Passos Arcanos - Capítulo 244
– Keifor tem uma das melhores economias desde que os Baker se instalaram – disse Cassiano a Sindromeu, andando vagamente atrás de Orion pelas ameias da recém muralha. A pedra úmida veio de uma fraca garoa da manhã, mas terminada quando as nuvens se tornaram claras e os ventos sopraram mais levemente.
De cima, as novas casas podiam ser vistas sendo reconstruídas ou remodeladas pelos pedreiros e marceneiros. Sindromeu observou a quantidade, mais de vinte trabalhando em um mesmo recinto, discutindo e avançando rapidamente no levantar de paredes e também em construções internas.
Outros pontos, como duas torres enormes, uma situada perto das muralhas viradas para o oeste, e outra bem perto do porto, governada pelo cheio de peixe e sal. E o estaleiro, Sindromeu não lembrava de ter visto um tão grande desde que esteve em São Burgo. Cinquenta metros de altura, mais de uma dezena de nivelações, o trabalho dividido em setores e a quantidade de homens entrando e saindo.
O mais impressionante de tudo aquilo era que pareciam satisfeitos. Seus rostos rosados, fartos de comida, aquecidos pelas vestes quentes e peludas, um apreço pelo que faziam. Era difícil encontrar pessoas que vivessem num lugar tão extremo e não tivessem reclamações.
– O que vocês estão fazendo aqui? – perguntou ao parar no meio da muralha. – Essa cidade parece viva.
Cada loja, cada voz, um desejo estranho de querer avançar. Sindromeu Trindade sentia-se pequeno naquela cidade que não era nem mesmo metade de VilaVelha.
– Oportunidade – respondeu Cassiano. – Aqui, as pessoas são tratadas com respeito. Venha, ainda não terminamos nossa caminhada.
Seguiram a passos calmos. A natureza gélida daquela cidade acalmava os ânimo e também pensamentos. Um lugar calmo e tranquilizante para se estar. Um mundo feito de gelo, estático, sem nada a acrescentar, assim via Keifor. E a frente, caminhando sozinho, existia uma chama tão brilhante, tão gritante, que cegava e o obrigava a ignorar a sua volta.
O Mestre dos Baker sozinho transparecia aquela energia e presença de um imperador indo em busca do propósito de sua vida. Um dia, quando era garoto, viu em seu pai a mesma sensação. Queria ter sido mais de uma vez, porém, ao demonstrar sua verdadeira presença, já estava em campo, lutando contra o Clero junto do Castelo de Espadas.
A energia que viu somente por segundos no seu maior herói e exemplo vivia acessa num jovem de vinte anos.
Ao perceber que passaram por uma das torres de guarda, Cassiano apontou para onde outro grupo de edifícios era construído. Um relevo mais alto, ocupado por pedras afiadas entre as casas, com telhados triangules de telhas escuras. Cada andar possuía uma sacada, e sua estrutura em forma de cone o lembrou de como as antigas casas eram modeladas em Archaboom, isso antes dela se tornar palco das destruições.
Orion parou de frente para a construção. Estando quase cinquenta metros de distância, o som de marteladas e ordens vagueavam entre o vento e a neve fraca.
– Aquele terreno é um dos melhores que temos – disse Orion assim que os dois se aproximaram. – Está perto de uma torre, tem vantagem no terreno e consegue se unir em qualquer parte da muralha em minutos.
– É um bom lugar – concordou Sindromeu. – Para ser melhor, deveria existir um caminho que interligasse as casas. Uma família teria cerca de cinco a seis guardas, mas para esse tamanho, talvez cerca de dez.
– Estamos observando a situação de uma cidade em especial para trazer os Cavaleiros de lá. Eles servirão bem para o serviço.
Avaliar quantas batalhas um terreno poderia travar até que fosse dominada era de suma importância. O terreno rochoso tinha potencial, muito potencial, para ser governada para fins militares, para proteger a cidade.
– O que acha? – ouviu de Orion. – Podemos terminar tudo em seis dias se aumentarmos a carga de trabalho.
Surpreso, Sindromeu não tirou os olhos de lá.
– Posso não ser uma pessoa muito bem planejada, mas seis dias nunca seriam suficientes para erguer tantas casas.
– Essa muralha foi construída em dois meses, Mestre Trindade – revelou Cassiano, atrás deles. – Um trabalho muito bem feito e perfeitamente alinhado com o que procuramos desde o começo.
