Passos Arcanos - Capítulo 229
Aquela semana foi recheada de surpresas. Darken Sosin apareceu primeiro. As roupas dos Justiceiros de VilaVelha eram pretas, cheias de decoro nas laterais, bem mais social do que qualquer político bem vestido de lá.
Para Orion, era mais uma roupa de encontro, como os Magos tinham que usar nas reuniões e conselhos da Ordem. Esperou que o homem entrasse, e o observou fitar o local com indiferença. Aqueles livros e papiros ao redor, se fossem analisados corretamente, dariam um grande prejuízo para a Justiça Mágica.
Mais de cem magias de Cinco Graus formadas por Orion além das passivas que podiam montar uma cidade de baixo pra cima, sem ao menos ter ajuda ou patrocínio de VilaVelha ou dos Imperadores.
E ao se sentar na cadeira, o saudou com extremo respeito.
– É bom poder conversar com você, senhor Baker.
– Digo o mesmo, Darken.
Duas xícaras já esperavam pelos dois. Orion tomou a sua e apontou para que ele tomasse a outra.
– É de camomila, pedi para fazer. Não sabia de qual gostava.
– É um bom calmante – elogiou depois de bebericar. – Tive certo receio de que não poderia me receber depois do que houve.
Orion sentiu o olhar dele caindo em seu braço enfaixado. Cassiano e Oliver fizeram questão de pedir que ficasse fora de vista dos outros, isso mancharia seu nome e até mesmo a reputação na cidade.
Era claro que Darken sabia. O líder dos Justiceiros possuía uma conexão bem aprofundada com os canais de informações espalhadas pelo continente, e Orion fez questão de deixar que o ferimento no seu braço era um rebote de uma magia que estudava secretamente.
Foi um grande dilema para os Anciãos aceitarem que ele vazasse essa informação. A reputação que montavam era sólida demais, e o que causava desconforto era como seus ‘rivais’ fariam a respeito.
– Isso? – ergueu o braço com simplicidade. – Apenas um acidente de trabalho. Além de Arche-Mago, sou um Escolástico. Testar magias é minha prioridade também, e essa não foi das melhores. – Forçou um sorriso. – Não atrapalha nos assuntos de família. – Ele fez uma pausa, abaixando a caneca. – O que veio fazer aqui?
– Primeiro, agradecer por me receber. Visitei a nova cidade Keifor e fiquei impressionado. Existem muitas pessoas trabalhando para a reconstrução e muitas casas construídas em moldes diferentes do que temos em VilaVelha.
– Meu arquiteto veio de uma das cidades livres, é um homem com ideias novas e sou sempre aberto a isso. Tivemos sorte dos materiais serem suficientes.
– Os fundos da família cobririam qualquer problema já que a MetaNavio tem acordos com vocês. Materiais são quase brinquedo de criança. – Darken não esboçou divertimento ou sorriso, era indiferente como uma pedra. – O que me leva a questionar sobre o acordo que fez com Oracle Bunis em não vendê-los para os Elfos.
– Isso é uma pergunta pessoal ou da Justiça Mágica?
– Isso importa?
– Mais do que a resposta em si. Para a Justiça, minha resposta é simples, eu faço o que faço para beneficiar a minha família. E para Darken, eu faço porque gosto de ver as outras raças tendo que espumar de raiva.
A sobrancelha esquerda dele se levantou um pouco.
– Bem infantil. O líder dos Baker tem tempo para fazer esse tipo de piada quando uma guerra acontece bem na nossa porta.
– Minha família já lutou essa guerra muitas vezes, não ligo pra quem ganhe ou quem perca um pedaço de terra em Archaboom ou Campanário Verde. – Orion deu de ombros. – Enquanto estiver alguém que acredite nos deuses ou que acredite no Arcanismo, estaremos de lado diferentes. Nossas leis não são iguais, isso causa discórdia.
– A morte de pessoas inocentes é simples assim para você? – a voz dele engrossou.
Sutilmente, ele demonstrava suas emoções. Era difícil de pescar todas.
– Por que faz perguntas pra mim? A família Trindade iria ser massacrada por um pedaço de terra na cidade de Mollen pelo Castelo de Espadas, e não vi nenhum dos Justiceiros lá para pará-los. – Orion inclinou a cabeça para frente um pouco. – Onde o senhor estava quando vidas inocentes iriam ser ceifadas por um conflito dentro de uma cidade da Ordem, senhor Darken?
– Lá não é minha jurisdição.
Ele não hesitou em responder.
– E aqui no Norte é a sua?
– A Ordem espera que eu faça visitas mais frequentes porque você comprou a Montanha Azul. – Ele retirou um pequeno rolo de dentro da vestimenta e pôs em cima da mesa. Orion apenas olhou sem se mexer. – É um pedido que um membro da Justiça Mágica atue por lá.
– Recusado.
Darken piscou e respirou fundo.
– Nem abriu o documento.
– Quem vendeu aquelas terras foram vocês. Se queriam alguém lá, deveriam ter mandado antes e não terem vendido. O motivo de estar aqui é mais do que questionável, é óbvio, senhor Darken. – Orion pegou a xícara e tomou mais um pouco do chá. Abaixou ao suporte e abriu a mão, num gesto simples. – Quer saber cada passo da família Baker.
– Se é simples assim, por que não abrir mão dessa arrogância e…
– Arrogância? – A palavra mexeu com Orion. – Não preciso ouvir isso de ninguém que não seja próximo de mim. Peço que lembre o lugar que está, não é sua casa, nem posse da Ordem. O Império Nortenho é fora da jurisdição de qualquer batalhão ou membro da Justiça Mágica. Se lembra do por que?
– Nunca me esqueço, senhor Baker.
