Passos Arcanos - Capítulo 246
Por longos dez minutos, Norma e Hallis adotaram a falar sobre como os Trindade deveriam ter agido em diversas situações, o que acarretou em perdas grandiosas. Como eram uma família cheia de transições de suprimentos, carregavam o fardo de maior parte dos alimentos dos acampamentos e Fortes espalhadas pelo território da Ordem.
E foram respondidos com outra pergunta.
– E o que vocês fizeram? – Orion esperava sua vez, sem anotar ou discutir nada com os seus. Apenas ficavam ali, esperando pacientemente. – Uma única família forja alimentos para toda Hunos? Além de ser uma mentira, também seria descaradamente uma situação injusta. As Ilhas Seguras, como Caldeiras de Ilhotas e Santiago, produzem mais da metade dos alimentos. Verdura, carne, frutas e até mesmo couraça, são eles que fazem isso. Antigas famílias nobres que tiveram seu tempo na guerra terminados e foram viver tranquilos. Bela tranquilidade essa. Em Caldeiras de Ilhotas, o pedido que fazem daqui são três vezes maior do que os Trindade produzem, isso no mês. Eu quero argumentar com a Alimentos Medidos em Custo, da Justiça Mágica, que reduzido em poucas palavras, no capítulo sobre Fundos e Correções, cada família deveria receber em dinheiro o que for fornecido em carne e derivados. E os Trindade, por mais de cinquenta anos, com o Lorde Sindor, pai de Sindromeu, não foram pagos devidamente.
Mais uma vez, ele não estava apenas dando um pequeno ponto na questão, envolvia toda a estrutura da Ordem. O sistema capitalista preso dentro de bases, questionando algo instalado por muito tempo.
Darken olhou mais uma vez para os Velhos Reis, apenas para ser ordenado a seguir adiante.
– O que questiona verdadeiramente com esse argumento, Mestre Baker?
– Os Trindade não deveriam pagar pelo que acontece na história, da mesma forma que minha família não foi paga por cada sacrifício. – Orion olhou para onde as famílias secundárias estavam. – E aposto que nenhum de vocês foi. Dinheiro é o problema para a Ordem? Então por que não é aumentado o valor das correções em fortes espalhados, nos Templos Arcanos conquistados, nas taxas de adesões dos Magos e Arche-Magos, das Casas de Leilões, das empresas que possuem mais de dez filiais espalhadas sob o título de serem neutras em Hunos? – Aumentou a voz, andando na direção deles. – Por que pagamos um preço que ninguém mais paga? Por que a história se repete?
– Os Baker não pagam nada faz vinte anos. – Higor Lila não deixou o nojo escapar das palavras. – Os desonrados pagam com a vida, os honrados com dinheiro.
Orion não se virou, ainda olhando para Sindromeu e sua família.
– Ouviram? Aqueles que não servem para a Ordem precisam ser mortos, é melhor do que ajudá-los. Por isso minha família não voltou ao continente. Homens como esse, Higor Lila, criador de uma lei que taxa 30% a mais dos funcionários acima dos quarenta anos em impostos em VilaVelha, dita quem deve ou não sobreviver.
– Isso é incriminador – ouviu de alguém das outras famílias. – É ultrajante.
Orion voltou a olhar para Darken.
– É ultrajante, senhor Darken? Diga para mim, a Justiça Mágica tem um dos maiores recursos por conta das expedições em terras desconhecidas, e no final, a quantidade de doações não ultrapassa o valor que vem das Ilhas Seguras.
– Uma forma de prevenir o decaimento dos Justiceiros – respondeu Darken com um pequeno hesitar. – A Justiça Mágica paga em dia cada uma das parcelas necessárias para manter as cidades em linha reta.
– E como me responde o fato de que nos últimos cinco anos houve um aumento de criminalidade sem respostas? Cerca de duzentos casos de desaparecimento, mil e duzentos pedidos de procura e mais de dez mil mortes confirmadas sem ao menos um Justiceiro estar envolvido para apurar os fatos?
Orion parou de andar e olhou para Artrax. O Velho Rei sentiu uma pontada de esclarecimento.
– Como pode a Justiça Mágica não olhar para um sistema escravista que se instalou dentro do submundo sendo tão bem paga? E como as famílias comuns, pobres e esperando uma oportunidade de mudarem, serem deixadas de lado por tanto tempo?