– Dois meses? – procurou esconder um pouco mais da surpresa. Eles sabem o que fazer mesmo. – E qual seria o objetivo dos Baker no próximo ano, Mestre Baker? Digo, existe tanto para se fazer, mas ainda é limitado ao terreno do Imperador Nero.
– Estamos resolvendo essa pendência, mas digamos que exista uma possibilidade. – Orion virou seu rosto, tão calmo quanto esteve na frente do Velho Rei Jinx. – Uma possibilidade de nos tornarmos independentes. Uma cidade governada apenas por nós.
– Uma cidade-estado?
Sindromeu viu o sorriso de lado dele ao voltar a encarar adiante. Como alguém podia dominar tanto o espírito para não extrapolar de ansiedade ao pensar em ganhar independência de um reino milenar?
Um jovem de vinte anos não teria como. Isso era impossível.
– Muito ainda deve ser feito – disse Orion. – Enquanto esperamos, quero que se lembre daquelas casas. O Relevo Trindade, é o nome que eu dei a ele. Nunca fui muito bom com nomes, caso queira trocar.
– Relevo Trindade.
– É onde sua família estará no próximo mês, Mestre Trindade. Isso caso aceite se tornar uma família independente, fora das amarras da Ordem dos Magos.
Estremeceu apenas em pensar em debater contra o Castelo de Espadas, contra Hallis Espada.
– Eu vou cuidar deles – respondeu Orion como se lessem sua mente. – Apenas precisarei que diga sim ao meu pedido. Venha e se instale aqui, e prosperá como um verdadeiro líder, como seu pai um dia iria querer.
Sindor não pôde deixar de olhar para ele.
– Hallis Espada não irá gostar nada. Somos uma das famílias que mais leva ouro para seus cofres. Com a crise econômica que a Ordem está se afundando por causa das Torres Mágicas, dirão que os Baker são os responsáveis.
– Não tem problema. Eles possuem mais problemas do que nós, isso é verdade. E você não deveria estar tão desesperado quanto a dinheiro. O senhor irá dirigir os fundos armeiros de toda Keifor, incluindo da minha família.
O rapaz ainda olhava para longe. Ele está vendo o futuro?
– Sou grato, Mestre Baker, de verdade. Isso é um sonho pra mim.
– Acorde, então. – Orion o olhou mais uma vez. – Os sonhos são apenas uma parte da conquista. Fique acordado para se ver chegando aonde quer. Vou lhe apresentar aos meus Mestre de Burgo, terá muito trabalho quando voltar a VilaVelha.
Eles tomaram caminho para a escadaria externa da muralha. Muitos Baker passaram, cumprimentando. Sindromeu apertou a mão de muitos, como se já fosse muito bem conhecido por ali.
A sensação era completamente diferente de quando estava a mercê do Castelo de Espadas. Um homem tinha o direito de ser valorizado, e ele queria mais do que tudo ter o respeito adequado pela história de sua família.
Os Trindade deveriam e seriam fortes.
I
– Ele vai trazer todos em uma semana – anunciou ao seu grupo fechado. – Serão independentes entre a gente, mas não responsáveis pelo Castelo de Espetos. Os minérios foram enviados e já estão sendo reparados.
A sala de reunião sempre parecia lotada quando os Mestres e Anciãos se juntavam. Desde a última que tiveram, Tito e Nayomi foram os que não sabiam sobre os detalhes de cada expedição e também das condições.
Assim que descritas por Mestre Krifren, os dois arregalaram seus olhos.
– São mais de cem milhões em três meses – ofegou Tito Baker. – Como acordos tão pequenos trouxeram esse valor?
– Exclusividade é uma benção que não se encontra em qualquer pessoa – respondeu Orion. – Temos que manter a nossa imparcialidade dentro de VilaVelha. O Castelo de Espadas já solicitou um reparo de quase vinte milhões de ouro por conta dos Trindade, e ainda querem que nós paguemos um tributo anual de cinquenta milhões em taxas de perda.
– Ridículo – Ancião Dest cuspiu na mesma hora. – Uma família nobre querendo passar a perna na gente?
– Pode se acalmar, Ancião. – Os olhos de Krifren quase se fechavam ao falar. – Eles estão presos dentro do contrato que fizeram com os Trindade. Nós temos uma cópia, e o valor não chega nem perto de ser absurdo.