O homem era uma rocha perfeitamente alocada. Nem mesmo mexer com seu passado o fazia alternar entre emoções. Teria dificuldade em irritá-lo ou trazê-lo para o desconforto. Não é como se eu precisasse disso realmente.
– Bom, se quer saber o que vamos fazer com a Montanha Azulada, isso é simples. Queremos os dois postos avançados que estão alinhados com as terras do Oeste, depois da Capital Nevasca. E extração de minério.
– Apenas isso?
– Apenas isso. Alias, eu recebi uma notícia triste. A morte do doutor Van Glory Saer.
Ele acenou pegando o papiro lacrado de volta e pondo em seu bolso interno.
– Infelizmente, ele morreu. Ainda não se sabe como, mas dizem que pode ter sido premeditado. Muitos investigadores estão atrás de pistas.
– Eu poderia ajudá-lo por um preço certo, senhor Darken.
– Creio que seja impossível. Não existe nada que você possa fazer aqui do Norte.
Orion deu de ombros, mas manteve o humor.
– Muitos doutores possuem rivais e inimigos jurados, mesmo dentro da Ordem, se quiser achar alguma coisa, tente procurar a Madame Vonshor Dassc. Ela era a amante de Van Glory e tinha um problema muito grande com venenos.
Houve silêncio. Darken tomou a xícara mais rápido do que antes e bebeu o restante do já, se pondo em pé. Olhou seriamente para Orion e fez uma menção de cabeça.
– Fico grato por ter me recebido. Espero que possamos conversar mais no futuro.
No meio do caminho até a porta, Orion o respondeu.
– Sendo sincero, senhor Darken, eu espero não vê-lo mais.
I
Nayomi finalmente havia voltado de uma rotina do campo com sua mãe. Apareceu em Keifor logo depois, deixando para trás o relatório nas mãos dos Sargentos e Comandantes. Quando Orion a viu entrar no quarto, deixou de lado os livros e cadernos e se jogou na cama grande e confortável com ela.
Ali ficaram horas conversando. Orion escutou o que ela viu e o que passou dos povos que foram chamados de Bárbaros. Nayomi, entretanto, os achava bem cativantes.
– São velozes e tem experiência em batalha que muitos dos nossos não tem. Minha mãe não queria conversar mais e partiu pra cima de um deles. Lutaram sem magia e por incrível que pareça, minha mãe suou.
Fazer Matilda Defoul suar em batalha era para poucos. Orion ficou impressionado.
– Eles fizeram uma pausa e minha mãe não quis mais continuar com aquilo. Deu pra ver que seria uma chacina dos dois lados. Eles não querem mais terras, conquistaram alguns acampamentos a Oeste da capital.
– Perto da Montanha Azul?
– É o lugar que eles querem, na verdade. – Nayomi olhou para Orion. – Por que fez essa cara?
– Eu comprei a Montanha Azul da Ordem. É o próximo passo para firmar minha família, eu preciso de pessoas para tomarem conta de um dos fortes. – Orion olhou para ela e sorriu. – Acha que eles gostariam de trabalhar pra mim?
– Você me convenceu a ficar deitada numa cama o dia todo, acho que não tem nada que você não possa fazer. – Ela avançou com a mão no queixo dele e o puxou para perto. – E não estou brincando, você é especial.
Poucas e raras eram as vezes que Orion se deixava levar pelo coração, e aquela foi uma delas. Virou-se e pôs os cabelos lisos dela atrás da orelha, inclinou a cabeça e lhe beijou, deixando que os seios roçassem em seu peito.
Aquele calor era o que precisava em tempos frios e complexos. Orion avançou mais e mordeu os lábios de Nayomi, arrancando uma risada fraca misturada num gemido.
– O Mestre dos Baker não tem reunião hoje, certo?
– Eu desmarquei todas para ficar com você.
A expressão dela foi de choque.
– Eu sou tão importante assim para uma figura tão poderosa?
Orion riu.
– A mais importante e também mais irritante. Vem cá.
Entre beijos e caricias, os dois se enroscaram um no outro até o cair da noite. Foi quando a porta foi batida três vezes. Orion ainda estava desacordado, mas na quarta batida, abriu um dos olhos e forçou o braço ruim na cama, ficando sentado.
– O que foi?
– Mestre Baker – era a voz de Cassiano. – Tito retornou do Castelo de Espeto na madrugada. Ele diz que precisa conversar conosco.
– É urgente?
Nayomi tocou seu braço. Tinha os cabelos bagunçados e não usava nada. A coberta cobria até os ombros. De olhos abertos, refogou e voltou a fechar os olhos.
– Pode ir, finja que estou dormindo.
– Vou voltar antes que perceba.
Ela mostrou um sorriso fino.
– Duvido disso. Ponha um casaco, deve estar frio lá fora.
Abaixando a cabeça até ela, lhe deu um beijo na testa e se levantou.
– Não sou quem não está usando nada.
Outra risada.
– Mestre Baker? – Cassiano chamou de fora, mais uma vez. – Esperamos até de manhã?
– Não. – Orion já colocava a calça e puxava o traje de batalha da cadeira. – Estou indo. Me espere na sala.
– Certo, senhor.
Se ouviu a ida do Mestre de Espadas em passos lentos. Orion ficou pronto em minutos, pondo a manta vermelha por cima do traje e saindo. Quando chegou a porta, olhou pra trás.
– Vai estar aqui quando eu voltar?
– Não pretendo ir para lugar algum nos próximos dias. – Nayomi ergueu a cabeça velozmente. – Ou está me mandando embora no meio da noite?
– Eu não teria como me livrar de você. Gosto da sua presença.
– Ótima resposta. – Voltou-se a deitar. – Melhor ir. Parece ser importante.