Passos Arcanos - Capítulo 235
Suas palavras vieram do coração. Se Frankilin Verallia queria o mundo, ninguém teria capacidade ou poder para derrotá-lo. Jaimes Harrigan, o Conselho dos Doze ou Omar, nenhum deles poderia domar o homem da Segunda Era.
O rosto dele, em carne, vivo e cheio de expectativa ainda fuzilava Orion como se fosse um inimigo. Era uma honra ser tratado como um obstáculo para aquele que derrotou dois Papas e metade da Aliança Magica.
Um movimento seu e poderia ser levado a morte. Seu coração dizia isso, Orion sentia que nas mãos daquela pessoa, ele não estaria nem mesmo limpando a sujeira de seus pés. Mais do que qualquer um que conhecia, buscou o poder para ganhar, para se forte.
Reconhecia a veracidade da fraqueza e da covardia.
– Por que você deseja morrer?
Atrás de si, Wallace e Cassiano não ousaram dizer nada. As armas puxadas prontas, apenas esperando um único resquício de intenção assassina. Eles morreriam depois de mim, sem ao menos souberem do que se trata.
Os mil soldados atrás de Frankilin também receberam vida, banhados em luz espectral, abrigando sentimentos em seus olhos. O próprio Orion ficou intrigado, realmente estavam vivos, seguindo seu senhor.
E Frankilin era único.
– Responda – voltou a dizer o Bruxo. – Por que pede pela morte sabendo que pode ir mais longe?
– Não vejo forma de derrotar o senhor.
– Sua sinceridade é comovente, Orion Baker. E mesmo que saiba disso, está pronto para receber a morte de braços abertos por um futuro que esteve lutando continuamente, não é?
A verdade era simples. Não se podia derrotar o maior sendo menor. Era a regra clara de um mundo regido pela força. O mundo que Frankilin conheceu quando ainda se era vivo. Nos dias atuais, destruir cidades apenas para reconstruí-las ia além da moralidade.
A própria moralidade criada depois da morte de Frankilin.
– Você também possuí os ‘Olhos do Copiador’, uma habilidade mais rara do que aquelas chamadas de ‘Magias Únicas’ – disse Frankilin. – Eu farei o seguinte, Orion Baker. Sua bravura, sinceridade e também sua conduta excepcional em reconhecer sua pequenez lhe deram uma chance, gostaria de saber qual é?
– Por favor.
A espada na cintura dele, de cabo preto enrolado em filamentos grossos avermelhados, o Bruxo a retirou com leveza. No momento que toda a lâmina escapou da guarda férrica, a energia transcendeu em uma escala que levou Orion a recuar vários passos.
O ar reverberou, implicando um acuado grito de dor e morte, tão frio quanto o extremo norte. Cassiano, Heivor e Wallace levaram a mão aos ouvidos, caindo de joelhos um após o outro. Os Cavaleiros caíram, a Tribo Mestiça caiu.
Arregalado, os olhos de Orion não se submetiam aquele instinto primitivo.
– Vejo que a determinação dela também é feita para combater as maldições – falou Frankilin.
Orion sentiu, atrás de si, a presença de Nayomi, mais forte do que antes.
– A reunião da vontade dentro da nossa mente sempre é aclamada e eu não poderia fazer diferente – completou. – Orion Baker, eu te darei três tentativas. Num tempo de cem segundos, por três vezes, continue vivo. Se eu sentir que sua vida estaria terminada antes da minha lâmina encontrá-lo, eu irei parar e você terá uma oportunidade.
– E a terceira?
– A morte certa. – Frankilin dirigiu o olhar para Nayomi, sem emoções alguma. – Você, criança, confia sua vida a esse homem? E não minta para mim, eu saberei se estiver.
Finalmente, Orion olhou para trás. Os pés dela pareciam congelados no chão, um rosto frio e travado, de olhos arregalados e a boca seca. O medo, como sentiu na primeira vez quando salvava Joia Qujas, refletido em sua face.
– Não.
Aquelas palavras machucaram. Orion recobrou a cabeça adiante, abaixando.