As vozes quentes foram tomadas pela frieza do Tesoureiro da família. Ele continuou:
– Quando o Castelo de Espadas criou o acordo, a moeda era pouco valorizada. Ninguém iria imaginar que daqui a centenas de anos, ouro seria fácil de achar. O preço de tudo aumentou por causa da guerra, e eles querem que paguemos um valor justo. – Krifren respirou fundo. – Não existe justiça em acordos selados. Essa é a verdade.
– Quanto a nossa mais nova construção, senhores – completou Orion. – Teremos mais duas famílias em seis meses a nossa disposição. Keifor será estadia de uma mudança diferente quanto a que conhecemos. Os Cavaleiros de Santa Helena também virão, preciso que usem as runas de criação que foram doadas.
Mestre Abake ergueu a mão ligeiramente.
– Quem é aquele rapaz que o senhor chamou para tomar conta das runas passivas? Ele é genial, conseguiu ajustar metade dos nossos problemas enquanto estava fora.
Orion sorriu. Adorava que elogiassem seus amigos.
– Lafel Forwe é meu braço quando o assunto é Arcanismo Comum e suas variações. Qualquer problema relacionado a magias passivas, falem com ele. – Meio nublado, continuou: – Ainda não tive como visitá-lo, mas digam que o encontrarei quando não estivermos mais pisando em cacos de vidro contra a Ordem dos Magos e o Clero.
– Outra coisa – disse Abake –, sobre a construção subterrânea, existe previsão?
– O senhor pode dar início assim que o Relevo Trindade encerrar as Dez Grandes Casas.
Outra remessa de relatórios sobre os depósitos no Banco Central e mais alguns das lojas por Mestre Keila. A cidade inteira tinha a sensação de que eram bem cuidados, Milena e Kadu faziam um serviço perfeito ouvindo os moradores e melhorias eram feitas todos os dias.
Algumas saíam do imprevisto, como um incêndio ou uma inundação por causa dos esgotos feitos recentemente. Orion não tirava dos que perderam, tirava do próprio bolso. O único assunto que tinha uma enorme importância era a comida.
– Com os visitantes vindo, os suprimentos vão se encerrar três vezes mais rápido – anunciou Ancião Dest. – Três organizações vindo de São Burgo possuem capacidade de suprir nossas necessidades, Mestre Baker.
– São Burgo já carece de muita gente.
– Outra cidade livre?
– Cidades Livres tendem a ter muitos habitantes – disse Mestre Krifren. – Não se pode comer dinheiro. Temos que achar outra maneira, uma mais leve.
Orion olhou para Rinngo e depois para Dest. Eles pensavam o mesmo, um lugar onde a Ordem tinha pouco controle e o terreno era bom.
– Caldeiras de Ilhotas – ousou dizer em voz alta. – Os Germaco ainda são comandados por Gabriel Germaco e eles possuem as maiores fazendas desde que saímos de lá.
Houve repreensão no olhar, mas era uma escolha sensata. Mestre Keila e Abake se entreolharam, havia algo preparado ali.
– Mestre Baker – disse Keila cautelosa. – Acreditamos que depender das Caldeiras, como já aconteceu uma vez, seria uma ideia desastrosa. Eles não respeitam a nossa história e nos desprezam, não apoio essa ideia.
– Nem eu – falou Abake.
Krifren, Dest, Rinngo, Wallace e Tito também desaprovaram. Orion sorriu a negação de cada um.
– Gosto de ver que ainda se lembram do motivo deles não gostarem da gente. Façamos a coisa certa, então. Rasgun Baker tem o projeto, Dest ficará responsável.
O Ancião abaixou a cabeça e concordou.
– Rinngo – continuou Orion –, venda dois Sumonas que temos para os Anões. Eles são o povo mais rico por causa das montanhas de Juntorril. Acima de cinquenta, se for possível.
O Ancião tremeu ao responder e interveio:
– Como faremos a ligação?
– Ah, esqueci. Um convidado está esperando pelo senhor na Terceira Casa, ele se chama Drieck Hassus. Ele é um Escolástico que serviu a Academia de Magnus, mas desde que ela se tornou um refúgio para as pessoas de Cedero, ele e Lafel caminham por ai realizando trabalhos voluntários.
Cassiano e Oliver trocaram olhares, e alguns outros sorriram.
– O senhor está montando uma equipe muito forte dentro dessas muralhas – disse Mestre Abake, bem satisfeito. – Podemos ver que cada passo que damos está sendo bem orquestrado. Drieck Hassus estará responsável por qual posição, Mestre Baker?
