Passos Arcanos - Capítulo 237
– Em frente!
Orion apareceu diante Frankilin mais rápido. Seu braço chegou no meio do caminho e desviou para baixo. O Bruxo teve que puxar sua perna e desceu a espada. Viu Orion girar no eixo sem vê-lo e ganhar espaço.
A mão aberta tocou seu peito e o empurrou. Orion forjou um pequeno intervalo de tempo e sua lâmina veio para o centro. Determinação e vontade, dois movimentos que matariam um homem em um estalar de dedos.
Mas o Bruxo era diferente. Ele usou sua precisão e velocidade para usar o próprio braço e desviar a lâmina. A abertura estava ali. Deixar Orion seguir adiante, com toda aquela força, seria um problema.
A quantidade de Espectros que adornavam seus ombros e gargalhavam era chocante. Nunca tinha ouvido sobre uma criatura aguentar tanta pressão de uma vez só, mesmo ele, com o ‘Olho do Copiador’, chegava a ter essa sensação.
A leveza dos seus golpes, cada um como se fossem únicos. E recheados de tensão, como se fossem seu último. Esse instinto de que estava preparado para morrer, fazia tanto tempo que não assistia.
Os ângulos alternados, os giros no próprio eixo, a saída e entrada da espada. Orion simplesmente criava uma ramificação de ataque e defesa suficiente para pressioná-lo. E não existia a sombra dos espectros.
Frankilin suprimia sua superioridade em querer entender. Por que não o ajudavam na batalha? Sentia-se pesado, mas se movia porque os fantasmas antigos de lordes e senhores o ajudavam a ir adiante pelo menos um pouco.
O acumulo de peso em seus ombros, o tanto que suspirava com a dor material.
A espada de Orion aparecia com imensa intensidade procurando brechas. Ele sumia e aparecia em suas costas, mas os Espectros sombrios protegiam com espadas cinzentas. Frankilin tinha ajuda demais, não suportando a pressão.
– Hashime – disse ao bloquear a espada de Orion de frente. – O conhecimento eterno.
A pressão ao seu redor jogou Orion para trás, mas não o feriu. Frankilin moveu a perna e apareceu diante dele. A espada afundando com imensa mana ao redor. Um único movimento, ali poderia ver o medo do seu inimigo.
Isso se houvesse. A determinação aclamada ao redor deles, nos olhos daqueles fantasmas familiares, a tensão e também a fome da vitória. Esse desejo não era da conquista, não era para ser um Imperador ou ser um Lorde.
Era um desejo que ele não podia consumir, não podia entender.
A espada desceu no vazio. As risadas e gargalhadas dos Baker sopraram em seus ouvidos assim que Orion surgiu de pé, mais afastado. Além de Frankilin, seus fantasmas haviam se calado. Havia frieza e uma intenção de matar enormes, porém, eles não falavam.
Assistindo a luta se desenrolar, Wallace e Tito não ousaram piscar. Acontecia um fenômeno completamente fora do habitual. O Mestre dos Baker lutava em prol da sobrevivência de sua família, da razão mediante de suas vidas atuais.
Heivor e Mestre Pice não deixavam de ficar impressionados pela pressão do inimigo, e mais ainda por Orion guiar sua espada em busca da vitória minúscula.
– Os fantasmas daqueles que viveram uma vida sofrida sorriam mais uma vez – disse Mestre Pice, sabiamente. – Uma lenda tão antiga e tão bela.
A espada de Cassiano, ele mesmo enfincou no chão e cruzou os braços.
– Ele deve vencer. Ele tem que vencer.
– Não tenho dúvidas disso – respondeu Wallace. – Até porque existe algo em Orion que o prende. Mesmo que ele estude e continue aprendendo sobre estilos, alguma coisa ainda trava ele. Nunca consegui saber.
– É o irmão.
Olharam para Nayomi Defoul. A mulher via seu amado numa luta onde ela mesmo não podia entrar para ajudá-lo. Pelo contrário, sua vida era guardada por cada ataque e defesa. Um erro, mais um erro, e os dois não teriam como mais se encontrar.
Seu maior medo, atualmente, era não mais poder ver aquele rosto sorridente. De estar perto dele. E esse era o seu maior desejo. Não poderia confiar em Orion par que sua vida fosse protegida, justamente porque a espada era sua maior amiga.
E para saber sua maior fraqueza, Orion disse a sua.
– Omar Baker ainda o prende.
Viram Orion desviar e defletir dezenas de ataques em segundos. Fazia facilmente, tornando a dificultar o Bruxo a chegar com sua espada. Puxou o ar e prendeu.
– ‘Pedras Soltas’ – disse para si.
