Passos Arcanos - Capítulo 240
– Listamos os materiais – disse Mestre Pice na roda. Haviam Orion, Martin, Cassiano, Tito e Wallace juntos. Heivor Lobo comandava alguns dos Cavaleiros e ajudantes que vieram de Keifor a pôr as sacolas em carruagens. – Mais de duzentos quilos de Itrio, Cristal de Zio e Esmeraldas de Frizz.
– Nenhuma gema mágica? – perguntou Orion. Não que procurasse por elas, mas eram materiais importantes e bem raros que apenas os Anões tinham capacidade de forjar e adaptar a armas.
– Ainda não. Nós apenas mexemos nesse primeiro andar, Mestre Baker. E achamos também muitos daqueles itens que você disse serem importantes para a raça anã.
Cassiano reagiu com um olhar atento. Orion o acalmou apenas com a mão.
– São chamados de Sumonas – explicou. – Nada de muito importante agora. Eles servem como armas, mas não estamos em posse para negociar nada no momento. Precisamos apenas de dinheiro, tesouros antigos e registros.
Tito ergueu a fala:
– Wallace e eu achamos o que seria o quarto de um dos antigos Generais Espeto, e já pedimos que fosse escoltado com o restante dos documentos da antiga Era.
– Quero os dois com essa carga – ordenou Orion. – Eles são tão importantes quanto o dinheiro ou as pedras preciosas.
Ambos assentiram e saíram juntos.
– Mestre Pice, peça a Heivor e a Tribo Mestiça que fiquem com as pedras, por favor. A viagem vai ser rápida, mas não quero que ninguém saiba que estamos levando algo desse calibre pra dentro da cidade.
– Estarei indo imediatamente.
Sobrado Martin e Cassiano, Orion procurou o Mago de Raios.
– Pode verificar pra mim se existe olheiros lá fora?
– Se tiver, considere-os morto.
Depois de vê-lo ir, Cassiano deu uma risada.
– Ele gosta mesmo de você. Sempre obedece suas ordens e está pronto para se jogar em uma batalha. Deveria fazê-lo um honorário.
Não era uma má ideia, Martin tinha o essencial para um Baker honorário.
– Precisamos nos firmar no continente ainda. E a família Crons ainda tem algumas pequenas pecuinhas com Martin e conosco.
Eles tomaram o caminho para a entrada principal. O chão, diferente do lado de fora, era feito de mármore puro. As paredes e pilastras governadas por um gelo fosco, onde sua estrutura interna até poderia ser vista, mas não tocada por mãos comuns.
O teto recheado de espetos, como já dizia o nome, sem ao menos ter sido moldada durante sua vida útil, apontava-se para o chão. Suas pontas afiadas rasgariam a carne de uma pessoa facilmente, e Orion gostava dessa estrutura meio sombria.
Esferas luminosas espalhadas pela entrada clareavam o espaço reservado para carruagens, cavalos e trenós – com alguns ainda jogados no canto. Duvidava que Frankilin Verallia se divertia deslizando com cachorros ou lobos pelo gelo nas horas vagas.
Pediu que levassem os trenós para a cidade também. Depois de consertados, seriam bem vistos pelos caçadores.
Mais a frente, Heivor e Garduin, seu guerreiro mais habilidoso, comandavam os coletores para mais perto, e o restante da Tribo Mestiça ajudava com o levantamento das mercadorias. Algumas das sacolas eram pesadas demais para que fossem pegas pelos trabalhadores.
Orion deixou que ficassem a vontade, e depois de uma hora, estavam prontos para partir.
– Vai deixar alguém tomando conta do Castelo de Espeto? – Cassiano não tinha saído do seu lado por nenhum momento.
– Sim.
Fez uma runa enegrecida em sua palma e jogou no mármore. O turbilhão de Cavaleiros Negros que surgiu mexeu com a emoção dos presentes, mas ficaram aliviados ao ver que Orion os comandava.
Mais de cem figuras de armaduras completas e armas em riste.
– Vou dividi-los em cinco grupos, façam rondam e me avisem de qualquer coisa fora do padrão – falou abertamente. A frente do restante, um dos Cavaleiros possuíam as ombreiras puxadas para cima e seu elmo com dois chifres puxados para trás.
