Passos Arcanos - Capítulo 243
Foi só depois das cinco da tarde que Sindromeu Trindade recebeu a notícia de que Orion Baker estava andando pelos seus corredores. O problema foi que ele mesmo já estava em reunião comercial contra outras famílias.
Em VilaVelha, uma das seis ou sete famílias nobres que comandavam tinham outras dez sob seu controle e asa. Tirando os Trindade, que se desfizeram do Castelo de Espadas, agora possuíam forte vínculo com os Baker.
Essa estranha ligação e também as histórias de que os Baker apareceram para salvar suas vidas trouxeram outras famílias menores para conversarem. Sindromeu pediu licença, assim que afastou sua poltrona, a porta se abriu.
O manto vermelho e dourado, o rosto impassível e um sorriso de lado, até a postura de um verdadeiro imperador caminhando entre seus criados. Orion Baker, o rapaz que vivia no norte e tinha o apoio de dois imperadores apareceu.
– Peço perdão, Lorde Sindromeu – disse Orion. – Eu iria anunciar minha chegada, mas vim tentando não trazer calamidades. A Ordem dos Magos ainda está tentando me arrastar para aquela tolice do Chamado Nobre.
Tolice? Esse rapaz é incrível.
– O senhor não precisa anunciar nada. – Sindromeu foi até ele e apertou sua mão. – A reunião terminou agora a pouco. Podemos conversar em minha sala.
Os olhos do Mestre Baker passou por cima daqueles senhores e senhoras sentados, e não expressou nojo ou discórdia. Sindromeu tinha certo receio do poder dos Baker e em como ele via as pequenas famílias.
Mesmo seu histórico sendo de desonrados, suas economias mensais ultrapassavam três famílias nobres facilmente. Pelos boatos que Sindromeu recebeu, houve mais de cinquenta milhões de ouro no último mês.
– Eu conheço vocês – disse Orion. Deu alguns passos, ficando de frente para a mesa. – São parte de um círculo pequeno, das famílias secundárias. Dá pra ver porquê estão aqui, querem uma melhora, não é?
– Melhora? – uma senhora de cabelos encaracolados repetiu. Era Dyna Raibum, senhora e vassala da família Lila. – O que seria uma melhora para o Mestre Baker?
– O senhor tem culhão de vir para VilaVelha, Mestre Baker – Ossun Eneel, vassalo dos Godoy, comentou. Uma cicatriz no olho se esticava para cima, até o topo da cabeça, abrindo um buraco nos cabelos cinzentos. – Eles vão saber da sua chegada uma hora ou outra. Como pretende partir sem ficar agarrado nas reuniões?
Orion fitou ambos. Sindromeu tinha medo dele se sentir ofendido, mas tirou isso da mente. Se nem Hallis Espada pôde tirá-lo do sério, esses senhores não seriam capazes.
– Quanto vocês tem que trabalhar para pagarem os custos de suas famílias? – perguntou Orion. Ele escondia o braço enfaixado atrás das costas. – Dez mil de ouro por mês? E quanto as famílias que seguem ganham? Milhões, não é?
– Praticamente algo nesse valor – respondeu Rendrick, o senhor da Casa HardLine. – Temos despesas e lucro, como todos eles.
– Gosto de ouvir isso – falou Orion Baker. – Gosto de ver tantas pessoas lutando contra a pobreza e não podendo fazer nada contra aqueles que o oprimem. Seria sábio aprenderem com o erro dos outros. Lorde Sindromeu, o que o Castelo de Espadas faria com sua casa se eu não aparecesse para interferir?
Pego de surpresa, Sindromeu recebeu o olhar dos dez.
– Eles iriam nos massacrar, Mestre Baker.
– Massacre. – Orion balançou a cabeça e depois suspirou, com raiva. – Um pai negou a filha a se casar com um idiota que tem registro da Justiça Mágica. E o que ele recebe? Um avanço de tropas e a Ordem nem ligou. O que acontecesse se os senhores negarem um pedido dos seus superiores? Se os Lila, Dalila, Godoy, Espadas, Crons, os Classic e os Genesis ficassem irritados com vocês, poderiam se proteger?
– Eles não precisam se preocupar com isso – respondeu Rendrick. – Nós não fazemos nada para atrapalhá-los. Servimos como casas secundárias, como Lorde Sindromeu.
As sobrancelhas de Orion se ergueram.
– Desde quando a casa Trindade é uma família secundária?