Os golpes ficaram mais rápidos, da direita para a esquerda, de cima pra baixo, estocadas. Orion travou e sorriu. A pressão dos músculos diminuiu e o golpe de Frankilin passou raspando sua orelha esquerda.
– ‘Águas Lentas’ – falou Tito.
Ele deslizou pelo gelo e fugiu de outras dez estocadas. E saiu do último com uma perfeita rotação. Sua mão aberta bateu na costela de Frankilin, o empurrando para mais longe.
Sua lâmina veio junto e para a diagonal. O Bruxo teve que inclinar-se para trás, escapando por um triz.
– Os dois possuem a mesma habilidade de copiar o movimento – disse Cassiano. – Um segundo ataque igual resultaria em derrota. Frankilin Verallia tem muito mais experiência e enfrentou muitas outras pessoas.
– Não subestime Orion, Mestre Cassiano.
Tito não demonstrava medo.
– Confie nele.
Confie.
Orion mesmo esperava pela dificuldade. Observava seu inimigo desviar e assimilar os golpes e replicá-los com facilidade. Esse intuito era simples, estava apenas testando seu limite sem chegar ao máximo.
Uma pena, Orion fazia o mesmo com ele.
E quando a lâmina do Bruxo clareou em um tom azulado, ele arfou mais forte.
Defesa Fechada, Segundo Estilo.
Uma árvore sempre possuí as raízes enfincadas no inferno, apenas assim pode alcançar os céus. A maior base dos Estilos dos Baker, aquela que deve ser respeitada e também apreciada. Entregue pelos Nefrons, refinadas pelos Baker, e guiada aos mais jovens brotos da família.
Sempre respeite uma boa defesa.
– Está na hora de mostrar para esse verme quem manda aqui – Maio gritou fortemente.
As duas mãos juntaram-se ao cabo e sem se mover, Orion guiou a lâmina de um lado para o outro, encontrando o movimento adversário com extrema facilidade. Ele não ousava zombar de alguém tão forte porque suas pernas não aguentariam mais do que dez segundos naquela forma.
Ainda não estava refinada, ainda era insuficiente.
– Junte mais os braços – ouviu de Cassio, o antigo Imperador das Espadas e pai de Cassiano. – Assim vai ter mais controle.
– E direcione os pés mais para dentro – completou Rajin Baker, o Velocista. – A defesa tem que ser perfeita. A brecha vai vir, apenas espere. Não se afobe.
– Sua mana está fora de circulação, padronize para o peito e torso. – Maio e Tania a sua esquerda. – Ele vai ter mais dificuldade em te pegar com a guarda aberta.
Refinado, Orion seguiu as ordens e sua espada chegou ainda mais rápido aos pontos. E Frankilin ergueu os dois braços, puxando sua mana ao pico. A frieza ao redor se acentuou ao ponto de flocos de gelo se formarem.
– Hashino. – Ele desceu com fúria e uma calda gélida pela espada. – O Conhecimento Mundano.
– ‘Rugido Vermelho’.
Num erguer de espada, a pressão ressoada por Orion travou a de Frankilin, obrigando-o a forçar os braços para baixo. O Bruxo abriu a boca e soltou um gemido de raiva, jogando mais o corpo pra frente.
– Está na hora de mostrar o Sopro de Três Ângulos.
A risada de Orion, Frankilin odiou. O rapaz puxou a espada e escapou pela lateral. Por ter posto mais força, tropeçou sozinho, tendo que dar mais um passo. Esse foi o essencial para que Orion ganhasse tempo para puxar a espada para trás.
– Está na hora de mostrar o poder da lâmina. – A espada sumiu e uma lança surgiu, com sua ponta degastada e um ferro bem surrado.
O Bruxo deixou sua mana repelir Orion para mais longe e correu em sua direção. Pela primeira vez, ele estava perseguindo-o.
– Use o Sopro – disse Gagari. – Ele está irritado. Aqueles Lordes não podem ajudá-lo pra sempre.
– Ainda não – respondeu Orion. – Não tem abertura.
Tania e Maio concordaram. Os outros Baker silenciaram seus gritos. Num segundo depois, o mórbido som dos passos de Frankilin era o que mantinha o terreno em extrema tensão. Orion não faria nada além de pará-lo, mas ainda faltava algo.
– A esquerda.
Ouviu e olhou. Uma lâmina gélida apareceu do nada. Ele brandiu sua lança e defendeu perfeitamente tirando um estranho soar dos espectadores e do próprio Bruxo. Sem parar, girou a arma em seus dedos e entrou em guarda novamente.
– Não sentimos nada – disse os Baker. – Ele previu o movimento?
