Passos Arcanos - Capítulo 234
– Temos controle da parte leste. – O machado de Wallace brandiu-se arrancando cerca de três guerreiros de uma só vez. Os Cavaleiros se alinharam de maneira que os ataques fossem cessados antes de alcançar o pico.
Orion ficou impressionado. Eles podiam ter sido bem treinados antes, mas esse tipo de precisão só poderia ser adquirida com muitos anos de conhecimento e experiência. Impedir uma espada de alcançar seu aliado no meio do caos da batalha, e conseguir reagir de imediato – esse tipo de visão era complexa demais.
Uma espada cortava o que seu portador observava, mas Wallace aplicou um fundamento que Orion mesmo havia lhe ensinado muito tempo atrás.
– Se quer acertar alguém no escuro, vai precisar mais do que seus olhos. Vai precisar do ouvido, do nariz e da boca.
De costas, mais afastado do seu grupo, Wallace ficou exposto. Uma espada azulada desceu feroz. Ele apenas ajeitou a postura num passo para o lado, e o golpe passou no vazio. E mais três vieram juntos, seu machado ergueu-se na direita.
Não estava rápido demais, nem lento demais. Acostumou-se com seu inimigo e aplicava o necessário para terminar com a vida de mais de cinco com um único acerto. E ao agarrar o pescoço de um deles, usou seu corpo para girar e ganhar terreno.
Os Cavaleiros se uniram a ele, elogiando sua postura. Ele era verdadeiramente um líder como Cavaleiro, e bem respeitado. Os comentários de cada grupo soavam mentalmente por conta da dificuldade e distância, e podiam se ouvir perfeitamente.
– Noventa e seis. – Uma voz soava sempre baixa, continuada. – Noventa e sete. Noventa e oito.
Martin Crons se enviava como um torpedo de raios para mais longe. Rápido demais para que reagissem, quando um dos Guerreiros de Gelo acertava o tempo, uma flecha cravava em sua cabeça.
Tito corria entre os corredores deixados por Martin, acelerando-se com flechas explosivas e também de usos diferenciados de mana. A arma projetada ganhou não só um novo aspecto, mas também habilidades.
Reunia mana em sua ponta, selecionando a Escola de Magia, e atribuindo sua condensação. Quando Tito largava um dos seus disparos, a cor que brilhava sempre revelava qual base utilizava.
E o vermelho daquele momento era da Escola de Fogo, incendiando uma área ampla de quase 20 metros quadrados. O único som que se propagava eram os gritos sequenciais de cada guerreiro que caía.
E por esse fato, Orion nem mesmo se mexeu. Qualquer perigo poderia ser eliminado sem muita resistência. Ele apenas queria a contagem. E teria que esperar pacientemente.
– Você também está sentindo, não é? – Carsseral havia acordado, falando apenas com ele. – Eles não são só criações.
– Percebi depois da contagem de Martin começar a cair.
O número de abates do Mago de Raio subiu muito até os setenta, e depois pareceu decair. Não porque ele diminuiu o ritmo. Os Guerreiros de Gelo começaram a se precaver mais, e não só dele.
– Parece que existe certa consciência nesses brinquedos – disse o Dragão. – E aquele primeiro disparo foi apenas de advertência. Quem quer que seja, está analisando essa batalha com paciência e cautela.
– Aumentando o nível dos seus soldados sem que a gente percebesse.
Era uma estratégia básica para invocações. Orion mesmo usava disso para aprender como seu inimigo se portaria.
Martin usou uma das suas lanças de raio, pulou usando o ombro de um dos guerreiros e a arremessou de volta pro chão. E os alvos recuaram com um pequeno salto, abrindo um espaço de dez metros vago onde os raios se espalharam sem acertar ninguém.
– Orion – disse Martin –, eles estão diferentes.
– Bom que percebeu. Não seja mais imprudente lutando sozinho, recue para mais perto de Tito. Os demais, escutem bem, eles podem estar sendo comandados por algum tipo de criatura com consciência.
– Como o quê? – Heivor havia acabado de abrir um dos guerreiros no meio com sua mão nua. – Eles ainda parecem bem fáceis de derrotar pra mim.
– É o que deve se parecer. Cada guerreiro deve estar alinhado com algum tipo de raciocínio maior, estão pegando informações de como lutamos e acelerando seus níveis de combate. – Orion avistou Cassiano e Nayomi com suas espadas sendo constantemente presos pelas lateais e se aproximando. – Deixem sempre um caminho para recuar para onde estou.
– Certo.
