Passos Arcanos - Capítulo 232
– Eles realmente acham que minha família cairia num truque tão barato? – Orion jogou o papel na mesa e deu uma risada divertida. – E pensar que as famílias nobres conhecem tão bem nossa condição.
Cassiano esboçou um sorriso. Abake e Keila também estavam presentes com suas vestimentas novas, feitas pelas costureiras que moravam agora no terceiro piso da Segunda Casa, com muitos dos trabalhadores contratados pelos Baker.
O vermelho era tão forte que destacava de qualquer peça ou objeto ao redor. Orion usava uma parecida, com o bordado dourado nos ombros, descendo até os pulsos. Ainda dobrava o braço numa tipoia, enfaixado.
– Temos certeza que eles entraram numa crise – disse Krifen, sentado num canto, tomando chá. Aquele velho era mais cansado do que todos presentes. – As torres que perderam arrancaram mais de dez milhões, e o Banco Central negou recurso.
– Esses dois terrenos em VilaVelha são pequenos e não tem nada demais. – Abake estendeu o papel na mesa e olhou mais uma vez. – Mas, a chance não é ruim. Se estão desesperados que compremos terreno sem entrarem em leilão, podemos tomar mais algumas partes do Norte que ainda pertencem a eles.
Os dedos de Orion começaram a colidir contra o braço de sua poltrona.
– Isso seria interessante. A Montanha Azul foi uma jogada importante para termos o Castelo de Espetos, seria interessante se nos vendessem o Desfiladeiro Congelado também. – Girou a poltrona na direção do vitral atrás de si. – As criaturas lá são de grau três a quatro e são numerosos.
– Péssimo lugar, senhor – Cassiano respondeu. – Nada de bom viria de lá. Recomendo o Caminho de Nisho.
Era o que esperava de Cassiano. Ele fez uma colocação ruim para entender se seus Mestres iriam concordar ou negar. Claro, o Desfiladeiro era importante porque marcava um dos únicos caminhos para as áreas localizadas pertencentes ao Clero, mas sua travessia era perigosa.
O lugar era extremamente largo para se domar, além de que existia também criaturas que não tinham sido catalogadas. As cidades mais próximas também sofriam com o avanço dessas bestas e sua precária defesa.
Homens eram insuficientes para matar mais de dez criaturas voando.
Por outro lado, o Caminho de Nisho era importante porque localizava um templo remoto que pertencia a um dos antigos Xamas de Gelo, o Gondor Nisho.
– Acham que eles venderiam Nisho para nós por um valor adequado?
– Talvez trinta milhões – disse Krifen. – A condição de VilaVelha é urgente. Entre as famílias, somos os únicos que conseguem fazer uma compra grande desse tipo. Senhor, se me permitir, farei eu mesmo a papelada.
– Deixo isso em suas mãos, Mestre.
Num suspiro pesado, Krifen se levantou e saiu em passos lentos. Assim que fechou a porta, Orion girou a poltrona de volta.
– Com Nisho em nosso comando, teremos capacidade de tomar conta dos avanços do Clero e também ganhamos um Templo Arcano, o que é difícil até mesmo para os Lila e Dalila.
– Eles irão aceitar tão facilmente assim? – Abake questionou, indiferente. – Se perceberem que estamos tomando parte a parte do norte, ficarão mais atentos.
– Darken conversou comigo esses dias. A Justiça Mágica quer alguém rondando nossas terras. – Orion puxou o papel da mesa para si e deu mais uma olhada. – O Conselho dos Doze, a Justiça Mágica e as Famílias Nobres são três das quatro partes que possuem terrenos espalhados. O outro grupo é mais escondido, os Velhos Reis, do Conselho Negro.
Cassiano cruzou os braços, desgostoso.
– Aqueles velhos se aposentaram faz anos, Orion. Fazer negócios com eles é mais complicado do que parece.