– Os projetos do Professor serão guiados por ele daqui pra frente. E claro que o primeiro deles seria a ‘Comunicação Alta por Mana Alta’.
Muitos aplaudiram com calma e outros soltaram arfadas altas e gloriosas. Nayomi, Mestre Pice e Heivor Lobo não entenderam tamanha comoção, Tito os explicou:
– É um projeto que viabiliza nos comunicarmos com qualquer criatura que utiliza mana. É um dos projetos que a Ordem recebeu muito tempo atrás, mas não teve rendimento em construí-lo.
– E quem forjou?
– Dizem que foi o Professor, um Mestre Arcanista. É uma lenda que contam para não parecer impossível de acreditar. – Tito negou com o dedo e apontou. – Na verdade, Orion fez isso quando tinha doze anos.
– Doze anos? – Heivor quase engasgou com a água que bebia. – Que porra?
Nayomi também ficou chocada.
– Um projeto desses levaria décadas para ser feito, não? – Mestre Pice não escondeu a pergunta. – Ele apenas concluiu?
– Esboçou, projetou e implementou em pequena escala algumas vezes – disse Tito. – Por isso é importante. Se tivermos esse sistema, podemos nos comunicar com qualquer parte do continente ou com qualquer um que tenha sua mana armazenada no banco de mana da magia.
Os dois representantes da Tribo Mestiça ficaram pasmados. Uma forma de falar com outros, um jovem criador. Além de lutar e ser um especialista em tantas áreas, o tal nome do Professor era o próprio Orion Baker.
Quantos segredos um rapaz desse tinha?
– Mestre Baker – chamou Cassiano em um canto. – Como a União de Ferro entrará nesses tantos projetos?
– Obrigado por me lembrar, Mestre Cassiano. – Orion ergueu a mão fazendo as vozes se calarem rapidamente. – A União estará ao nosso lado porque compramos praticamente metade das ações. Um preço tão baixo que parecia mixaria.
Alguns riram. A verdadeira economia dos Baker era surreal.
– Eles irão vir para cá e se instalaram na Segunda Casa por um período de seis meses. Esse é o acordo. Se eles não puderem acender o brilho dos nossos olhos, não faremos mais negócios. – Mais vozes se elevaram. – Se acalmem. Nós sempre procuramos pessoas que possuem causas semelhantes as nossas, e eles tiveram.
– Iremos modelar a Segunda Casa – Mestre Keila se pronunciou. – Quem irá ficar responsável por eles?
Orion correu o olhar até Ancião Rinngo. O homem aceitou de imediato com um balançar de cabeça.
– Para finalizar, Mestre Krifren, diga o lucro mensal, por gentileza?
O homem ergueu a cabeça lentamente e abriu a boca, bocejando. Era divertido vê-lo tentando ficar acordado, mais ainda sonhando acordado, como sempre fazia.
– Pelas vendas dos navios, pelos elixires e a ferramenta mágica que vendemos para o Banco Central, recebemos setenta milhões de moedas de ouro. Mestre Baker, somando o tínhamos no mês passado, nossa soma no Banco Central chega a 120 milhões. – Tumulto já se espalhava. – Calem-se, macacos falantes. Estou fazendo contas. Obrigado. E pelas vendas que faremos nessa semana, nossa quantia deve chegar a 200 milhões. Creio que esse número é especulativo já que ainda temos mais três ferramentas mágicas e guardamos os elixires para os Imperadores.
– É um número excepcional. – Orion fitou aqueles rostos aquecidos por tantas informações boas. – Não se esqueçam que somente vocês sabem o quanto recebemos. Esse dinheiro pertence a família Baker e apenas a ela.
Mestre Abake e Keila ousaram pedir melhorias em diversas partes da cidade. Mestre Cassiano quis um pátio para treinar os Cavaleiros que Wallace comandava, e um pedido ainda maior por parte de Wallace e Tito, trazer de volta todos os Baker que ainda lutavam nas trincheiras.
O último, Orion Baker não respondeu.
Era o mais arriscado. Entretanto, o mais fácil de resolver. Tinha que tomar cuidado. No norte, a velocidade da construção de sua cidade ainda não tinha sido revelada, mas assim que as informações corressem, seria um choque.
Trazer todos de volta causaria um aceleramento dessa propagação. Mas, assentiu para os dois com um pouco de sensatez.
– Se a Ordem não puder tirar os Baker das trincheiras, levaremos a verdadeira guerra até eles.