Passos Arcanos - Capítulo 233
– Estamos prontos.
Parado no pátio ondulado, em frente ao pequeno lago cheio de peixes, Orion reuniu Wallace, Cassiano, Tito Baker e Heivor Lobo Javali. Tirando esses homens, Carsseral havia se enrolado no pescoço de Orion, descansando previamente de olhos fechados.
A nova armadura de Wallace refletia bastante pela fraca luz do sol. Com seu tamanho e largura, parecia uma montanha pronta para cair em cima dos inimigos. O elmo com um chifre, imitando o capacete lendário dos Cães Imortais lhe dava um aspecto bem demoníaco. Não que fosse interferir no julgamento dos inimigos, Wallace por si só já era mortal. O objeto apenas somava no seu semblante.
Atrás do Grande Cavaleiro, seus subordinados, que vieram das trincheiras de Archaboom. Seria humilhante não lhes dar vestimentas adequadas, por isso, durante a semana que as muralhas ao redor de Keifor eram finalizadas, os ferreiros tiveram um trabalho mais acentuado.
O ferro nas ombreiras, o peitoral limpo e suas couraças pesadas. Além das armas novas, como um presente de Orion. Um batalhão que já era treinado para sobreviver com um aspecto bom e descansado.
Cassiano estava sozinho, apenas com sua espada e couraças novas. Recusou ficar parado na cidade quando a Montanha Azulada era conquistada. Os feitos da guerra, ele gostava mais do que qualquer um.
Tito tinha um aspecto mais longo. Usava um tapa-olho no direito por causa do ferimento, um que Orion mesmo produziu com simples Runas Justas. Abaixo daquele pequeno pedaço de couro, uma runa capaz de lhe dar uma visão aprimorada.
E o arco novo, bem entalhado e firme, guardado atrás de suas costas.
O último, Heivor e Mestre Pice, com vários membros da Tribo Mestiça. Depois de se recusarem a usar armaduras e armas, Orion permaneceu com a ideia de levá-los. Existiam inimigos que uma mão não poderia estrangular ou socar, e Heivor tinha que aprender vendo pessoalmente.
– Eu vou nos deixar cerca de duzentos metros da primeira entrada – disse Orion. – Se organizem da forma que quiserem. Quando pisarmos lá, os inimigos se levantarão. Estaremos isolados, então, usem esse dia para treinarem suas habilidades principais.
– E o que faremos depois disso?
– Tito.
O Arqueiro girou no próprio eixo.
– A entrada é comandada por criaturas chamadas ‘Golens de Gelo’. São conjurações de uma runa dentro da montanha. Quando eu estive lá, contei aproximadamente mil inimigos por terreno. Se vamos enfrentar um inimigo desse tipo, precisamos nos manter estáveis em posição.
– Temos que derrotar todos eles? – Wallace perguntou de braços cruzados. – Não deve ser difícil.
– Esses Golens são separados em classes. Existem os atiradores, que ficam nas montanhas, onde o Castelo de Espeto reside, e tem os soldados. E tem os Gigantes, que são três vezes maiores do que um humano de dois metros.
– Parece ser divertido. – Heivor e alguns da Tribo Mestiça ficaram ansiosos. – Eles não possuem vida, não é? São só feitos de gelo.
– Praticamente. Mas, tenham cuidado com as flechas e as armas. Elas são forjadas por mana bruta e natural misturadas. – Frisou com força: – Se eles tocarem em você, fica congelado.
A Tribo Mestiça calou a ansiedade para atenção. Era óbvio que eles lutavam sempre visando tomar danos, dessa vez, teriam que se concentrar em não serem acertados. Para voltarem vivos, precisariam se adaptar.
Orion esticou o braço e um portal cinzento se expandiu. Ainda com o braço esquerdo enfaixado, sentia um incomodo quando ativava uma magia de grau mais elevado. Não doía como antes, Carsseral também lhe havia dito que iria diminuir com o tempo.