Um peso dos ombros de Sindromeu pareceu cair depois daquela pergunta. Orion ainda encarava aqueles senhores.
– Desde quando eu disse que eles serviam a minha família como secundárias? Não sou melhor do que eles em nada. O que dei a ele foi uma escolha, servir a uma família que o exclui de todos os seus assuntos ou estar sentado ao lado daqueles que apreciam e o valorizam.
Houve uma risada abafada do velho Ossun.
– Como se isso fosse possível. Vocês são do Norte, reconstruindo uma cidade do zero, o que vai demorar anos, e acham que podem proteger os Trindade sempre que um perigo aparecer em VilaVelha?
– Não acredita em mim?
Ossun cruzou os braços.
– Mestre Baker, acredito no que meus olhos podem ver. Um pergaminho de teleporte numa distância tão grande não pode ser produzido ou construído em pouco tempo, precisa-se de muito material e tempo.
Outros concordaram ao redor.
– Sindromeu – chamou Orion. – Acredita que eu não posso trazer meu exército sempre que houver um perigo aqui em VilaVelha? Não precisa se preocupar com a resposta, eu entenderei perfeitamente sua posição.
– A verdade é essa, Mestre Baker. – Sindromeu não tinha medo de Orion, tinha muito respeito. – O senhor nunca disse como iria nos ajudar quando precisássemos. Claro, já estive no norte e vi sua cidade, mas VilaVelha é diferente. Aqui temos muito e temos a Ordem.
– Gostaria, então, de se mudar para Keifor e se tornar uma família primária?
O clima mudou rapidamente. As luzes tiveram seu brilho diminuído. Sindromeu sentiu seu peito queimar com a pergunta. Seus olhos se tornaram focados, apenas Orion Baker e ele pareceram estar naquele plano.
Houve susto até mesmo entre os sentados, mas ninguém ousou fazer barulho. Esperaram a resposta de Sindromeu.
– Eu… – gaguejou –… não sei… o que responder.
– Claro que não tem como. Essas terras pertencem a sua família por tantos anos, seria loucura deixá-la para trás. – Orion deixou que todos respondessem. – O que acabei de dizer, Lorde Sindromeu, é que existe um lugar para o senhor e toda a sua família no Norte. Minha cidade tem espaço para mais quinze como as suas, e creio que o senhor iria gostar do clima frio.
Ainda angustiado, Sindromeu procurou a imagem de seu pai para expulsar o medo.
– O senhor… perguntou qual o desejo que temos, não é?
– Sim, você tem um?
Um desejo, proteger e servir. Assim se inteirou na mente, estudos e programas com seus tutores e mestres, para que sempre estivesse presente para o Castelo de Espadas. Seu pai morreu de uma maneira bruta, servindo em uma batalha que nem era sua.
– Os Trindade sempre serão uma família que serve a uma casa, porque meus antepassados procuraram na crença da proteção e ajuda. Nosso lema é esse, Servir e Proteger. Qual o lema da família Baker?
– Seu lema é honrado – disse Orion. – Os Baker possuem um. ‘Ocupar e Conquistar’. Seu desejo é proteger o que? É servir a quem?
Sindromeu fechou a mão.
– Aqueles que são ousados o suficiente para virem ajudar quem precisa.
Orion sorriu e concordou com a cabeça.
– Estou satisfeito demais pelo senhor. Um homem forte nas raízes e nas suas convicções. Eu respeito homens assim, por isso, sirva e proteja os Baker daqui pra frente, o que acha?
Rendrick e Dyana começaram a falar rapidamente. Ossun e os outros sete também argumentaram juntos, numa luta contra a pergunta. Sindromeu Trindade ainda observava Orion Baker e sua postura honesta e imperadora.
Essa é a chance que meu pai sempre disse que chegaria?
– Servir é simples – dizia Agusto Trindade, seu pai. – Quem servir é a escolha. Nós tivemos azar, só isso. Se houver a possibilidade, filho, não hesite. Um homem deve acordar arrependido do que fez, nunca do que deixou de fazer.
As vozes dos dez ainda se tornavam afiadas.
– O Castelo de Espadas nunca vai deixar isso acontecer – esbravejou Randrick. – Eles vão querer reparações.
– Temos o dinheiro – disse Orion calmo. Fitava Sindromeu. – Temos poder. Temos recursos. Temos um lugar. Temos vontade. Temos garra. Temos tudo para ultrapassar qualquer família nobre de VilaVelha. O que vai ser?