Groi deu uma risada abafada.
– Esse moleque vai acabar com tudo hoje. Que bom que eu vim.
Orion não parou.
– É sobre isso que se trata minha posição aqui. Querem falar sobre dinheiro, eu pago. Querem falar sobre recursos, minha família pode doar o quanto necessário. – Fez uma pausa olhando para os dois Velhos Reis. – O que vai mudar para os moradores que sobrevivem cada dia? Higor Lila, que seja feita a sua vontade, eu entrego cerca de vinte milhões aqui e agora se quiser, mas não me venha com essa babaquice de que os desonrados pagam com a vida.
– E não é assim desde sempre? – Higor rebateu fortemente. – Desde que Omar Baker roubou um tesouro e…
– E os Baker foram os únicos penalizados porque o grande Masquerati tem medo de nós.
Aquela afirmação criou um silêncio muito pesado. Orion olhou ao redor, para Anneton, Groi e Heda, depois para Sindromeu. Eles não esperavam por isso, Orion também falou com raiva no coração.
Estava entalado muito tempo na sua garganta.
A mão de Wallace repousou em seu ombro, e depois Tito. Orion respirou fundo e abaixou a cabeça. Ainda não é o momento, preciso de mais um pouco de força. Fechou a mão fragilizada, sem estar perfeitamente em dia, lutar contra o Masquerati seria impossível.
Precisava de mais tempo, muito mais tempo.
– Quer citar o Masquerati em seu argumento? – Higor avançou em sua melhor chance. – A injustiça de uma família desonrada vem porque seu achismo é superior as verdades? O que acha que acontece com aqueles que vão contra o código moral da Ordem dos Magos? São punidos.
– A punição é a única medida que pode colocar criminosos na linha – disse Norma Godoy, também avançando. – Orion Baker, você não tem direito de ditar quem está ou não correto dentro das leis da Ordem.
Orion concordou.
– Não tenho, e nem quero. Mas, vocês podem? Sindromeu Trintade escolheu sair depois que Hallis Espada intencionalmente mirou a fúria sobre sua casa, tudo por conta de um casamento falho. – Orion apontou o dedo para frente. – Quem tem direito de dizer quem vive ou quem morre? A Ordem, o Clero, os Feiticeiros?
– Quem possuí mais influência e poder.
A voz veio de cima, do terceiro piso. Jinx havia respondido.
– Essa é a premissa – continuou. – Hoje temos rendições de influência justamente porque o sistema se tornou grande demais. Entretanto, o mais forte não é mais aquele que pode ter tudo, é aquele que tem as pessoas para si. É sobre isso que se trata a verdadeira batalha.
O rosto de Orion contorceu em desgosto.
– A moralidade falando alto, como se fosse tudo. Aqui dentro dessa sala, apenas duas pessoas poderiam me parar, Mestre Jinx. Eu deveria me submeter ao restante porque possuem mais acordos ou aliados? – Orion não gostava nada desses termos. – Os Trintade escolheram um lado, por ir contra todas essas famílias, eles deveriam abaixar suas cabeças? Não, os fortes fazem as escolhas, os fracos optam por conhecer.
Demonstrar ignorância seria uma jogada interessante, mas Orion falava com base no que tinha experimentado até ali. Das lutas e também dos encontros, das falhas e perdas. Nunca abaixaria a cabeça, ele era um Cão Imortal.
– Vidas podem ser poupadas se tiver a bondade de recuar alguns passos no campo de batalha – disse Jinx, ainda calmo. – Os maiores guerreiros sabem quando usar a espada e as palavras. Abaixar a cabeça não é ruim se isso salvar milhares de vidas, Mestre Baker.
– Seria lindo se esse discurso inteiro fosse usado corretamente – indagou Orion. – Até porque a Ordem e o Clero lutam por uma ideologia faz tanto tempo que até mesmo os mais novos historiados não entendem o motivo de estamos sendo arrastados para tantas mortes. Diga-me, Mestre Jinx, abaixaria a cabeça para o Papa para salvar VilaVelha ou morreria lutando pelo que acredita?
Artrax virou o rosto para Jinx com uma expressão interessada.
– Essa é uma boa pergunta.