– Não, Mestre. – O papel voltou a mesa. – Não pretendo fazer negócios com eles. Eles sabem de nós, sabem do Papa Oculto e sabem disso – ergueu o braço enfaixado. – Somos desonrados demais para eles virem e eles são orgulhosos demais para irmos.
– E o que tem a ver uma coisa com a outra?
– Uma vez eu disse ao Mestre Pice quando conversamos que a única coisa que pode unir as pessoas são o medo e o interesse. E nesse caso, o interesse é comum.
I
Orion adentrou a Forja Alquímica. O cheiro ácido impregnado no ar o fez tossir algumas vezes e levar a mão ao nariz. Com uma careta, também percebeu a fumaça meio cinzenta perto do telhado. Ele mesmo havia projetado aquele lugar para que fosse largo e amplo, assim não corria medo de que quem estivesse projetando ou criando ficasse restrito em movimentos.
E mesmo assim, a fumaça cobria metade do espaço no alto e os trincos das janelas ficavam presos.
– Mestre Rasgun – o chamou com dificuldade. – Lumiere.
– Estou aqui atrás, senhor – a voz de Rasgun veio da outra sala. – Por favor, venha até aqui.
O lixo entulhado nas laterais das duas bancadas, a quantidade de frascos brilhantes nas prateleiras e até mesmo os livros abertos, um ao lado do outro. Um gênio em Alquimia e completamente desorganizado.
Ao passar para a próxima sala, sentiu uma barreira mesclada no portal de pedra, e respirou mais aliviado. Bateu nos ombros, tirando a fuligem acumulada e fitou Rasgun. O velho homem de cabelos cinzentos fumava um cachimbo com um chapéu pontudo cobrindo o topo de sua cabeça.
Lumiere trabalhava numa das forjas, aplicando círculos mágicos maiores numa das pontas e acelerando um dos processos de criação com uma runa da Escola de Luz.
– O que é aquilo lá atrás? – Orion aproximou-se. – Está um caos.
– Experimentos com colorações a base de vapores ácidos. – Um bafo cinzento escapou entre o cachimbo e boca de Rasgun. – E aqui estamos fazendo o que pediu.
– Tentando – Lumiere o corrigiu. – É mais difícil do que forjar um Sumona, Orion.
A garota limpou o suor da testa e se afastou do cubo de pedra. Orion foi pra perto e deu uma olhada.
– Qual a precisão que temos?
– Mais de 50% depois dos detalhes que passou.
Lumiere sentou-se num banco de madeira perto da bancada e apoiou os cotovelos. Ficar com Rasgun lhe tirou todas as cordialidades de uma aluna de Magnus e mais ainda, a tal feminidade. Dava pra ver sujeira acumulada no pescoço e os calos nos dedos. Se não fosse o sorriso no seu rosto, mesmo esboçado, Orion iria achar que estava sendo feita de escrava.
– Projeção de cinquenta a cada dez horas – disse Rasgun. – Efeito de quebra e coleta, como instruiu.
– E temos alguma já pronta?
Rasgun girou na cadeira e apontou para uma mesa de madeira num canto. Em cima, uma picareta de ferro. Orion esticou um dedo e ela flutuou, vindo em sua direção. Segurou com força, dando uma leve observada na superfície.
– O material é o mesmo de todas as outras. – Rasgun tirou o cachimbo da boca. – Olhe as propriedades. É bem diferente de um Sumona.
A mana injetada fluiu para dois pontos, a madeira e o ferro. Ali, Orion sentiu as duas pequenas runas alimentando os materiais.
– O peso diminuiu e o impacto aumentou.
– Consegue ver as partículas? – Lumiere perguntou animada. – Eu falei para o velho que podia ser uma boa.
Orion assentiu. Realmente havia uma pequena matriz, num terceiro plano da runa do ferro. Lumiere era incrivelmente inteligente, beirando a genialidade da Alquimia. Nunca esperou que em uma forja, seu nível chegaria a mesclar.
Quebrar no impacto e manter o refino do metal, diminuindo a carga e também o tempo para manutenção do equipamento.
