lá sozinho – disse Oliver. O desespero de ter seu filho capturado pelo Clero elevou-se em seu peito. – Continuem procurando.
– Sim, senhor.
Carsseral apenas respirou fundo e seguiu os olhos para uma das acomodações da Primeira Casa. Ele sentiu a locomoção assim que foi transportado com a família Baker.
– Ele está descansando – sua voz saiu grave e pesada. Aos poucos, seu tamanho foi diminuindo. As escamas encolheram e seu focinho e dentes também. Do tamanho de um braço, pairava no ar. – Me levem para o quarto dele.
I
– O relatório completo dos Justiceiros que estiveram na Costa Congelada. – Anneton se sentou com Jinx, sozinho, pela primeira vez em sua vida. Tinha medo e receio, isso era certo, porque diante dele estava um dos poucos Reis Arcanos que não trabalhava para o Masquerati.
A lentidão que o velho lia, o branco forte de seu cabelo e barba volumosa. As rugas em sua face lhe atribuindo a sabedoria de mais de cem anos de vivência naquele mundo. Apenas um punhado de pessoas possuía tamanha longevidade, e Jinx Pround nem mesmo andava de bengalas.
Ficava dias e dias lendo, passava meses sem ser visto. Havia semanas que passeava por VilaVelha como se fosse um homem comum, e usufruía de restaurantes e petiscos.
Anneton tinha lido suas histórias, seus feitos em guerra, e como se tornou poderoso. Diziam que ele se casou com uma Elfa, o que lhe deu vida estendida, outros que fez um pacto com uma criatura dos Sete Infernos, lhe dando poder inimagináveis.
Todas sem um fundo concreto, mas Jinx nunca desmentiu.
O Antigo Conselho Negro era repleto de figuras assim; misteriosas e caladas.
– Bom, a Justiça Mágica ainda consegue fazer um trabalho descente. – Fez um pouco de força para ler as palavras finais sobre sua luminária. Sentado na sua poltrona aconchegante, o clima era tão pesado perto do homem que Anneton esquecia que estava no jardim, numa brisa calmo e gentil. – Quase capturamos Monique Aurelius, pelo visto. Mas Darius não é de todo ruim.
– Infelizmente, senhor, não pegamos o Papa Oculto.
– Pegar Jaimes Harrigan? – Jinx soltou uma risada debochada. – As crianças de hoje em dia tem sonhos bem estranhos.
– Senhor, não acho que seja.
Ao erguer o olhar, o velho homem fez uma expressão bem sólida.
– Tente me explicar como capturariam um dos homens mais perigosos do mundo, Anneton? – Abaixou o papel. – E mais, me diga como faria isso sem que esse rapaz que foi mencionado no relatório não tivesse lhe dado tantos problemas. Quero ouvir bem sua resposta porque se for burra, nem precisa mais abrir a boca.
A pressão era constante. Ele teve que abaixar a cabeça, como um cachorro acuado.
– Perdão se proferi as palavras erradas, senhor.
– Proferiu uma que nem deveria ser mencionada perto dos outros. Sua influência dentro da Ordem dos Magos é enorme. Alimente essa ideia idiota que está a páreo de uma das pessoas mais perigosas do mundo, e matará milhões. – Jinx balançou a cabeça desgostoso. – Jaimes foi selecionado para ser receptor dos Treze Deuses, e nem mesmo o Conselho Negro conseguiu pará-lo.
Anneton ficou abismado em ouvir isso. Nem mesmo os Velhos Reis?
– Isso é verdade mesmo?
– Por que eu mentiria? Sou idoso e gosto de contar histórias. – Ao dobrar o documento, o jogou de lado. – Jaimes foi um dos adversários que mais teve destaque nas antigas guerras. Perdemos muitos homens bons naqueles dias, mais do que perderíamos em dez anos hoje em dia.
– Era muito acirrado?
– Acirrado? Não, jovem. Era mortal. Um Sacerdote e um Mago eram forças diferentes. Eu estudei mais de cinco anos para passar de Quarto Núcleo para o Quinto, e mais dez para ir a Arche-Mago. – Suspirou pesadamente. – Hoje em dia, uma pessoa se torna Arche-Mago com vinte e cinco anos. Um título que se dá por status, não por poder.
– Os tempos mudaram.