Um ferimento que pode durar muito tempo.
– Vamos primeiro.
Wallace e os Cavaleiros passaram o portal. Tito e Cassiano, depois Heivor e a Tribo Mestiça. Faltando apenas Orion, ele parou antes de atravessar. E virou a cabeça.
– Sei que querem ir. Vamos.
De uma das janelas, Martin Crons revelou sua cabeça, com um sorriso imenso.
– Sabia que eu estava aqui? Eu suprimi toda a mana.
E Nayomi saiu de trás de uma das portas, com sua armadura branca completa e sua espada guardada na cintura. O cabelo preso em um rabo de cavalo e com uma manopla de ferro, diferente da sua antiga.
– Você está ferido, vai precisar de uma escolta.
Orion deu uma risada e concordou.
– Estão nos esperando. Precisamos pegar o Castelo de Espeto até o final do dia. – E adentrou. Martin e Nayomi se apressaram e passaram depois.
No meio de um imensa placa de gelo, o grupo era bombardeado por uma ventania forte. O gelo era salpicado, puxando a neve para cima e também fragmentos mais frágeis, se tornando como flechas vagando desordenadamente no ar.
Orion fechou o portal, avistando a Montanha Azulada. A grandeza daquela construção natural chegava a assustar. O topo tocava o céu, com picos sumindo acima das nuvens, nubladas e misteriosas até mesmo para sua visão aguçada.
O azul que corria em muitas partes refletia o fraco sol em outras partes, clareando áreas e sombreando outras. Deformidades, como gelo ramificados e contorcidos sem suporte, lhe dizia que o uso de magia ali tinha sido comum muitos anos atrás, antes de nascer.
A Ordem já tinha se instalado ali para suprimir um avanço do Clero, e por ser grande, larga e gigante, o número que precisavam deveria passar os milhares. No entanto, o que eles tinha em posse era apenas uma parte da Montanha Azulada.
As ameias antigamente eram pedras refinadas nas mãos dos melhores pedreiros e forjadores, e agora foram soterradas por um gelo abissal que não parava de soprar seu frio em volta. O relevo plano era apenas uma decoração momentânea.
– Daqui pra frente, tomem cuidado – avisou mentalmente aos demais. – Iremos nos comunicar com uma magia de telepatia. Aqui, o som não se propaga por causa do ar.
– E para onde temos que ir? – Heivor questionou mentalmente, mesmo engasgando um pouco na fala. – Isso é tão estranho.
– Aos poucos você se acostuma. Lá na frente, o gelo deformado tem a posição da primeira entrada do Castelo de Espeto. O nome desse lugar é assim porque a qualquer momento pode acontecer do solo mudar. Os inimigos sabem e vão usar isso contra a gente. Não fiquem parados sempre, deixem o instinto guiar suas ações. E melhor ainda, usem mana. A desvantagem do nosso lado é clara, por isso, não sejam mesquinhos ou subestimem esse lugar.
– Certo. Ficar junto vai nos deixar vulneráveis. – Heivor começou a levar sua tribo para uma parte do terreno. – Melhor nos separarmos.
Wallace fez o mesmo, levando os Cavaleiros na direção oposta ao Lobo. Tito e Cassiano se uniram indo em frente. Nayomi e Martin permaneceram ao lado de Orion, esperando.
– O que fazemos agora? – Wallace já tinha se distanciado quase 150 metros de Orion, e mais de 300 de Heivor. – Nada mudou desde que a gente chegou.
– Só precisamos avançar mais.
Dito isso, Tito puxou seu arco das costas e ajeitou uma flecha em seu linho. Mirou fortemente em frente e depois ergueu o braço, para um ângulo curvado. Orion esperou, e assistiu a ponta da flecha se incendiar previamente.
O brilho foi forte para chamar atenção dos grupos separados. E no momento que atirou, o ar se deformou no terceiro segundo de avanço, ficando ainda mais forte. Ela desceu sem um zunido sequer, mas ao tocar a placa de gelo, a explosão.