Com mais cautela, os grupos tornaram a se manter em uma posição ou recuar alguns metros. A distância, Orion tinha certeza que sua magia chegava a tempo. O mais complicado seria Martin pela sua velocidade e também adaptação, correndo e usando os seus raios para sair de uma ponta para a outra, ganhando mais vantagem aos outros grupos.
Havia hora que se aproximava da Tribo Mestiça e um rombo deixado no gelo tirava um peso dos ombros deles. Com mais consciência, esses inimigos congelados teriam que se preocupar com dois pontos diferentes atacando.
O que tornava ainda mais complicado a permanência e foco num só grupo. E Tito, sendo mais ardiloso, apenas atirava quando achava necessário. Corria entre os corredores, escorregando e pulando, como um acrobata.
Wallace ficou agarrado um pouco fora do alcance dos Cavaleiros, e uma flecha erradicou uma duzia com petrificações.
– Por que não vai lutar? – Carsseral também assistia os outros. – Esses brinquedos são frágeis demais. E estão sendo superados.
Orion não piscava, fitando o campo inteiro com foco.
– Existe um limite. E ele vai chegar. Um Mago tem muito orgulho por suas criações, e se deixar tudo que criou ser destruído de uma hora pra outra, a humilhação seria enorme. – Fez uma pausa. Dois Guerreiros de Gelo se distanciaram de Nayomi assim que sua espada se ergueu. – Desvio perfeito.
Outro escapou das mãos de Wallace. Outro do soco de Heivor, abrindo uma brecha para contra atacar com peso.
– Esse pequeno ponto é crucial. – Seu dedo começou a se levantar. – O momento que ele acha que tem vantagem para acabar com todos de uma só vez.
As expressões de cada um foi de choque. Os Guerreiros de Gelo acharam o momento exato de atacar. Suas armas se uniram velozmente, e miraram em pontos precisos. Um só ataque e eram congelados.
A reação de Orion foi rápida.
Seis aberturas no espaço ao mesmo tempo. Os seis que foram pegos de surpresa viram as armas entrando no pequeno portal e errando. E esses Guerreiros puderam ver do outro lado a face impassível de Orion Baker.
– ‘Viesk: Forja das Chamas Escarlates’.
Seis runas apareceram mirando para o espaço e expeliram uma imensa rajada de fogo. O fogo se espalhou assim que atravessou o portal, afastando boa parte dos Guerreiros de Gelo. No entanto, o espaço que as chamas tomaram também foram grandes demais, carregando-se num espaço de quase cinquenta metros.
Os portais se fecharam, deixando cada grupo com uma imensa abertura em uma das direções. As chamas vaporizaram tudo.
– O que foi isso? – Cassiano se afastou da multidão azulada, para mais perto de Nayomi. – Aquela espada realmente ganhou vida do nada.
– Foi como eu disse. Ele está observando e analisando cada movimento, mas não de uma pessoa de cada vez. – Orion abriu um sorriso de lado. – Seis pessoas diferentes estão lutando ao mesmo tempo e com estilos diferentes, absorver os dados e transformar em informação. E eles começam a lutar como vocês.
Tito também teve que se afastar com Martin o escoltando. Ficaram mais próximos de Heivor e a Tribo Mestiça.
– Isso é possível com magia? – o Arqueiro perguntou depois de parar. – Eles se multiplicam e aprendem com os outros, isso chega a ser roubado de tão ridículo.
– Foi uma das magias ancestrais datadas na Era Maníaca. Tem muitos pontos fortes, mas também custa muito do seu criador. E se essa pessoa possuí um corpo físico, pode estar sendo constantemente alimentado com algum tipo de orbe de mana ou uma magia passiva também ancestral.
– E qual a possibilidade de conseguirmos tomar o Castelo desse jeito? – perguntou Cassiano.
– Baixa se não chegarmos até quem está fazendo isso. – Orion esticou o braço direito, mas parou no meio do caminho. Lembrou-se do esquerdo e também do excesso de mana que o levou a ficar daquele jeito. – Nossa movimentação foi perfeita até agora, mas precisamos reagrupar.
Eles não negaram a ordem e fizeram uma retirada. Os Guerreiros de Gelo avançaram mais ardentemente, visando-os. Isso só dizia a Orion que estavam ansiosos. Precisavam ser rápidos, mas por que?
Houve brilhos vindo da ameia do Castelo de Espetos, onde as torres congeladas se situavam.
– Voltem – Orion foi mais rude. – Agora.
– Eles estão forçando muito. – O grupo de Wallace começou a ser empurrado para o centro por uma avalanche de ataques pela retaguarda. – Merda, usem a ‘Trava’.
Os Cavaleiros reagiram com suas armas. O fluxo de mana de seus pulsos foi aberto, e num rajada para os lados, abriram mais de trinta Guerreiros de uma só vez. Se libertaram da muvuca e retrocederam na posição.