Esse era o seu principal guerreiro.
– Voltaremos quando? – perguntou Mestre Cassiano. – Ainda nem conseguimos explorar o segundo andar.
– Assim que tivermos completado a primeira parte da restruturação das torres. Temos bastante coisa pra resolver, e temos um convidado nos esperando.
Ter deixado os camundongos para observar a cidade para ele valeu a pena. Um dos Velhos Reis realmente apareceu, e conversou bastante com Fredy Baker, o Carniceiro. Orion não esperava que fosse ele quem viesse depois da Justiça Mágica não ter conseguido nada.
Era um pouco irritante ter que ficar reformulando a mesma resposta para não vê-los, mas a chance que se mostrava era boa. Com tantas pedras preciosas, tinha como comprar mais alguns locais interessantes no Norte que pertenciam a Ordem.
Depois da Montanha Azul, o Império de Nero terminava. Dali pra cima, os relevos, os lagos, as florestas, pertenciam apenas a natureza, com o nome da Ordem ainda por cima, carimbando sua permanência.
Era uma riqueza deixada de lado esperando para ser explorado. Além do Oceano Negro, que também era benéfico para Carsseral. Ainda não sabia como o Papa Oculto e os Bispos chegaram ali, mas algumas áreas faziam divisa com as Estradas de Glória, que eram um tipo de caminho que ligava todas as cidades do Clero.
Podeira estudá-las aos poucos também.
– Vamos voltar – anunciou em voz alta. – Avancem.
Um portal cinzento abriu-se e a imagem de um pátio ficou mais clara. As carruagens começaram a ser puxadas pelos Cavaleiros. Wallace e Tito passaram primeiro com mais de vinte delas, e depois Heivor e a Tribo Mestiça. Cassiano se juntou as últimas. Com um chamado mental, Orion chamou Martin Crons.
O Mago de Raio não demorou para pousar ao seu lado sem nada a relatar. E passaram para o pátio.
O vento frio foi que os encontrou primeiro. A neve ali caía com menos força do que o costume. As carroças já tinham sido preenchidas por uma cobertura branca nos primeiros minutos, e também já eram esperadas por vários dos Baker que ajudavam nas Grandes Casas.
Fecharam o portão de madeira, puseram pessoas em cima da ameia e começaram o descarregamento para dentro da Primeira Casa. Orion deixou que fizessem o trabalho e permaneceu procurando pelo Velho Rei.
O tal Alquimista era importante, bem mais do que Darksen ou Anneton. A velha guarda que tomava conta de boa parte das questões burocráticas dentro da Ordem continha dois fatores únicos, que era a influência nos Grandes Magos governados pelo Masquerati e também os recursos para vendas de alto escalão.
– Seria bom se ele não estivesse nos esperando dentro de uma das casas – falou em voz alta.
Cassiano se desligou do carregamento para prestar atenção nele.
– Quem?
– Artrax.
A sobrancelha do Mestre de Espadas se ergueu, curioso.
– Por que ele estaria aqui? Nós recusamos as cartas nos últimos dias.
– E eles parecem que não aceitaram isso bem. – Os Camundongos Negros ainda procuravam pelo homem na cidade. – Ele trouxe o Chamado Nobre. Fique aqui. – Finalmente umas das conjurações o achou. – Já volto.
Abrir um portal e sair do outro lado como se nada acontecesse já tinha se tornado um hábito, mas ainda assustava bastante as pessoas pela cidade. Depois de verem a roupa e também a postura, relaxaram.
– O Mestre Baker está aqui – alguém anunciou alto.
O restaurante ergueu-se com copos e pratos em mãos, levando elogios e divertimento. Orion saudou muitos do que conhecia, apertou a mão de dois corsários que falaram sobre a construção do Estaleiro e deram boas ideias sobre a estrutura padrão arquitetada. Pediu que o homem levasse a ideia a Abake que seria analisada e depois experimentou alguns espetinhos de carne branca, diferente das que comia quando passava por ali.
O gosto era diferente, menos suculenta e com uma textura mais pesada.