– Ficou incrível – elogiou aos dois. – Servirá e muito para o que queremos. Os minérios que temos hoje são bem resistentes, mas isso aqui vai acabar com o problema.
– Bom, foi o senhor quem mandou fazer – Rasgun deu uma risada. – Os Mestres me disseram que o senhor tinha muitas ideias estranhas. Quando os anões souberem disso, eles vão ficar furiosos.
– Tenha certeza disso, Mestre Rasgun. – Orion abaixou a picareta e devolveu a mesa. – É só uma questão de tempo.
Orion deixou a Forja de Alquimia e passou pela ponte de madeira que ligava as duas casas. Abaixo deles, um pequeno lago. Os peixes nadavam de um lado para o outro, e numa outra ponta, duas crianças jogavam pão.
Assim que viram Orion, suas expressões mudaram na hora.
– Eles estão com fome – disse Orion num sorriso. – Continuem jogando. Eles vão ficar gordinhos.
Os dois garotinhos riram e jogaram mais. Dando a volta, se uniu aos dois. Tocando a mão no chão, moldou um pequeno banco alargado. Sentou-se com eles e pegou um pouquinho de pão.
– Já deram um nome para eles?
O rapaz bochechudo balançou a cabeça, como se fosse óbvio.
– Posso dar um nome para aquele vermelho lá? – apontou com entusiasmo. – Ele é bonito, não é?
– Aquele ali, o douradinho é mais. – O outro jogou o pão quase na boca do peixe. – Ala, ele come mais rápido.
Orion jogou mais um pedacinho na ponta e viu os peixes correndo até lá.
– O vermelho vai ter qual nome?
– Hm, quero que seja Senu.
Orion olhou para o outro.
– E o dourado?
– Alasan.
Um pequeno lapso de tempo. Ouvindo as crianças conversando, de um vento frio passar e os deixar congelando. As roupas dos dois eram finas demais para aquele inverno inacabável, então retirou dois casacos pequenos e lhes entregou.
Sem o frio perturbando, permaneceram brincando de um lado para o outro até que ouviram o sino da cozinha. O cheiro de frango e do arroz pairava no ar. Eles não pararam, pegaram na mão de Orion e o carregaram para fora das Grandes Casas, na direção da cidade.
– O avô faz o melhor ensopado de todos – o bochechudo disse. – Ele gosta de fazer de tudo.
– E a vó faz suco da neve, sabia?
Depois de passar por duas ruas e ser reconhecido, o rosto de muitos abaixou-se em respeito. Orion adentrou um beco entre duas largas casas, e saiu num pátio. Ali, avistou as pessoas. Os pescadores, lojistas e muitos dos pedreiros que trabalhavam pela cidade reunidos.
As crianças libertaram-se de Orion e correram para as mesas com os grandes casacos cobrindo suas pernas, ombros e braços. E recebidos com carinho e abraços por quase todos, notaram Orion logo depois.
E suas expressões mudaram.
– Mestre Baker.
Aqueles sentados nas mesas se levantaram velozmente e se juntaram aos demais, abaixando a cabeça. As duas crianças não entenderam nada e depois apontaram para Orion.
– Ele é o moço do peixe, vô – o bochechudo disse. – Ele deixou a gente dar nome aos peixes do lago. Coloquei o meu de Senu.
– E o meu foi de Alasan.
Orion deu uma risada.
– São bons nomes. Eles me disseram que aqui ficava a melhor comida da cidade, então eu vim. Posso me juntar na mesa com vocês?
– O… senhor? – um dos homens, mais velho, ergueu a cabeça. – Tem certeza? Não limpamos o lugar nem nada para receber alguém como…
– Eu vim para comer. Posso?
– Claro. – O homem ergueu a mão e apontou para dentro. – Arrumem uma mesa nova e um banco para o Mestre Baker.
Orion já tinha se sentado ao lado das crianças antes que eles pudessem fazer qualquer movimento.
– Aqui está bom. Então, o que iremos comer hoje?