– Eu sei que não. Sua vontade vem da espada, vem da experiência. – Frankilin ergueu Cassiano e Wallace. – Vocês dois, confiam suas vidas a esse homem?
Nenhum deles respondeu. O Bruxo bufou.
– Eu entendo. Suas mentes não conseguem captar o fio de esperança em me vencer. Na última batalha, contra Jaimes Harrigan, não é? Vocês fizeram aquilo que estava destinado a fazer, para seguir seu líder, não porque confiam plenamente neles.
– Perdão – ouviu Wallace dizer. – Desculpe, Orion.
Ele enfrentou Archaboom, enfrentou centenas de Sacerdotes por Tito, e ouviu o mesmo também. Orion adentrou o Campanário, lutou contra Feiticeiros, lutou contra Anneton, e ouviu o mesmo de Heivor e Mestre Pice.
Ouviu um por um que suas habilidades não eram suficientes para salvar vidas.
Ter ficado mil anos dentro do mundo do Feiticeiro Angular e ter saído vivo. Ele lutou lutas que ninguém mais teria coragem.
– Eu confio minha vida a ele.
– Oh, uma alma que não teme a morte.
Dois passos adiante, e um calor estranho, cheio de estalos, tocou seu ombro.
– Dois Reis sempre foram inimigos, mas desde o momento que conheci esse cara aqui, ele nunca me decepcionou. – Martin Crons apontou seu dedo na cara de Frankilin. – E mesmo que você seja um Bruxo que matou um papa, que se foda sua história. Orion fez coisas que ninguém mais teria culhão pra fazer.
– É somente…
– Eu não acabei de falar – Martin o cortou e foi mais adiante. – Orion me ajudou quando eu mais precisei, ele fez o que minha família nunca teve capaz de aprender. Eu me tornei um amigo, assim como Lafel, e ninguém pode dizer mais do que eu essas palavras. – Ele puxou o máximo de ar possível e gritou. – Se não for ele, eu mesmo vou arrancar essa sua cara da tonto, idiota. E vou te fazer temer os próximos reis dessa geração.
A voz de Martin, um eco fortíssimo arrastado entre os soldados. Eles se assustaram, assim como Frankilin havia feito com Cassiano e o restante. Essa garra e determinação, Orion fechou a mão mais ainda pela espada.
– Você fala demais. – A expressão de Frankilin escureceu. – Como se pudesse fazer algo contra mim.
– Ele pode. O pior de tudo é que ele pode. – A lâmina da espada se acentuou para a direita, e depois para frente. – Eu aceito sua oferta.
A mão do Bruxo ergueu-se e Martin voou para trás, arrastado por uma ventania.
– Ei, Orion, eu quero lutar contra ele também.
– Fique ai e observe. – A espada do Baker inclinou-se na diagonal, para o solo. – Se o Rei morrer aqui, quem vai receber toda a responsabilidade de mudar as coisas é você, Martin. Confio nos seus punhos, assim como confio em mim.
O primeiro passo de Orion o fez desaparecer e ressurgir à esquerda. A lâmina ganhou vida, já estando no meio do caminho. E bloqueada facilmente, a espada inimigo seguiu a trajetória. Defletido para trás, seus braços ergueram-se e sua perna separou.
O gelo não vai me ajudar em nada aqui.
Frankilin girou e desceu com fúria. Rápido, mortal e sem piedade. No último segundo, Orion deu um pulinho para trás e se jogou para o lado, desviando por um fio de cabelo. E no giro, cortou em chicotes, balançando sua arma em posições diferenciadas.
O Bruxo apenas manteve parado, brandindo seus braços, os olhos nem mesmo se mexiam. E num pisão forte, o chão tremeu. Mais um desequilíbrio, e ele inclinou-se. Pescoço e ombro.
Orion desceu o torso, saindo do primeiro, e saltou num giro completo, se mantendo no mesmo lugar. Sem ver, ergueu sua arma, procurando o peito do inimigo. E errou, como previu. Girou para o lado e cortou mais uma vez, sem ver.