Centenas de pedras se elevaram e o fogo se espalhou pelas paredes, derretendo o gelo. Aos poucos, as antigas pedras usadas na construção do Castelo de Espeto apareceram. E junto delas, um tremor nada leve.
No meio dos ventos fortes, agudos gritos correram juntos. As criaturas nasceram do chão, com corpos cobertos de gelo. As placas, imitando armaduras, também era azuladas, e suas armas quase transparentes eram da cor da montanha.
O número aumentou tanto que o espaço entre a entrada e o grupo pareceu se separar ainda mais.
– São mais de mil – Cassiano falou, impressionado. – E pensar que a Ordem faria algo assim para proteger um lugar desse.
– A Ordem tinha um restrição para o lugar, mas isso foi não parece ser um feitio deles. – Orion ainda queria saber como uma runa de multiplicação podia estar tão bem alocada sendo que ninguém visitava aquele lugar há anos. – Eles se separaram em classes de batalha, tomem cuidado e ajudem uns aos outros. Tirando isso, vão em frente. Queremos a primeira entrada do Castelo de Espeto ainda hoje.
– E quantos eles podem multiplicar por vez? – a pergunta mais importante veio de Nayomi ao seu lado. – Se o volume que tivermos for menor do que a criação deles, vamos ficar aqui pra sempre.
– Teremos que saber com o tempo.
Orion respirou fundo e deixou seu ‘Campo Absoluto’ ressoar. A barreira invisível cobriu cerca de cem metros ao redor dele, incluindo Nayomi e Martin. Os dois sentiram também a estranha sensação. Ganharam uma percepção mais detalhada do que se movia ou do que estava parado em cada direção.
Martin soltou uma risada e fechou os olhos. Os raios azulados cobriram seus pulsos e depois seu punho. Separou os dois pés velozmente e se atirou em frente. O gelo abaixo dos seus pés trincou quando passeava em zig zag.
Inclinou o ombro para trás e libertou um soco no primeiro guerreiro de gelo.
A explosão resultou numa violenta onda, carregando diante dele pra longe. Sem parar, pisou no chão gélido e soltou um rugido. Os relâmpagos se libertaram pelas laterais, tomando controle e perfurando vários de uma só vez.
Desde a última vez que Orion o assistiu lutar, Martin havia ganhado uma concepção bem pequena de lutas. Um ano atrás, e parecia que seus treinos mudaram. Os braços mais leves, as pernas como suporte direto e não deixando brechas pelas laterais.
Até mesmo aquele instinto agressivo, de uma besta parecia ter sido dominado. Só parecia.
Martin gargalhou e se atirou no meio de quase trinta guerreiros de uma só vez.
– Ele é maluco – ouviu de Mestre Pice. – Um ninho de inimigos e ele é só um.
– Martin Crons sabe se virar – comentou Orion. – Ele é um amigo pessoal que deve ser respeitado com todas as honrarias de um guerreiro. E também porque é mais maluco do que qualquer um que já conheci.
Um imenso redemoinho se formou onde os Guerreiros de Gelo haviam se reunido, cortando e levantando tudo ao redor. Entre o vento frio, os raios azulados corriam e explodiam-nos. O azul e o cinza misturados com a fraca neve que caía, gerando uma cena exuberante.
– ‘Lyn: Corrupção Elétrica’. – Orion falou com um sorriso feliz no rosto. – Ele aprendeu novas magias.
Nayomi o encarou.
– Ele é o Lança Externa mais forte do meu tio, mas nunca o vi lutando. Dizem que nem mesmo os Lanças Internas conseguem vencer Martin numa troca justa.
– Quando estávamos em Magnus, ensinei ele muitas coisas diferentes para se aprimorar. – O tornado se rompeu no meio do caminho e os filetes de eletricidade pairaram suspensos no ar. Martin surgiu em cima de qualquer inimigo azulado e mirou o braço pra baixo. – Ele almeja tão alto quanto eu.