– Carne de Cordeiro Frio – disse o lojista. – Nós estamos cultivando faz algumas semanas. Tivemos nossas primeiras vendas.
– Leve alguns para a Grande Casa, aposto que vão querer experimentar.
O homem se alegrou. O valor de um trabalho valorizado ascendia os sonhos íntimos. Orion não fazia por mal. A carne era realmente boa.
E por fim, encontrou Fredy sentado em uma das mesas, espumava a boca com cerveja e pratos diferenciados ao redor. O outro homem, de costas para Orion, gargalhava e contava uma história sobre quando ainda trabalhava nas Forjas de Algomorito, uma antiga refinaria para alquimistas aprendizes.
Assim que Fredy viu Orion, travou o copo, limpou a boca e se pôs de pé.
– Mestre Baker, não esperava que voltasse da sua expedição tão cedo.
– Fique a vontade, Fredy. Vim porque soube de um convidado especial, só não esperava que fosse um dos Velhos Reis em pessoa. O Rei Alquimista Artrax Marchson.
O velho fez um giro apenas da cabeça, sorriu e levantou seu copo, com pouca educação. Alguns viram sua postura e reprovaram imediatamente, nada disseram sobre. Orion não se importava com isso.
– Eu vim para te entregar uma carta, por incrível que pareça – disse Artrax. Bebeu mais um pouco de cerveja, soltando um soluço leve. – Rebaixado a um mensageiro? Jamais. Tem bastante coisa que um velho como eu posso fazer.
– Aposto que tem, senhor.
– E Jinx, aquele idiota, achando que eu seria maltratado se viesse falar com você. – Apontou a caneca de madeira para Fredy. – Encontrar um velho amigo e ainda – soltou outro soluço – ouvir as histórias da guerra. E a comida, é difícil achar alguém que cozinha melhor que Fredy.
– O melhor cozinheiro que já conheci – concordou Orion. – Vejo que ainda estão relembrando os velhos tempos. Não quero incomodar, senhor Artrax. Estarei na Primeira Casa caso precise. Tenho algumas pendências a resolver ainda.
O Rei Alquimista abriu a boca, e por um segundo Orion achou que seria um arroto, mas ele a fechou lambendo os próprios lábios e virou-se para a mesa.
– O Mestre Baker é um homem muito educado, Fredy. Ele não liga se estou meio bêbado, até não liga se a gente ficar aqui a noite toda. Lembra daquela vez que a gente enfrentou um bando de Sacerdote no meio da noite, no meio da mata? – Gargalhou sozinho. – Foi divertido demais.
O próprio Fredy agarrava-se ao banco, meio travado.
– Depois que acabarem, mostre um quarto confortável para o senhor Artrax – pediu Orion. – Vou partir imediatamente. Aprecie a comida, senhor.
A caneca se levantou.
– Obrigado. Obrigado.
Orion deu de costas e entrou em um outro portal. Ao olhar para trás, viu os olhos estreitos do homem que se denominava um Velho Rei e sua súbita mudança de expressão. Deixando o sorriso crescer na ponta dos lábios, fechou a porta espacial.
De volta ao pátio principal, avistou Tito e Wallace descendo as últimas sacas de minério. Martin conversava com Garduim, da Tribo Mestiça, e Cassiano se juntou a Abake e Keila. Ali já estava quase tudo pronto e organizado, só precisava comunicar a União de Ferro sobre sua nova aquisição para ganhar dinheiro.
Novamente sozinho, entregou as pernas a caminhada lenta para dentro da Primeira Casa. Atravessou os dois salões com crianças e idosos, comendo, brincando e se divertindo com alguns jogos de tabuleiros. Cumprimentou alguns e ouviu latidos ao fundo.
Os cachorros tirados das ruas e tratados pulavam e corriam com os jovens Baker. E viu os guardas que utilizavam as placas de ferro. Orion foi saudado e passou a subir as escadas largas de madeira para o segundo andar. No meio do caminho, avistou Dest o esperando.
– Ancião – disse ainda subindo. – Retornei.