– Não. Era um golpe fantasma. Não dá pra só ver.
Cassio Baker fitava o ar ao redor. A segunda lâmina fantasma apareceu por cima, e Orion recuou um passo, plantando-se perfeitamente a espera da chegada de Frankilin Verallia.
– Não é uma previsão – disse a eles. – Essas são armas que estão além do plano material.
– Esse bastardo está usando espíritos para atacar? – Maio berrou. – Que safado. Está usando uma tática tão baixa para ganhar do nosso garoto?
– Ele ainda não está completamente recuperado – explicou Tania, bem séria. – Algum dos Espectros ainda podem usar o espírito, mas Orion está desviando por ajuda interna.
Os Baker ficaram alarmados.
– Alguém do Mundo Espiritual está nos observando?
– Não só observando, está guiando seus passos.
Orion respirou fundo. Mais de dez posições. Ele saiu de dez estocadas e fugiu para um recuo, respirando pesado. Se continuar assim, terei que manter minha média de golpes acima de cinco.
– Está um pouco atrasado – ouviu a voz feminina em sua mente. – Pare de pensar nele, olhe pra frente.
– Nele? – disse em voz alta. – Foco, foco, foco. ‘Espada Dourada’.
Os dez ataques pesados foram segurados. Ele desviou do último e puxou a lança. De uma ponta férrica para a ponta de madeira, ele tirava o circuito do Bruxo. E abriu sua defesa, expelindo um dos braços dele para trás e o outro para cima.
A brecha estava ali, simplesmente visível para sua vitória.
– É uma armadilha.
– Eu sei.
E avançou com um rugido. Frankilin soltou um sorriso e abriu a mão, pronto para agarrar sua garganta. Nada segurou. Absolutamente nada. Porém, usou essa raiva para libertar um imenso rugido.
– Fez bem – a voz disse mais uma vez. – Continue assim, ele está chegando em seu declínio. É tão bom te ver lutando. Não posso mais te ajudar, os Maiores estão sempre observando nossas ações, eles vão reagir se souberem sobre mim.
– Agradeço mesmo não sabendo seu nome. – Orion defletiu outro ataque e ganhou espaço. – Mas, quando vou saber a brecha?
– Você vai saber, Orion. Assim como eu sabia dessa brecha em poder falar com você depois de tantos anos. Seu maior desejo, diga em voz alta.
Os dois chegaram a bater as lâminas, a velocidade dobrou. Plantados firmes, o único som que se podia ouvir era o tintilar. A fome de um dos lados de vencer para conquistar tentava domar o credor do homem que não se abatia por meras expectativas.
– Nunca dê um passo sem acreditar no que quer – disse Gagari Baker.
– E jamais pense que as palavras de um homem podem fazê-lo ceder. – Tania soou fracamente em seu ouvido. – Rasteje pela vitória, faça o que for necessário para vencer.
– Acorde o mundo inteiro com sua capacidade natural, moleque. Faça isso o mais rápido que puder.
A espada de Frankilin dobrava o ar e se apresentava em diversos lugares e ângulos. Orion respondia com seu imenso desejo, de alma e coração, com um grito dolorido e ilimitado. A sua lança correspondia ao seu braço, não sendo apenas mais um objeto.
A fúria dos dois lados se tornou um show. Cassiano e Nayomi, fascinados, aprendiam não somente a arte da espada, mas da união. Ali, presente em frontes distintos, o material e o espiritual reunidos.
Uma verdadeira aula chamada de batalha. Onde qualquer deslize, qualquer falta de vontade, qualquer pensamento errado, a derrota o abraçaria.
– Tão tema a dor – outros gritaram para Orion. – Os Cães Imortais não são nada além de fúria e tormenta.
– Olhe nos olhos dele – disseram outros. – Mostre quem é o desgraçado que enfrenta a morte de frente.
– Ria dele, Orion. Ria em desprezo da quantidade de vezes que te colocaram nessa posição.
– Moleque. – A voz de Carsseral destoou-se das outras. – Confio minha vida na sua lança. Faça o que deveria ter feito com o maldito do Jaimes Harrigan. Agora.
Orion uniu as duas mãos na lança. A euforia mais uma vez reunida. Pela primeira vez, dentro de um ciclo de ataques que o mataria a qualquer instante, viu seu medo de morrer sendo carregado pela coragem de viver.
Dois toques, a lâmina de Frankilin ondulou um segundo mais lento.
O som ecoante que jamais deveria surgir quando seus olhos estavam abertos. Ele saberia quando atacar com tudo, algo o avisaria. Algo além dos espectros, além do fingimento do Bruxo. Poderia saber a qualquer instante, de qualquer lugar.