– Queria que tivesse sido só o tempo. Jaimes era parecido com a gente, tinha culhão para se tornar o melhor porque era obcecado. Enfrentei ele em campo mais de cem vezes e sempre tive que precisar de ajuda. – Jinx fixou seu olhar em frente. – Era um monstro que não cedia mesmo em desvantagem. Depois de perder tantas vezes, fiquei com medo dele. E fui para as Torres Eternas para treinar.
Anneton não ousou interromper. Era raro ouvir o Mestre Jinx falar sobre sua história.
– Encontrei Jaimes lá, num dia. As terras livres foram criados por antigos acordos entre o Clero e a Ordem, o que não nos deixa atacar ninguém por causa de nossas rixas pessoais. E por mais de um ano, dividi um alojamento com o atual Papa Oculto.
– Senhor…
– Parece ridículo, eu sei. – A risada de Jinx foi dolorida. – Lá descobri muito mais do que queria. Sobre as preces, os medos dos Sacerdotes, seus vínculos com os deuses, e aprendi com Jaimes o valor de ter um irmão que eu teria que matar um dia.
– Impressionante.
– Algumas pessoas diriam o contrário. Eu poderia ter matado ele numa noite que dividimos uma barraca esperando pelas criaturas místicas Devons. Ou dentro de um dos portais dimensionais que nos leva para uma dimensão criada por algum Rei Arcanus. – Seus ombros ondularam. – Podia ter matado e poupado muitas vidas que se perderiam depois que ele se fosse. Treinei por quatro anos e quando saímos, ele jurou pra mim que jamais iria tirar minha vida, e fiz um juramento parecido. Depois daquilo, o Conselho Negro foi modelado para a nova geração, e fui escolhido por meu mentor a ganhar uma cadeira. Num dos chamados na cidade de Trelia, encontrei com ele.
A garganta de Anneton ficou seca. Conhecia essa história.
– Dos dez novos membros do Conselho, restaram apenas quatro. Jaimes matou seis deles. E o antigo Papa havia escolhido os Campeões dos Deuses, acima do Círculo de Lumos de hoje em dia, e eu matei mais de dez deles. Só que naquele dia chuvoso, ele me disse que a promessa era eterna e que deveria nascer alguém mais forte do que eu para vencê-lo numa luta de igual para a igual, e ele sempre mencionava sobre alguém capaz de conjurar as estrelas.
– Está falando da antiga lenda?
Jinx concordou.
– Lenda, eu queria que fosse apenas isso. Em algum lugar, em algum continente, se não o nosso, nos vários outros pelo mundo, nasceu alguém com o poder de acabar com os Treze Deuses. – Jinx encarou Anneton. – E no relatório, um dos Justiceiros disse que Jaimes Harrigan falou que o encontrou, mas que não poderia matá-lo.
– Uma pessoa assim apareceu de verdade?
Se isso fosse real, a Ordem faria uma comoção inteira atrás dessa pessoa a fim de nutri-lo para enfrentar o Clero. Depois de tanto tempo, uma chance? Anneton podia jurar que era uma nova luz poderia surgir.
Mas, pela expressão de Jinx, isso não parecia viável.
O velho se levantou da poltrona e estalou o pescoço.
– Infelizmente – continuou –, o Masquerati limitou aquela família. Ele devia ter seguido os parâmetros que nós estipulamos na época, mas o medo dele de ser superado fez tudo dar errado. Bom, mais uma vez temos que assumir os erros dos outros.
– Senhor. – Anneton ficou de pé. – Do que está falando?
– Do que acha? A pessoa que Jaimes procurava é a mesma que o enfrentou na Costa Congelada. E o mesmo que está nesse documento. Agora, é esperar que o Clero se mova com menos frequência. Os Baker ficarão muito expostos se a Ordem fizer qualquer movimento de apoiá-los depois de tanto tempo.
Abobado, Anneton realmente não queria acreditar que os Baker tinham a antiga lenda em sua posse.
– Faremos uma reunião em VilaVelha de emergência, irei eu mesmo mandar uma carta para Cassiano Baker pedindo a presença do Mestre Baker. Isso se ele estiver em condições de vir já que lutou contra o Papa Oculto. – E sombrio, entregou um sorriso ao céu azulado. – Conseguir viver por tanto tempo tem seus benefícios.