– Eu soube. – Dest tinha os braços atrás das costas e um sorriso bobo no rosto. – Temos ótimas notícias, Mestre Baker. Gostaria que se juntasse a nós para ouvir.
Mais de trinta degraus de madeira para dividir um piso do outro, uma estrutura que Orion fez questão de que fosse implementada para trazer de volta a cultura dos Primeiros Fundadores, pensando muito em Gagari Baker. Na antiga Era, além de ser um guerreiro, também se tornou um arquiteto que remodelou boa parte das casas da família.
Depois da Queda de Gagari, datado nos livros da Ordem, mas conhecida por Orion como ‘O Sacrifício de Gagari’, seus projetos foram queimados como maldições antigas. A afronta que os Baker recebiam desde cedo já demonstravam o quanto sofreriam pela história.
E aquele lance de escadas, puramente madeira bruta, era o princípio do Segundo Senhor.
Orion passou a caminhar ao lado de Dest pelo corredor.
– O que seria tão bom assim para tirar um sorriso, Ancião?
– O senhor deve ter recebido a notícia de que o Velho Rei está aqui – disse segurando um pouco da euforia. Orion fez que sim. – Ele veio a pedido de Jinx, um outro Velho Rei, mas que tem negócios importantes com o Conselho dos Doze. Recentemente foram criadas boatos de que esses velhos senhores da guerra querem uma abolição do nosso título de desonra.
Orion não esboçou sorriso como Dest. Na verdade, se tornou sombria.
– Quem falou isso, Ancião? – a pergunta foi séria. – Não leve boatos a sério quando estamos falando da nossa família. Isso não é uma brincadeira.
– Estou falando sério, senhor. – Dest rapidamente abriu a porta e deixou Orion passar. Rinngo e Oliver já lhe esperavam em sua sala.
A cadeira entre o vitral e a mesa não era ocupada, e Orion foi até ela. O fraco sol ainda iluminava parte da sala. Orion criou uma sombra e fitou os três.
– Quem disse essas coisas?
– Foi um boato que correu – respondeu seu pai. – Entramos em negociação com a União de Ferro como tinha pedido, e soubemos por eles que os Velhos Reis, todos eles, estão cogitando essa jogada temporária.
Oliver assim como Orion sabiam bem o que significava a retirada do título.
– O Registro – disse, com pesar. – Se eles tirarem por um dia, nós somos obrigados a entrar nos registros familiares de novo, tendo que doar uma parte da nossa renda caso exista algum tipo de crise financeira na Ordem dos Magos.
Dest e Rinngo já sabiam bem como VilaVelha esperava por dinheiro. Quatro Torres Mágicas destruídas em um mês, e Orion sabia bem do que se tratava. Omar mesmo havia dito que derrubaria as torres que pertenciam a Masquerati.
Por um lado, isso era ótimo. Sem o poder centralizado, os Grandes Magos teriam que se espalhar para ganhar novamente a confiança do Conselho dos Doze, do Círculo Nobre e da Justiça Mágica. Uma ação tomada em VilaVelha geraria problemas demais a família.
Uma puxada temporal para dentro dos limites e leis estragaria o conseguinte tópicos de urbanização na cidade.
– A gente estudou metade das formas que eles podem fazer isso – disse Rinngo. – Nenhuma delas teria como passar despercebido do Masquerati. Ele saberia, mesmo por alto, pelos Grande Magos.
Orion tomou um tempo para respirar.
– Eles sempre querem a nossa cabeça ou o nosso dinheiro – comentou para si, num arfar debochado. – Mesmo depois da gente ter feito tanto por eles, ainda querem nos humilhar dessa forma.
– Filho, mesmo que seja uma péssima notícia, ainda temos possibilidades.
– Não vou ficar esperando pela jogada deles. Não depois de anos sendo ignorado e excluídos nas Caldeiras. – Fechou a mão sobre a mesa. – Eles não merecem nossa piedade ou nosso perdão. Não merecem nada da gente.
O Ancião Dest pigarreou:
– Mestre Baker, o que fazemos?
– Chame o Velho Rei Artrax. – Se ele veio com a intenção de reforçar esse boato, seria simples de resolver. – Diga que o Mestre Baker ordena que ele apareça agora.