O Velho Rei Jinx suspirou levemente.
– Existem muitas contradições, isso é certo, Mestre Baker.
– Como eu pensei – disse Orion. – Eu gostaria de encerrar com Malusi contra Hener, da Segunda Era. Os Trindade não vão ser penalizados por sistematização de ataque e defesa, e também por condição justa. Eu pagarei cerca de vinte milhões em ouro por dominância territorial e perda gerenciável, já que a Ordem passa por uma situação complicada. E abro margem em Malusi contra Hyota, qualquer família secundária possui o direito de intervir em sua própria sobrevivência, escolhendo estar onde quiser sem precisar pagar pela história que possuí.
Hallis Espada olhou para Darken. O Justiceiro abriu outro livro, procurou pela passagem e brandiu a cabeça.
– Os intermédios vão ser testados pela Justiça Mágica, Mestre Baker. Irá demorar alguns dias, mas os Trindade possuem liberdade para ir. E o valor de vinte milhões já foi depositado, como bem fez antes de entrar por essas portas, então, não há problemas.
O Círculo Nobre se revoltou na hora. As vozes e também reclamações aumentaram.
– Deveria ser pago cem milhões – berrou Norma Godoy. – Como podem ir assim, Justiceiro? Aceitar essa miséria.
– Sua família não faz vinte milhões no mês, Senhora Godoy – falou Orion Baker. – Se contente com a migalha.
– Darken. – O calmo Higor Lila ergueu a mão. – Malusi contra Hener tem uma brecha dizendo que seu contratante deveria estar a par com as regras da Ordem. Os Baker não atuam dentro das nossas leis, isso negaria o envolvimento.
O livro ainda aberto foi lido por alguns instantes.
– Está correto, Mestre Lila. Mestre Baker, sua atual posição não remete a Ordem dos Magos. Malusi contra Hener é inválido.
Orion olhou para Higor e sorriu.
– Eu esperava por isso. Malusi contra Hyota em 542 ER, senhor Darken. – Orion esperou que o Justiceiro procurasse. – A Ordem ordena por cima de Hunos, pedaço por pedaço. Ideologia se remete a ideia e ideias não são materiais, o Arcanista Malusi ditou isso no seu julgamento e venceu.
Darken concordou mais uma vez.
– Mestre Lila, sua negação é inválida. Malusi ganha.
O homem endureceu o queixo e olhou para seus documentos, ainda posturado. Por segundos, procurou por algo, e parou de folhear. Hallis e Norma ainda o observavam ansiosos.
– Mais alguma coisa, Mestre Lila? – Darken perguntou.
Ele negou com a cabeça.
– Não. Isso é tudo.
Ao erguer o olhar, avistou Orion Baker do outro lado o encarando. Não havia deboche ou desgosto, apenas uma indiferença maiúscula. Não que aquele julgamento fosse fácil para ele, apenas parecia… desnecessário.
Hallis iniciou seus xingamentos baixos quando retornou para perto de sua família. Norma Godoy ordenou que vários dos seus mensageiros corressem para as casas secundárias, iria segurá-los para que não houvesse motim. E Higor Lila sentou-se no banco, com seus dois velhos amigos ao lado.
Higor apenas observou Sindromeu Trindade sorrir e se despedir dos outros senhores de famílias secundárias. E Orion, o rapaz estava parado na porta, e de repente alguém se aproximou e falou algo em seu ouvido.
Sua expressão mudou na hora.
Ao mesmo tempo, alguém avançou atrás de Artrax e informou algo também.
– Alguma coisa está acontecendo – disse para os demais.
– O quê? – Hallis parou de praguejar para prestar atenção.
As famílias secundárias ainda não haviam sido informadas e Darken acionou cerca de dez Justiceiros para levá-los por uma saída lateral. Higor ficou de pé e esperou que a porta atrás deles fosse aberta.
Nada, ninguém entrou para passar a mensagem.
– É um ataque – a voz adentrou em sua mente. Ele reconheceu o tom e olhou para longe. Orion o encarava. – Estão sequestrando pessoas das fazendas a leste.
Higor Lila não teve tempo para pensar na mensagem telepática. Apenas tomou passos rápidos.
– Vamos – gritou aos demais Lordes nobres. – Temos que proteger Vila Velha.