E o inferno começou a se formar. Diante os ataques do Bruxo, ele fundou sua base no gelo, sem mover-se e defendia com grande compactação. As duas espadas cortavam diante a outra, tintilando pelo ferro, ecoado em gritos agudos.
Um segundo inteiro se transformava em dez golpes variados. O movimento da espada dos dois se tornou mais rápido, Orion acompanhava o ritmo e urrava sempre que um golpe chegava perto de cortá-lo.
Mas, Frankilin não parou nenhum deles antes de encostá-lo realmente.
– Ele não vai ganhar assim. – Mais preocupado do que os outros, Heivor esperava por uma chance de atacar o Bruxo. – Se formos todos juntos, talvez…
– Esqueça isso – Mestre Cassiano cortou seu desejo na raiz. – O que você está vendo vai além do que podemos fazer. As duas espadas estão vinculadas a seus portadores como uma maldição. Eu… estou desapontado comigo mesmo.
Wallace também abaixou o olhar.
– Não é por mal – Tito disse mais ao lado, diferente dos outros, estava bem indiferente. – Nós nunca vimos Orion lutar a sério. Lembra das Caldeiras? – Quase esboçou um sorriso e segurou a nuca de Wallace. – Ele jamais olhou a gente nos olhos. É por isso que não confiamos nele, mas temos que reconhecer que ele não é diferente da gente. – Obrigou o Grande Cavaleiro a erguer a cabeça. – Quando está irritado, se torna mais competitivo do que qualquer outro.
Os gritos de Martin eram os únicos que se graduavam ao tintilar das espadas.
– Ele é mais lento do que eu, Orion!
Eu sei.
O movimento dos braços e da perna, Orion permaneceu observando. E houve uma estranha particularidade, um mesmo braço, atrás de Frankilin, diferente do dele, também veio, mais rápido.
Ele saiu do primeiro golpe e avançou. E parou em seguida. A perna também se mostrou adiante, com uma roupa azulada e um estranho par de botas surradas. Orion desviou de mais um golpe, tirando um certo receio por parte do Bruxo.
– Mais rápido – gritou Martin. – Ele não consegue te acompanhar.
Orion abaixou e viu o outro braço. A espada que seguia o estranho espectro também era cinzenta, mas houve um avanço do torso. E o rosto do estranho surgiu, cheio de barba volumosa e um sorriso quebrado, com garra e divertimento.
Aquele sorriso o travou. A espada de Frankilin cortou.
– Setenta segundos – disse o Bruxo. – Um corte liso.
A voz de Martin se esgotou.
– Que injusto, isso é injusto. – O Mago de Raios andou, puxando seu pulso pra frente. – Se fosse eu te enfrentando, você iria virar pó, homem de gelo.
– Como se você pudesse fazer isso, rapaz. – A espada de Frankilin recuou.
O filete de sangue que escorrida da garganta de Orion desceu para seu ombro, dividindo-se em dois caminhos. Ele encaixou a lâmina no gelo e olhou para suas mãos. Aquela aparição era diferente, bem distante do que se poderia ser real.
Aquela barba e aquele sorriso.
– Martin. – Orion ergueu a cabeça. – Qual o nome do último Rei Relâmpago?
– Eh, eu acho que Trine Saccop. Algo assim.
A imagem fez Orion recordasse das páginas desenhadas nos livros dos heróis. E a imagem de Trine estava lá. A barba grande, o olhar de lado e um sorriso quebrado.
– O que viu foi um fragmento de uma Era que morreu, Orion Baker – disse Frankilin. – Eles não podem te ajudar, nem mesmo se suplicar. Eu vejo vários que rondam seus amigos, espíritos que nunca deixaram seus desejos morrerem, observando os vivos a fim de terem um pequeno lapso de paz e prazer.
– E por que Trine Saccop está agarrado ao seu ombro?
Martin travou e chegou mais perto.
– Porque o desejo dele era o mesmo que o meu. – O Bruxo ergueu a espada, sua ponta mirada a Orion. – Assim como o de todos os conquistadores que viveram na mesma Era, ele retornaram a mim para que eu possa cumprir seus desejos.