Passos Arcanos - Capitúlo 231
Na semana que se seguiu, os ramos da informação envolvendo a batalha do Papa Oculto se tornou grande. Muitas famílias ouviram sobre a luta no Norte e o envolvimento dos Baker. Alguns diziam que era mentira, justamente porque eles não podiam usar magias, porém, os mais antigos, de famílias nobres, não alegaram nada além de um grande respeito.
A Justiça Mágica era aliada próxima dessas famílias, e numa das reuniões, Anneton informou aos líderes de cada uma delas o que houve. Ao término, os Godoy e os Lila ficaram inquietos. Os Dalila foram os que mais tiveram questionamentos já que Orion Baker havia dado uma surra nos seus herdeiros ao longo do tempo que esteve na Academia Mágica de Magnus.
E quando souberam o motivo de Orion ter se distanciado de Magnus, eles engoliram o seco.
– O próprio diretor tentou vender um aluno. – Higor Lila distanciou o olhar para longe. – E pensar que um homem desse calibre tentaria fazer um acordo para salvar sua própria pele com o Masquerati.
Anneton tinha ciência dos boatos envolvendo Masquerati e sua tirania pelos Grande Magos. As maiores mentes do continente serviam a um único homem capaz de matar qualquer um que estivesse no seu caminho.
E já tinha feito isso algumas vezes no meio de jantares e festas como desculpas de ter sido desrespeitado. Desde que entrou em reclusão, alivio e paz tomaram as pessoas. Arche-Magos voltaram a estudar sem medo e os mais próximos de atingir Grande Magos eram sempre selecionados pelos tais subordinados do Masquerati.
Os Lila haviam perdido dois jovens com potencial de chegarem longe, e os Godoy perderam três meninas capazes de decifrar Arcanismo Comum com seis anos de idade. Foram perdas dolorosas, algumas que assombraram as casas por anos.
Nunca esperou que o fato de Orion ter sido atacado e estar sendo continuamente suprimido pelo Masquerati traria empatia aqueles velhos homens e mulheres. Nem mesmo cogitou na ideia de que haveria palavras doceis.
Os Baker eram odiados nos tempos que participaram da guerra, mas também eram respeitados e temidos como ninguém. Anneton só havia entendido porquê odiava tanto Orion no momento que Jinxs lhe explicou a história de Cassiano e Oliver Baker. Dois homens que fizeram Archaboom virar de cabeça pra baixo quando um dos seus parentes foi sequestrado e dado ao Clero como presente.
Amigo ou inimigo, independente do lado, aquela família não era comum.
– Estamos levando em conta de que o Papa Oculto não pode mirar mais nos Baker enquanto o Clero tem três frontes – disse Higor novamente. – Ele dar as caras dessa forma não é normal. Mesmo que tenha conseguido seu objetivo, ainda não conseguiu matar o jovem Orion Baker.
– A derrota dele está ai – completou Norma Godoy, a Primeira Senhora da Casa. – Jaimes Harrigan enfrentou muitos Magos durante a vida, mas apenas Jinxs e Artrax não foram mortos. Se esse rapaz sobreviveu, o Clero tomou um surra na parte moral.
– Eles não falariam sobre essa derrota – Higor respondeu. Os outros cinco observavam-no atentos. – Perder uma luta contra um garoto de vinte anos que se formou Arche-Mago faz menos de um ano? Nunca deixariam essa notícia vazar.
– E se nós espalharmos?
– Seria indiferente. Desde quando os Sacerdotes ouvem a gente?
Houve silencio na mesa. Anneton não abriu a boca para contrariar aquela maré de informações. Ele tinha tomado conta de problemas semelhantes por longos cinco anos, desde que foi colocado na posição primária para comandar os Humanos.
Os outros três, ausentes como sempre, se espalhavam pelo continente simplesmente levando uma vida estranha. Gostava da burocracia porque comandar era uma das suas boas qualidades. E nesse tempo, nunca tinha visto as famílias nobres terem tanta dúvida do que fazer.
– Devemos mudar de assunto – disse o velho Sasorin Crons. Como um dos poucos membros com mais de cem anos de idade, suas rugas tornavam seu rosto um ondulado de carne velha. Afiado, mesmo abaixo de sua flácida pele, os olhos de uma cobra cheias de veneno para expelir. – O rendimento das Torres Mágicas caiu em quase 20% por causa das explosões. Isso nos fez perder mais de 20 milhões de moedas de ouro.
– O plano de contingência foi ativado? – Higor perguntou ainda olhando para longe.
O gramado ao redor deles tinha sido molhado e o cheiro de terra subia com uma fragrância misturada de flores espalhadas. Esse homem era diferente, Anneton sempre soube disso.
A família Higor dominava VilaVelha desde que os Suzeranos e os Mixel foram alocados para Santa Bárbara, uma das ilhas seguras do continente. E todos sabiam, no fundo de seus corações, que tinha sido o pai de Higor, Higino quem armou tudo.
Uma família nobre e uma família tradicional, a diferença se baseava nos feitos. E desde que a guerra tomou a forma de trincheiras, uma paralisação ocorreu. Uma dica de Higor Lila, sobre tudo.