A runa de Martin girou de forma contrária, e acendeu um clarão em quase cem pontos diferentes acima do chão.
– ‘Lyn: Corredeiras do Raio Azul’.
Os fragmentos elétricos no chão e no ar se interligaram, subindo e descendo juntos. Tudo na frente das mais de uma centena de fios azuis foram atravessados. O raio adentrou o corpo gélido, rachando os membros até sair pela parte mais alta, na cabeça.
Uma batalhão inteiro se tornou pó azul em segundos.
– Incrível. – O batalhão de Cavaleiros de Wallace não deixava de se impressionar.
Esse era um Mago diferente do que ficava nas trincheiras de Archaboom. Ele não se escondia atrás das capas e armaduras de outros homens, fingindo ou debochando de sua fragilidade. Não, esse era um renomado Mago de Raio nomeado pelo Imperador Nero como uma Lança Externa.
Não havia medo nos seus olhos e nem mesmo um pedido de ajuda.
No alto, prestes a executar seu próximo movimento, Martin Crons era mais temível que todo o batalhão de Archaboom reunido.
– Tito. – Orion esperou que o Arqueiro prestasse atenção. – Ele ainda não consegue observar todo o contexto. Dê suporte a ele.
– Farei isso.
Num só momento, uma flecha estava pronta e o linho puxado. A respiração de Tito se tornou pesada, seu olho não ondulava, sua mana perfeitamente alinhada com a postura. E se viu um brilho formar no alto, bem longe, só que tendo as costas de Martin como alvo.
A flecha se separou do arco. Um segundo depois do seu lançamento, o ar se contorceu e aumentou mais a pressão. Ela cruzou aqueles quase cem metros em três segundos, e antes de chegar no brilho, uma segunda já viajava pela lateral, curvando-se pelo vento.
As duas explosões ocorreram quase simultaneamente, expelindo gelo pra todo lado.
– São Magos de Gelo – disse Orion, alertando todos. – Tomem cuidado e se protejam desses disparos. Ainda não temos noção da posição por causa do seu número, mas devem estar mais recuados.
Wallace apontou o machado e o grupo de Cavaleiros correu pelo gelo. Do outro lado, Heivor e a Tribo Mestiça puxou seu grito de guerra.
– Mestre Baker – Cassiano disse um pouco mais a frente. – Eu peço permissão para utilizar minha espada com intenção de destruir esses inimigos.
– Por favor, Mestre Cassiano.
O velho Mestre das Armas puxou lentamente sua espada da cintura enquanto andava para o mais perto dos Guerreiros de Gelo. Sem aura, sem presença, apenas uma lâmina preparada, Orion sempre sentia como se aquele velho fosse inabalável nos seus momentos de glória.
Isso se perdeu quando Cassiano ia usar uma magia que o mataria contra Monique Aurelius. Ali, naquele pequeno lapso, Cassiano saiu de uma espada para uma figura. Alguém que não importava se a espada estivesse desembainhada ou não, deveria se respeitado.
E esses guerreiros sem consciência nada tinham de respeito contra o único Mestre de Armas dos Baker. Custando mais do que seus braços ou pernas, o amontado de corpos que se reuniu em sua passada assustava.
A lâmina atravessava o ombro, decepando braços, girava pela lateral, saltando a cabeça do restante do torso e levando-os a cair sem uma das pernas. Cassiano formou um corredor estreito onde sua espada formulava quem devia ou não cair.
– Eu também vou – disse Nayomi, mas sem sair do lugar. – Vai ficar tudo bem se ficar sozinho com esse braço?
– Não se preocupe, tenho Carsseral comigo e fui treinado por Mestre Cassiano também. – Orion mostrou um sorriso caloroso. – Não tem nada aqui que possa me derrotar.
Nayomi assentiu, percebendo que suas palavras não incluíam apenas os Guerreiros de Gelo, incluíam os vivos também.