O que?
O piar. Uma águia piou no céu. E num piscar rápido, Orion viu a águia sair de sua lâmina e adentrar o peito de Frankilin. O piar. A águia, sua única amiga durante os momentos tristes nas Caldeiras. A solidão cheia de remorso por seu irmão ter ido embora e levado consigo a honra.
O momento chegou.
– Aqui e agora – falou ao expelir todas as lâminas fantasmas com uma pressão gigante –, vou superar meu limite.
Sua lança rasgou a carne, o espírito e a matéria. Uma única estocada rangeu o berro doloroso de dezenas de fantasmas sombrios. Ainda não tinha terminado. O Bruxo ainda se mantinha de pé. E tentou golpeá-lo por cima.
Orion largou sua arma e desviou. A espada do seu pai apareceu em sua posse, e ele cortou para o lado. O braço esquerdo de Frankilin caiu. Orion saiu por baixo da espada e cortou para baixo. A perna direita caiu.
Num salto, ficou na mesma altura do Bruxo. Via o medo nos seus olhos, diferente de antes.
– Esse é o meu desejo insaciável. – Sua espada à garganta. – Nunca ser superado.
O corpo de Frankilin azulou. A carne se transformou em gelo e rachaduras surgiram. Seus dedos se transformaram em pedras, caindo no chão. Parte a parte, ele retornou a cair.
Sozinho, os espectros em seus ombros também começaram a se libertar.
Havia vencido, finalmente. Orion quase não acreditava. Aquele pequeno instante, a satisfação que existia, seu ego feito de migalhas, toda a história – venceu uma criatura completamente fora da realidade.
Um espírito.
– A Montanha Azula foi protegida centenas de anos por mim e por meus soldados, Orion Baker.
Um novo espectro tomou forma diante dele. Os outros sumiram. E nada além deles dois naquele pequeno espaço.
Frankilin Verallia tinha os braços para trás das costas, fitando sua casa por mais deu milênio.
– A Ordem sabia que eu estava aqui, eles me prenderam. O Castelo de Espetos serviu meu exército para que o domínio deles não recaísse como o próprio Clero. Conquistar sempre foi minha ambição, mas por um motivo específico. – Ele o encarou. – Para proteger aqueles que precisavam. Suas memórias vieram até mim, e eu entendi o porquê carregar tanta dor e também miséria. Precisa deles para se tornar mais forte, por isso a confiança em você é tão pequena. Eles não sabem o valor do seu sacrifício, e mesmo que soubessem, o desejo deles não pode ser o mesmo que o seu. Eu fui amaldiçoado e matei mais de cem dos seus quando vieram atrás desse lugar tão enfadonho. Além dessa muralha, existe vida escravizada e que nunca pude fazer nada para contrariar. Sou um espectro, afinal de tudo, buscando apenas uma forma de mostrar ao mundo atual que força não é nada além de uma palavra. É necessário vontade.
– Para que?
– Para mudar um pouco o mundo. – Ele mostrou um sorriso verdadeiro, limpo e honesto. – Um pouco da vontade de Orion Baker seria ideal para mudar as muitas criaturas que vivem por lá. E quem iria imaginar que um dos Maiores o protegeria da minha lâmina, você possui uma guardiã.
Orion não entendeu bem, mas ouviu o pio mais uma vez, sobrevoando.
– Ela vai estar contigo nos piores e nos melhores momentos – disse Frankilin. – A palavra ‘se’ é bem difícil de ser posta porque muda muito da história. Mas, se eu tivesse alguém que me protegesse tanto quanto ela faz por você, talvez eu tivesse um pouco da sua vontade.
O brilho dos seus pés começou a desaparecer. Antes de chegar ao tornozelo, as centenas de espectros apareceram atrás de Frankilin. Eram as figuras que ele carregou nas costas, e os Baker que o protegeram.
Cada um com uma expressão serena.
– Seria um pouco egoísta pedir que carregue apenas um pouco dos nossos desejos mais íntimos, Orion Baker? – perguntou Frankilin. – Alias, também queríamos proteger algo importante para nós.
– Uma filha – disse Maio.
– Um pai – disse Tania.
– A família.
– A cidade.
– As crianças.
– Os velhos fedorentos.
– Os animais.
Centenas de desejos. Orion ouviu cada um deles e gravou em sua mente. Assim que terminaram, Frankilin e os outros possuíam apenas seus rostos ainda brilhantes.
– Consegue fazer isso pela gente?
– Consigo.
– Obrigado, Orion. – O Bruxo fechou os olhos.
E finalmente descansou, depois de tanto tempo.