Ele abafou os dez de uma só vez. Olharam para Sindromeu, incrédulos. Essa é a chance que ele disse?
– Essa é uma pergunta muito forte, senhor Baker. – A pergunta veio da porta.
Parado lá, um velho escorado no portal de pedra, com um cabelo puxado para trás e uma barba bem volumosa. A roupa negra caía até os joelhos, e havia uma corrente passando do seu peito esquerdo a cintura do mesmo lado, com pingentes e símbolos diversos.
Era o Cordão de Guerra, que apenas os Velhos Reis possuíam.
Se curvaram juntos, menos Orion.
– Mestre Jinx.
Se Orion reconhecia o nome, Sindromeu não sabia. Não ter se curvado só dizia o quanto distante da Ordem os Baker estavam. E ao se tocado no ombro, foi obrigado a levantar a cabeça.
– Nenhuma família unida aos Baker curva a cabeça – disse Orion ao passar por ele. – O queixo é erguido, independente de que for.
Jinx não se moveu. Ele e Orion ficaram cara a cara. Por algum motivo, o rapaz não parecia menor ou menos influente. A postura dos dois tinham uma similaridade de poder. Os Baker são tão fortes.
– Está tentando aumentar a influência no Norte com famílias daqui? – perguntou Jinx, sarcasticamente. – Você não deveria encontrar com Artrax esses dias?
– Eu o dispensei já que não tinha nada pra falar além de tentar me convencer de vir até o chamado idiota que vocês chamam de nobre.
O Velho Rei soltou uma risada.
– Eu sempre fico impressionado. Você veio atrás dos Trindade depois de ter feito a União de Ferro se juntar a causa de vocês. E qual foi a última coisa que disse a eles? Foi…
– A Ordem não pode tocar neles. Acha que é mentira?
– Não. Não mesmo. Uma fábrica como a deles não deveria estar vinculada em produzir armas para uma população sem estudo para manuseá-las.
Ele está em posse da União de Ferro?
– Como você chegou, acho que eu deveria partir – disse Orion.
– Vir só pra causar tumulto entre as famílias nobres foi uma jogada e tanto. Lá fora, eles te esperam, sabia?
Sindromeu estremeceu. Os outros senhores também. E a calma de Orion era aterrorizadora.
– Acha que um bando de velhos querendo conversar comigo seria impressionante? – Dando as costas, Orion caminhou para Sindromeu e ajeitou seu colarinho. Os dedos dele eram firmes e calejados. – Gostaria de visitar o Norte hoje, Mestre Trindade?
A boca dos homens se abriu. Ser chamado de Mestre era um título forte, mais do que Lorde, porque dizia que sua família não possuía superiores. Sindromeu sabia bem o que acontecia – estava sendo posto no mesmo patamar que Orion e os outros senhores de família nobre.
– Será um prazer, Mestre Baker.
– Não se preocupe, voltaremos hoje ainda, quando isso tudo abafar. – Orion virou a cabeça e sorriu para Jinx. – O Papa Oculto, você deve gostar muito dele, Mestre Jinx. Alias, ele está vivo hoje apenas por sua causa.
A boca do Velho Rei se transformou em uma linha torta decaída.
– Ele me deixou um ferimento bem difícil de ser recuperado. – O braço enfaixado se ergueu, ainda ossudo, porém fortificado. – Quantos outros terão que sacrificar o que é importante porque existe uma promessa?
– Você sabe.
– Sei, mas não se preocupe. – Orion esticou o braço para a parede e um portal se abriu facilmente. – Ele não vai sobreviver da próxima vez.
O azulado portal ficou transparente e a imagem do outro se mostrou. Jinx observou a quantidade de figuras usando vermelho. Era a cor real dos Baker, e mais de cinquenta em espera. Ao virem Orion passar, acenaram, mas não se curvaram.
Sindromeu passou também e muitos o saudaram fortemente. Até mesmo o cumprimentaram.
Aquele portal trouxe um olhar diferente a Jinx. Ele reconheceu, mais do que os outros, o tipo de magia.
– Entende agora? – falou Orion do outro lado, onde a neve caía e flocos caíam para dentro da sala. – Posso ir e vir sem problemas. Os Baker estão em todos os lugares, senhores. Aprendam isso e pensem a respeito do norte. O desejo de ser vassalo para sempre é o que está em seus corações?