Ainda assim, os Lila e Dalila mantinham uma condição de senhor e vassalo.
– Ativamos. Cinco milhões foram recuperados, nada além disso.
– E as verbas adicionais que temos com os trabalhadores?
Sasorin Crons relevou num balançar de braços, sendo simplista.
– Mesmo que elevássemos 10%, seria idiotice tentar isso. Eles podem acabar sendo movidos por uma rebelião e não temos como contornar outro problema desse. O certo seríamos doar de nossos próprios bolsos para compensar as perdas.
A opinião da Casa Crons não foi muito bem vista, levantando vozes e contraditórios argumentos. O velho nem se mexeu, parecia já esperar por essa avalanche. Anneton aprendia muito nessas reuniões, a paciência e cordialidade, até mesmo a dureza e frieza de uma postura.
Esses homens viveram dezenas de anos nesse estilo de reunião. Mais calejados do que eles, apenas os Velhos Reis que dominaram a Ordem no passado. E Anneton lembrava perfeitamente quando esteve no Norte, a seriedade e leveza das palavras daquele rapaz, perfeitamente parecidas com o que assistia.
– Por que acha isso? – questionou Higor mais uma vez atrás de sua indiferente expressão.
– As taxas das trincheiras são enormes. Temos mais custos mantendo aqueles homens lá em um mês do que mil pessoas comendo dez refeições por dia aqui em VilaVelha, e tirando Archaboom e Campanário, temos mais cinco posições a segurar, o que nos custa mais de trinta milhões no trimestre. Mantendo essa média, sem as torres e seus lucros em vendas para Academia, a moeda desvaloriza muito rápido, e as empresas começam a aumentar seus preços.
– Temos outras opções. – Norma Godoy foi contra Sasorin de palavra e face. – O Banco Central cede verba para todas as famílias desde que possamos pagá-los depois.
– O Banco Central já foi acionado. – Anneton disse sem pensar. Os rostos viraram para ele. Parecem animais. – Economia e o Mestre dos Burgos disseram que não há condição de empréstimo no próximo ano. Eles possuem outros investimentos melhores do que manter as Torres Mágicas vivas.
O rosto de Norma ficou vermelho como tomate.
– E como eles nos deixam na mão num momento tão importante?
– Não posso responder essa pergunta, senhora. – Tentou ser o mais educado possível. – Eles admitem que existem outras prioridades. Pedi um questionamento, mas eles mesmo alegaram que se tivéssemos problemas com dinheiro, deveríamos abrir os lotes de terras que temos para venda nos leilões.
Foi a melhor resposta que os Bancos Centrais poderiam ter. Anneton também queria saber quem tinha conseguido o melhor contrato, mas o medo de saber já estava instalado em sua mente. A Montanha Azul tinha sido comprada recentemente da Ordem dos Magos por uma valor significativo, e pouco tempo depois veio esse problema.
Dinheiro mantinha a Ordem nos trilhos, mais do que influência. E só percebia-se isso quando os problemas apareciam.
– A ideia deles não é ruim. – Hallis Espada, do Castelo de Espadas, manteve-se paciente entre os gritos, o único até então. – Temos lugares que grandes empresas sempre quiseram, e lugares que nem mesmo são utilizados pelos Magos. Vender um ou outro seriam ideais.
Higor olhou para Hallis Espada. Havia ali certa briga inteira.
– Dinheiro é dinheiro – Hallis continuou. – Podemos fazer mais depois. Alias, temos muitos contribuintes espalhados pelas ilhas seguras, pedir um pouco também seria ideal. Cada líder de casa presente tem pelo menos três acordos feitos com os que estão longe.
– Viável. – Norma Godoy respirou profundamente. – Mas, as Caldeiras de Ilhotas, eles perderam os Baker, não foi? E sabemos que eles tem mais de trinta milhões em recebimento da MetaNavio e também dos elixires.
– A doação deles deveria ser obrigatória – ouviu de Sasorin Crons. – Lucraram mais do que todos nós juntos em um mês. – Ele olhou para Anneton. – O Conselho dos Doze deveria exigir certa compensação, não acha?
A pressão daqueles velhos era aterrorizante. Num segundo, a carga dos problemas era deixada dos ombros deles e jogada para a Ordem. Como se nós não tivéssemos os mesmos problemas, pensou Anneton guardando para si.
– Os Baker já fizeram sua contribuição nesse mês de quinze milhões de ouro – teve que dar a informação. – E também doaram de graça muitos suprimentos medicinais a pedido de Darken, Primeiro Chefe da Justiça Mágica.
– Quinze milhões? – Norma bufou. – Só isso? Achei que eles fossem mais ricos por terem o benefício dos dois Imperadores.
– A comanda econômica deles não é baixa – Hallis Espada respondeu na hora. – Nós estudamos seus caminhos e também contratos. Eles possuem um investimento por mês de vinte milhões, e um saldo atual maior de oitenta milhões, com gastos de apenas 3 milhões.
Higor Lila e Norma Godoy encararam Anneton no mesmo momento.
– É verdade – falou com cautela. – A base da família Baker ultrapassa os vinte milhões mensais com os contratos que possuem.