Heivor e a Tribo Mestiça não teve tanto problema. Cassiano e Nayomi já estavam praticamente dez metros de Orion. Martin pegou Tito e saltou, planando na direção deles.
Os brilhos mudaram de posição. Orion olhou para cima.
– Isso é magia? – Mestre Pice ficou horrorizado. Podia-se contar mais de cem deles e continuavam crescendo mais e mais. – Eles estão mirando em nós.
– A única forma derrotar um inimigo que pode copiar o que você faz é simples. – Orion disse aquelas palavras, Wallace, Nayomi, Cassino e Martin o encararam, surpresos. – Mostre algo que ele não vai ser capaz de entender.
Orion apenas ergueu o braço e mirou seu dedo para a torre congelada. Sua presença ganhou forma, mais e mais, tomando quase o campo inteiro até a entrada. Seus olhos encontraram com um outro par, fitando-o fortemente.
Eram azuis, como o gelo da montanha, tão brilhante quanto safiras. E mortalmente gélidos.
– Eu vejo você – a voz soprou como vento. – Vejo sua…
Orion abriu a mão.
A torre inteira libertou-se em chamas. O vermelho brilho com tanta intensidade que sobrepôs as luzes no céu. Em seguida, uma runa apareceu para Orion.
– ‘Viesk: Fração Bruta de Ahimed’.
Mais de uma centena de esferas brilhantes apareceram flutuando e subiram fortemente.
– Explodir uma das torres era necessário? – Mestre Cassiano ficou surpreso com as chamas se expandindo e não apagando.
– É só uma torre.
As esferas de fogo começaram a destroçar aquelas esferas de luz uma por uma. A consciência na torre não pôde fazer nada. Orion continuava suprimindo sua posição. Então, num lapso de segundo, ele desapareceu de lá.
Fechou a mão. A runa se desfez.
– Ele mudou de lugar – explicou aos demais. – Se preparem.
Um dos Guerreiros de Gelo caiu de joelhos. Seu pescoço torceu algumas vezes, e os outros se afastaram, com medo. O braço desse alongou-se, seus dedos mais afiados e humanoides. Seu queixo estalou algumas vezes, o pescoço girado e os olhos piscantes.
Junto do corporal, sua armadura ficou mais robusta, com um elmo entalhado de ferro na testa em três pontas. Ombreiras antigas, o pulso protegido por uma manopla de couro gasta, e um casaco grosso caído para frente, com símbolos dourados pegando o peito e no joelho.
O rosto, agora mudado, dava para ser considerado mais perto de um humano. As orelhas suplicavam de carne, ficando bem expostas, e os lábios cortados e cinzentos. A pele ganhou um rosado, só que o sol nunca chegou a bater ali.
Era um homem fora do seu tempo, como Maio foi um dia. E Orion não se atreveu a ser rude.
– Aquela torre era minha – a voz soou mentalmente para eles. – É assim que estão se comunicando, não é?
– Com quem falo? – perguntou Orion. – Não deveria ter nenhuma pessoa no Castelo de Espinhos.
– Você, o homem com o dragão, é o mais perigoso. Soube do meu plano desde o começo. Viu através da minha habilidade. – O homem abriu e fechou a mão, admirando a si mesmo. – Eu pude ver a materialização através de sua mente. Você também faz isso.
A runa de Viesk que Orion tinha acabado de usar se formou nas mãos daquele homem. E havia outra coisa perturbadora. Atrás dele, os Guerreiros de Gelo também ganhavam novos corpos, ficando mais e mais fibrados.
Chegavam perto de se tornar figuras mais vivas.
– Você parece ser um Bruxo – disse Cassiano com seriedade. – Está vivo e morto ao mesmo tempo. Eu sinto sua vitalidade ondulando.
– Bruxo? Já fui um dia. – A voz lenta, cheia de pressão. – Já fui isso um dia, mas fui amaldiçoado. Um Mago me prendeu nessa forma, me dando a tortura de proteger o que nunca foi meu por direito. Aquela torre – os olhos azuis recaíram em Orion, de novo –, era onde eu mais gostava de ficar, Dragão.
O exército de gelo havia se transformado completamente. O número deles era mil vezes maior. A desvantagem era surreal.
Teria que arriscar dali pra frente.
– Espero que seu nome, por tudo que seja sagrado, não seja Frankilin Verallia.
Cassiano deu um passo para trás na hora e puxou Nayomi consigo. Ela ficou sem entender, mas não recusou voltar. Orion quem deu o passo em frente, ficando diante dos outros.
