Passos Arcanos - Capítulo 241
Quando Artrax adentrou a porta, a embriaguez de antes havia desaparecido. O semblante sério misturado na carranca fechada, atribuindo aspecto sombrio a cicatriz em seu pescoço. Ao sentar na cadeira, em silêncio, separou seu manto negro para os dois lado, deixando suas mãos a vista.
Uma das marcas pessoais dos Velhos Reis. Quando se mostrava a mão, era porque estavam ali por motivos que não fossem vingativos. Uma ação que Orion desprezava, como se todos fossem honestos com seus próprios sentimentos e emoções.
Se ele queria algo morto, não mostraria a outra pessoa. Nem mesmo faria questão de deixá-la perceber. Mestre Pice havia lhe deixado uma marca bem profunda com suas palavras – Se nós queremos, nós tomamos.
– Mestre Baker. – Nem suas voz parecia carregada pela cerveja, nem o hálito. – Vim assim que recebi seu pedido. Um tanto contraditório depois de ter dito que eu poderia descansar antes de vir.
Orion não respondeu de imediato. Respirou duas vezes, ainda o fitando.
– Conhece a história dos Nefrons, senhor Artrax? – a pergunta lhe deixou meio pensativo. – A família que foi morta porque sabia demais e por que era forte demais? Aquele medo que a Ordem tinha deles, consegue se lembrar da história?
– Sei bem do que se trata. Por que a pergunta?
– Lembra do por que eles foram massacrados por uma aliança entre a Ordem e o Clero?
– Praticamente a resposta você já mencionou. – Os dedos do homem se entrelaçaram. Ele se aconchegou na cadeira. – Fortes demais, se tornaram inimigos de muitos e não tinham aliados.
Orion assentiu.
– Uma família que se torna poderosa o suficiente para não precisar da Ordem, ela vira um alvo? O que acha?
– Sinceramente, acho que uma família comum não pode ultrapassar a Ordem. Existem muitos acordos e leis que podem ser fornecidos para que exista uma linha convidativa. Os interesses mudam assim como as estações do ano.
– E consegue ver minha atual família sendo… mudada como essas estações que diz?
O Velho Rei fez uma pausa, meio incomodado.
– Por que estamos falando sobre isso, Mestre Baker? Não vejo nenhum tipo de resposta para onde estamos indo.
– Deixe que eu reformule a pergunta, senhor. – Orion inclinou-se. – Por que está aqui? Não foi pra ver um velho amigo e beber uma cerveja com carne de cordeiro frio.
– Vim porque tenho muitas questões a serem discutidas. Seu tom de voz e sua postura de ameaça poderiam deixar um jovem mensageiro bem incomodados, mas sua força não remete nada a mim. – Artrax mostrou um sorriso convencido e também inclinou-se. – Por que acha que eu viria pessoalmente para um lugar sem nada além de gelo, neve e uma família desonrada, Mestre Baker? Por uma cerveja e carne de cordeiro frio? Não mesmo. Vim porque quis, porque tenho motivos.
– Uma pena. – Orion voltou a recostar as costas na poltrona. – A carne é uma delícia e a cerveja diferente. Nunca fui muito fã, mas o processo de maturação é interessante. Tenho planos para criar uma cervejaria algum dia, me instalar nas Terras Fluviais e roubar todos os clientes importantes das grandes empresas.
Jogou seu ombro para cima e para baixo, sem se importar em dizer.
– É o que pretende fazer com todas as partes negociáveis? A Ordem não teme dinheiro…
– E pede o meu como se eu fosse um patrocinador – lhe cortou imediatamente. – O que eles fazem com quem não segue as regras? Cortam as cabeças, como fizeram com os Nefrons?
– Tempos diferentes, medidas diferentes.
Artrax não se abalava por pouco. Essas palavras eram completamente fora de sentido para um homem antigo e cheio de experiência. Orion realmente queria acreditar que o tal boato não tivesse sido feito por ele, e independente se fosse, era fácil anulá-lo.
– E o boato de que minha família pode perder o título de desonra, sabe disso?
– Assim que pisei aqui. – E houve uma completude em sua expressão. – Entendo. A introdução dos Nefrons, a inimizade, a estranha dicção para tentar me fazer ficar irritado e falar algo que escondo, pensou mesmo que eu teria espalhado essa informação pela Ordem?
– Com minha família nos Registros, muito do nosso dinheiro teria que ser doado como forma de patrocínio pelo ocorrido as Torres Mágicas. E o Círculo Nobre continua tentando me forçar a comprar terras que não iriam me beneficiar em nada.
– E pensou primeiro em mim? – Artrax deu uma risada fraca. – Os jovens de hoje em dia pensam muito e agem pouco. Não, Mestre Baker. Não tenho nada a ver com isso. Estou aqui porque depois da Montanha Azul, existem terras que foram exploradas poucas vezes e que possuem raças que o Clero escraviza faz anos.
Um papel enrolado saiu de dentro do casaco negro e posto em cima da mesa, entre um caderno e uma lamparina mágica.