– O que eles estão fazendo pra terem tudo isso? – a raiva de Norma se espalhou entre os outros. – E por que não estamos recebendo nada disso?
– Contratos exclusivos – Hallis falou novamente.
Como ele sabe disso tudo? Anneton ficou quieto. O Castelo de Espadas parecia bem preparado para entregar a culpa para os Baker. Mesmo eles não tendo nenhuma.
– E quais são?
– O Banco Central tem um acordo com o Professor, que é mestre de Orion Baker, atual líder da casa. Duas Acadêmias Mágicas são amplamente fortificadas por eles com recursos de forja e alquimia, além de papiros de estudos do próprio Professor. Além dos dois Imperadores, e duas companhias, a MetaNavio e uma nova que se juntou a eles, chamada de União do Ferro.
– A União do Ferro também se aliou a eles? – Norma ficou mais chocada ainda. – Mas como esse garoto conseguiu o contato dessas pessoas?
– O Baile de Vidro que ocorreu no Palácio do Imperador Nero – Hallis não deixava pontas soltas. – Atualmente, Orion Baker tem na mão a faca e o queijo para começar sua própria fundação. E as Montanhas Azuis, que foram vendidas por um preço muito menor do que realmente valem, tem registrado cinco dos minérios mais caros, o que mostra o motivo da União de Ferro estar do lado deles agora.
Os papeis que Anneton segurava em mãos, Hallis parecia ter lido eles. A informação que tinha era justamente essa, de ponta a outra. E nos olhos do senhor do Castelo de Espadas era possível ver que sua jogada estava forjada.
Era necessário apenas um pequeno movimento. Os Baker seriam bombardeados a qualquer instante.
– Por que você quer que a gente jogue a nossa atenção nos Baker?
Million Classic mostrou sua voz grave. Mais alto e vindo de um terreno bem mais distinto do que os outros nobres, a marca em seu nariz, com a pele arrancada, corria da testa até o pescoço, atravessando na diagonal seu rosto.
A formidável Casa Classic era detentora de duas das maiores Escolas de Combate da Ordem dos Magos, mas nunca se juntavam ao grupo por motivos óbvios. Eles não eram considerados sucedidos na parte monetária.
– Jogar? – Hallis se fez de desentendido. – Não entendi, senhor Million.
– Os Baker nunca fizeram parte dessa mesa, e mesmo depois de serem chamados, algo que todos sabemos, eles negaram porque ainda se consideram desonrados para pisar em VilaVelha. – Million olhou para os demais. – Cada um recebeu uma carta do Mestre Jinx dizendo o motivo deles não virem.
– Isso não condiz com a participação deles – Hallis bateu mais forte. – Está protegendo uma família desonrada por qual motivo, senhor?
– E por qual motivo quer deixá-los mais expostos? Não estava escutando o que Anneton disse no começo dessa reunião, velho? – Million era ameaçador pelo tamanho, pelo poder e também pelo que já fez pela Ordem. – Um garoto ficou de frente com o Papa Oculto e quer mesmo colocar a culpa nele?
– Ou foi porque eles compraram a luta dos Trindade – Melco Genesis, outro líder falou. – Vocês perderam contra eles, não foi? Essa é a forma de reagir a derrota.
Hallis endureceu o queixo e a sua boca se tornou uma linha torta nas duas pontas.
– O que isso teria a ver? Estamos discutindo um ponto completamente diferente.
– Não, não estamos. – Melco Genesis era mais novo do que qualquer um dos outros líderes da casa. Astuto, o jovem de trinta anos governava sua família com grande respeito. Seu pai lhe deixou de forma muito precária, porém, com ajuda de algumas pessoas, Melco se tornou forte. – O que estamos falando é sobre você e sua derrota. Sei que pode doer perder para alguém mais novo, mas entenda que os Baker pagaram e muito bem pelo casamento falido entre vocês e os Trindade. Não mexa com os quietos, senhor Hallis.
– Sua língua é muito afiada, moleque.
– Ouço desde que me colocaram aqui – apontou para onde sentava. – Para lidar com problemas que são simples demais para resolver. Se os Baker possuem dinheiro de tantos lugares, venda os lotes para eles.
Anneton também esperava chegar nessa conclusão. Bater na frente dos Lila, Dalila, Godoy, o Castelo de Espadas, os Classic e os Genesis de uma só vez seria arriscado. Estar sozinho e sem apoio no Conselho dos Doze deixava-lhe exposto.
Com Heda e Groi tendo questões de suas terras para resolver, tinha que manter a postura mais forte ainda.
– E eles iriam comprar terrenos que não são vantajosos para eles?
– Faça eles acreditarem que são – Melco não pareceu nada preocupado. – Já fizemos isso com outras famílias. E podemos fazer com eles. Jogue uma isca. E veremos com que estamos lidando.
Anneton ficou em silêncio. As grandes famílias montavam um plano bem elaborado, e Anneton queria que realmente houvesse certa competência. Entretanto, depois de ouvir Darken falar sobre Orion Baker, era frustrante.
Ele não cairia num truque tão barato.