– Espero que não seja essa pessoa porque se for, sinto que posso morrer hoje. – Ele puxou a espada e a deixou pra baixo. – E se eu vou morrer hoje, fico honrado que seja pelo Bruxo que matou dois Papas e dois Reis Arcanos.
Primeiro o Papa Oculto, agora o Bruxo que dominou o Norte na Era Maníaca. Minha sorte é questionável demais.
– Sou quem diz ser, mas não quem quero. – Ainda olhava para seus braços. – Eu procurei uma forma de reviver, mas essa forma ainda é incompleta. A matéria é diferente das partículas e ainda sou bem precário nesse… ramo.
– Arcanismo Comum, você diz.
– É como chamam o estudo dos Homens dos Números hoje? – Frankilin Verallia assentiu para si. – Mais de mil anos no Templo Gondor Nisho e me apareceu um Materialista.
O Templo de Gondor? Cassiano e Wallace também ouviram bem.
– Você toma conta da Montanha Azul, Bruxo Frankilin?
– O Norte já pertenceu a mim uma vez, e essas terras foram abusadas por muitos anos. Eles tentaram me conter, mas suas amarras eram… fracas. Muito fracas. Eu matei muitos, mas nunca me deram o que eu queria.
– A Liberdade?
O Bruxo permaneceu quieto. Mesmo olhando adiante, ele não parecia focar no presente. Orion forçou sua mente e vinculou-se a dele, criando uma conexão por telepatia. A ‘Visão Mental’ trouxe o homem de volta.
– Você pode fazer isso também? Mas, se fizer isso, eu vou fazer também.
Uma conexão cresceu velozmente entre o Bruxo e as tropas atrás dele. O tempo que Orion permaneceu assistindo foi o tempo que Frankilin leu boa parte de sua memória antiga, dos livros.
– Então, a história é assim? – As palavras apareciam para os dois, bombardeando uma sequência de informações velozes. – É tão bonito, mas nada convencional. Sempre se repete, como um ciclo. Eu poderia mudar esse mundo, ser melhor.
– Não poderia. – Orion deixou que os outros observassem junto deles.
O espaço ao redor deles pareceu uma chuva de memórias misturadas. Frankilin e Orion doavam um ao outro fatos e histórias, como se fossem um só.
– E por que? Ah, eu vejo. – A morte de milhões. E viu o Feiticeiro Angular sendo derrotado em seu próprio domínio. – Ele faleceu depois de tantos anos vivos, preso como eu. Você o absorveu.
– E você o derrotou mais de dez vezes.
Um esboço de sorriso frio misturado em boas memórias.
– Ele nunca foi bom contra pessoas teimosas.
– Frankilin Verallia. – O nome ainda parecia uma lenda para Orion Baker. – Estou reconhecendo o homem que derrotou os mais fortes homens da Segunda Era da Mana.
– E você, Orion Baker. – A cabeça do Bruxo ficou pendente para o lado, surpreso. – Um Mago que respeita mais a história do que a própria vida. É uma pena, se estivesse na mesma Era que eu, sem as amarras que possui, teríamos os três continentes para nós.
Diga a verdade, diga o que realmente quer em seu coração. Fitava Frankilin, anestesiado em si, querendo aquilo sempre deveria ter sido dele.
– Eu quero. – As palavras de Orion carregaram os espectadores para o mapa de Hunos. – Quero aquilo que deveria ter sido nosso. E luto terreno por terreno.
– Ainda é fraco para domar pela força.
– Faço com a inteligência.
– A inteligência dos homens da história. – O Bruxo não negava. – Mas, não faz com ousadia.
– Ousadia matou milhares.
– Mas, salvou milhões.
Era verdade. Os dois lados.
– Não posso deixar milhares morrer.
– E como quer mudar o mundo sem sacrifícios?
Omar voltou a aparecer para Orion. Aquele dia, na costa, o valor das suas palavras. Uma revolução baseada em honraria, apenas isso. Sua família teria um lugar no mundo, e depois disso? Orion teria o que mais a se fazer?
Nem ele mesmo sabia. Viver uma vida em busca de redenção, camuflada através do poder e da influência. Era a natureza.
– A mana serve para governa, Orion Baker – disse Frankilin Verallia. – Esse mundo pode ser governado por fracos?
– O mais inteligente ganha sem precisar vencer.
– E é traído por aquele que se esconde atrás da falsa bravata. – O rosto de Frankilin começou a mudar mais uma vez, a cor retornando a pele, a boca mais rosada, a carne. – E quem é Orion Baker e quem é Frankilin Verallia?
– Quer o mundo para si?
– Como qualquer um.
A espada ergueu-se. E a expressão de Orion foi mortífera.
– Então que eu seja o primeiro degrau para sua ascensão.