– Estou aqui porque você lutou contra o Papa Oculto e saiu vivo, possuí um Dragão na colheira e tem um rendimento maior do que qualquer família que se manteve instável nos últimos dez anos, e fez isso em menos de um ano. – Encarou Orion com atenção. – A Travessia de Ignolio, a venda de elixires, o Sumona perdido e seu atual contrato com a União do Ferro depois de comprar o terreno inteiro da Montanha Azulada. Qualquer item nessa lista pode ser investigado pela Justiça Mágica e sei que terá envolvimento ilícito porque ninguém consegue converter um acampamento igual era aqui antes de vocês chegarem apenas com boas ações. Os Imperadores também estão envolvidos, até mesmo a menor parte vai ser presa. É o que faço quando piso em um lugar, Mestre Baker, eu sei onde estou pisando.
– E sabe onde está pisando agora?
– Em uma terra que pode ser devastada se escolher o inimigo errado. Optando pela Ordem dos Magos, por outro lado – abriu os braços – terá um imenso ganho.
– Eu tenho Feiticeiros como inimigos, Sacerdotes como inimigos, o Círculo Nobre como inimigos, Bispos, Cardeais, Magos, Arche-Magos, Grande Magos, o Masquerati, o Conselho dos Doze, os Elfos, e parece que terei que colocar mais um na minha lista, senhor Artrax.
O velho não se abalou.
– Os Nefrons começaram assim.
– Eu sei, a história deles começou e terminou dessa mesma forma. Uma pena que eles não tinham a mesma base monetária e viviam em um tempo que acordos eram mais complexos, sem honra alguma. – Orion ergueu o braço. – Um aperto de mão não valia nada e hoje são carregadas por aplausos terceiros. Senhor Artrax, a alquimia sempre foi seu forte, então conhece o processo de refino por temperaturas elevadas, que purifica o produto e o separa em partes menores. É um dos melhores métodos de supressão, não é? Uma pena que não pode refinar os metais pesados nem os que possuem camadas internas com substâncias restritas.
O rosto do velho ainda se mantinha indiferente.
– Todos devem ter um inimigo – completou Orion. – E eu queria poder colocar esses que citei como meus piores, mas não posso. O Masquerati deixou bem claro que nada e nem ninguém além dele teria permissão para alterar uma lei desonrosa. Nem mesmo os Velhos Reis que brincam com as vidas alheias em VilaVelha. Jinx, Alduim, Ravena, Cristhin, Saramello e Gouveo, figuras poderosas que só podem fazer isso que está fazendo agora, senhor Artrax. – Apontou para a cadeira. – Sentar e vir entregar uma mensagem. E vou fazer exatamente o que fiz com todos que vieram antes de você. Anneton, Darken e Heda. Recusarei com educação.
– Acha que ter tantos inimigos te fará mais forte? Se acha um metal pesado para ser refinado com uma pressão tão grande? – O Velho Rei negou calmamente. – Porque eu acho que na primeira camada atrás dessa sua postura de grande líder e poderoso chefe, existe um rapaz assustado.
– E o medo não é bom?
– Só pra quem tem poder necessário. Um único jovem capaz de usar magia em uma família inteira. Quem sabe quem irá vir da próxima vez? E quanto tempo irá demorar para que suas invocações o encontrem? Deveria deixar essa soberba de lado e assinar qualquer acordo que a Ordem ofereça, isso pode salvar sua cabeça.
– Como eu disse, não somos os Nefrons. E não se incomode com minha cabeça. Eu sei exatamente o caminho que estou percorrendo, e melhor ainda, sei onde ele vai me levar.
Ao aceitar essas palavras como se fossem as últimas, Artrax tomou a ficar de pé.
– Menos de um dia em uma cidade, foi a viagem mais rápida que fiz. Passarei no Palácio de Vidro para conversar com o Imperador Nero. Lá, pelo menos, poderei descansar.
– Vá com cuidado. Espero que sua viagem seja segura.
Artrax saiu pela porta da mesma forma que entrou, entretanto, o pergaminho ficou ali, lacrado.
“Quando eles vieram atrás de nós, sabíamos quase um ano antes. Nossa maior rede de informação dentro da Ordem era usada como se eles fossem os reais donos. Nossa família só tinha um único medo, não ter tempo para transcrever todas as nossas histórias as próximas gerações. Ocultamos nossos registros e entregamos aos Baker porque a Ordem não gostam de independentes, gostam de cachorros que andam com coleiras e que lambam suas bolas quando estiverem secas. Os Nefrons seguiram por duzentos anos como conselheiros direto dentro do Círculo Nobre, nós forjamos as primeiras leis e foram os Baker que ganharam aquela terra para nós.
Somos o escudo e os Cães Imortais como uma lança. E sei que quando nossas defesas se quebrarem, seremos os únicos a serem destruídos. Espero que quando chegar o momento, os Baker saibam que não vale a pena abaixar a cabeça. Nem para a Ordem, nem para ninguém.
Morreremos, sim, mas com nossa dignidade. E que se lembrem de nós como aqueles que não se curvaram a morte, mas a abraçaram como uma velha amiga.
Tal passagem do primeiro livro ainda vivia ardentemente dentro de sua cabeça. Os Nefrons viveram dessa forma, e morreram com dignidade. Esse futuro não era para os Baker. Eles ainda eram os Cães Imortais, mas não uma lança qualquer.
Se todos queriam sua inimizade, que fosse. Orion não iria navegar contra uma maré recheadas de monstros. O ódio instalado não seria curado, mas poderia ser temido.
– Raul – falou alto.
A porta se abriu e um rapaz entrou apressado.
– Sim, senhor.
– Mande preparar minha vestimenta social.
– Agora mesmo.